Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A força da censura

Um juiz de Macaé, RJ, determinou que o livro 50 Tons de Cinza e outras obras que qualificou de “eróticas” fossem apreendidas e só pudessem retornar às prateleiras em embalagem lacrada. Aquele saudável hábito de folhear os livros antes de comprá-los (ou até, em certas livrarias, de lê-los em confortáveis poltronas, sem que ninguém chateie o cliente) está vetado. Como ocorria na época da ditadura militar com revistas cujas fotos eram consideradas pornográficas (e que hoje circulam normalmente na internet e fora dela, sem abalar em nada a segurança nacional), livros estão sendo embalados em papel opaco para que ninguém possa vê-los a não ser depois de comprá-los.

O Ministério Público Federal pediu que a Rede Globo fosse proibida de transmitir, durante o Big Brother Brasil, cenas que pudessem estar relacionadas à prática de crimes. Só que o BBB é transmitido ao vivo. Imagine um jogo de futebol em que, fora de si, um jogador quebre o pescoço de um adversário e o mate. A TV deve encomendar, sabe-se lá em que local, equipamentos com poder divinatório, para prever o futuro e saber quando suspender a transmissão?

A Justiça, ainda bem, negou o pedido de censura à TV. A juíza não disse, mas há na TV dois excelentes mecanismos de defesa da moral, dos bons costumes, dos hábitos da família, do bom-gosto, do controle do que pode ou não pode ser visto: o botão de troca de canais e o botão de desligar. Este colunista jamais viu as cenas que o Ministério Público considerou ultrajantes (uma cena em que um participante, oculto por um edredon, teria mantido relações sexuais com uma jovem adormecida), pelo simples e bom motivo de que não vê o programa, por livre e espontânea vontade. Não há lei alguma que obrigue qualquer pessoa a assistir à TV o tempo todo, nos canais preferidos da maioria.

A propósito, o inquérito a respeito do caso que provocou o pedido foi arquivado, sem que ninguém sofresse qualquer tipo de acusação.

De qualquer forma, esses tipos de iniciativa demonstram que, no Brasil, a ideia de que o governo deve tutelar a população, indicando-lhe o que deve e o que não deve fazer, continua forte – tão forte quanto na época em que o país não tinha imprensa, mas tinha censura, e tão rígida que o primeiro jornal brasileiro não oficial teve de ser editado em Londres. É preciso estar permanentemente alerta, para evitar que o cidadão comum seja obrigado a assistir, a ler ou a ouvir apenas aquilo que lhe determinam, queira ou não queira.

 

Guerra jornalística

Octavio Frias de Oliveira, o grande construtor da Folha de S.Paulo, costumava dizer que a vantagem de ser velho é ter visto tudo acontecer, e ao contrário também. É surpreendente que muitos jornalistas até hoje não tenham aprendido que o mundo gira, que o tempo voa, que quem dizia que Maluf, Lula e Collor ainda iam acabar juntos não era maluco, era profeta.

Não se pode falar em guerra ideológica, pois o que menos há nessa guerra é ideia. Mas temos de um lado grupos convencidos de que qualquer notícia que saia contra o ex-presidente Lula e seus partidários é automaticamente verdadeira (inclusive a de que ele tem sabe-se lá quantos bilhões de dólares em sabe-se lá quantas contas bancárias), enquanto outros grupos acham que qualquer notícia em favor do ex-presidente Lula é automaticamente verdadeira (inclusive a de que ele será eleito Prêmio Nobel da Paz). Outros grupos procuram demonstrar que qualquer denúncia que se faça contra Lula é inepta porque adversários do ex-presidente fizeram a mesma coisa em outras épocas.

Até aí, tudo bem: é até engraçado. A quantidade de bobagens de lado a lado, para quem conhece qualquer parte dos fatos (a última, por exemplo, de que Lula tem imóveis com pintura descascando, o que prova que ele não tem dinheiro sequer para mantê-los) ignora que ele mora num prédio em São Bernardo. Como um dos condôminos, pode até reclamar da pintura do prédio, se não a considerar em condições, mas não tem como contratar um pintor e fazer a obra sozinho.

O problema é que, de ambos os lados, a guerra se tornou pessoal e acabou várias vezes indo parar na Justiça. Um blogueiro informou que um importante executivo da Rede Globo tinha sido ator de filmes pornográficos. Besteira: se foi, e estava dentro da lei, ninguém tem nada com isso. E não foi: havia um homônimo, também conhecido, que foi mesmo ator de filmes pornográficos. E daí? Daí que a coisa foi parar na Justiça, como se não houvesse trabalho suficiente para ocupar os juízes. O acusador foi condenado em duas instâncias e reclama que o tribunal não teve senso de humor para entender a graça da piada.

Não pode: quando jornalista se envolve em guerras políticas a ponto de mover campanhas contra colegas, está extrapolando, deixando de ser jornalista para tornar-se político. E tudo aquilo de que o país não precisa é de mais políticos. De jornalistas, que tentem decifrar o que está acontecendo (com erros, com acertos, com opiniões contrárias às nossas ou não), disso precisamos e muito.

 

Chame a TV

Uma padaria, em Curitiba, foi assaltada 38 vezes. O dono chegou à conclusão de que chamar a polícia era bobagem: não funcionava, mesmo. E chamou a TV. Resultado: os assaltantes vieram mais uma vez, mais uma vez assaltaram a padaria, não sem tomar um lanche reforçado antes de anunciar o assalto. E ainda prenderam repórter, repórter-cinematográfico e auxiliar, roubaram o carro da reportagem, celulares e outros equipamentos, além do dinheiro da padaria e alguns produtos ali expostos. Um dos criminosos, o mais violento, ameaçava matar um dos clientes só para que os reféns, pela primeira vez, vissem um morto na padaria. Polícia? Ali, como em outras grandes cidades do país, existe, mas não funciona. O ponto a que chegamos: não deu certo, mas o dono da padaria chegou a achar que uma equipe de reportagem de TV seria mais eficiente do que a polícia.

Deve haver centenas de explicações, mas há uma pergunta a que nenhum meio de comunicação conseguiu responder até hoje: por que em outros países a polícia não apenas funciona como tem a confiança dos cidadãos?

 

O médico, o jornalista

O slogan aqui é perfeito: não dá para não ir. Júlio Abramczyk, o lendário médico que sempre cuidou com perfeição do noticiário científico da Folha de S.Paulo (e ao mesmo tempo tratou da saúde de gerações de jornalistas, e manteve um consultório particular de alto prestígio, aliás merecidíssimo), lança o livro Médico e Repórter – meio século de jornalismo científico. Abramczyk acompanhou a evolução da Medicina e do Jornalismo nos últimos 50 anos e, excelente papo, sabe contar como as coisas aconteceram. Uma das grandes figuras da imprensa brasileira. Lançamento na terça-feira (29/1), a partir das 19h, na Livraria da Vila, do Shopping Higienópolis, em São Paulo.

 

A rainha do traço

Magy Imoberdorf foi uma das rainhas da publicidade brasileira, enquanto se dedicou a isso (foi, entre outras coisas, uma das sócias da agência Lage, Magy). Grande artista plástica, deu uma pequena guinada na carreira (seu talento na área já transparecia na publicidade) e passou a dedicar-se ao desenho.

Magy nasceu na Suíça, formou-se em Artes Gráficas em Lausanne, veio para o Brasil, onde cresceu como publicitária e se naturalizou brasileira. Vive hoje entre Berlim e Santana do Parnaíba, SP. Desenha magnificamente – e, nesta exposição, que na terça-feira (22/1), na Galeria Mônica Filgueiras & Eduardo Machado (Rua Bela Cintra, 1533, São Paulo), a partir das 19h, mostra obras de primeira linha. Vai até 16 de fevereiro: de segunda a sexta, das 10 às 19h; aos sábados, das 10 às 14h30.

Nessa exposição, de 25 desenhos, cada um composto de várias folhas de poliéster, que permitem modificar a obra, Magy mostra “o vai e vem das pessoas, cada vez mais anônimas e cada vez mais indo e vindo sem saber de onde ou para onde”. Este colunista sabe direitinho para onde vai: no dia 22, às 19 h, para a exposição de Magy Imoberdorf.

 

Como…

De um press-release absolutamente notável:

** “Gostaríamos de comunicar que hoje (…) tivemos um incêndio em um de nossos (…) prédios (…)”.

Tirando alguns casos notórios, em que um bom incêndio resolveu uma série de problemas de empresas complicadas, este colunista nunca soube de alguém que gostasse de comunicar que a empresa sofreu um incêndio.

 

…é…

De um grande portal noticioso:

** “Pais deram heroína que matou bebê para aliviar nascimento dos dentes”

Fazendo um certo esforço, dá para entender. Mas abrem-se diversas vertentes explicativas – inclusive a de que matar uma pessoa é ótimo para que o nascimento dos dentes não provoque incômodos.

 

…mesmo?

De um grande jornal impresso, de circulação nacional, noticiando investimentos em usinas termelétricas a gás natural:

** “(…) o empreendimento deve entrar em operação no último trimestre de 20.134”

É por isso que esse país não vai pra frente. Onde já se viu demorar 18 séculos para concluir algumas usinas?

 

As não notícias

Esta é uma não notícia notável, mantendo o hábito jornalístico de trocar a responsabilidade de informar o que está acontecendo por insinuações diversas:

** “Mulher que teria feito sexo com Berlusconi antes dos 18 depõe”

Ela fez sexo antes dos 18 ou não? “Teria feito” é meio vago: se “teria feito”, vai depor sobre o quê?

E há outra não notícia excelente, agora na área militar:

** “Milícia publica foto de suposto francês morto”

Afinal de contas, qual é a dúvida: não se sabe se é francês? Não se sabe se está morto?

 

E eu com isso?

Vejamos o seguinte: os rebeldes líbios, apoiados pela França, tomaram o poder. Grupos deles são ligados à Al-Qaeda e, com a vitória, foram para o Mali, levando as armas fornecidas pela França, e lá ameaçaram tomar o poder. A França decidiu agir militarmente contra eles, que tinham sido seus aliados na guerra anterior.

Aí você liga o Jornal Nacional. Mortes a sangue-frio, assaltos, chacinas, grandes acidentes, operações de guerra. Crianças de sete anos envolvidas em roubos (a mãe não pode fazer nada, porque está ocupada fumando crack).

É importantíssimo, mas não dá para aguentar. Há coisas mais leves na vida.

** “Após se separar de Ronaldo Fenômeno, Bia Antony se diverte”

** “Aos 49 anos, Brad Pitt enfrenta crise de meia-idade”

** “Depilação contra o ‘chato’ exige cuidados”

** “Demi Moore toma banho de lama e medita em praia do México”

** “Após posar nua, Mari Paraíba diz ter vergonha de treinar de biquíni”

** “Megan Fox trará marido e filho bebê para o Carnaval do Rio”

** “Namorado resolve se vingar de amada tosando pelo do cachorro”

** “Shakira e Piqué convidam o público a participar de chá de bebê beneficente”

** “Atriz de 1m60 m reata com Shaq O'Neal, de 2m16”

** “Homem escapa da morte à tarde, mas é assassinado à noite na Paraíba”

** “Índia proíbe homossexuais de usarem barriga de aluguel”

** “Suécia: TV ao fundo de telejornal tem filme pornô passando”

Será que o pessoal da TV sueca também não achou que o noticiário estava muito chato?

 

O grande título

Nesta semana o noticiário foi tão pobre, tão centrado na área policial, que nem houve abundância de títulos daqueles esquisitos e deliciosos. Sobraram três – um deles, embora evidentemente tenha havido erro de digitação, transformou-se em algo muito engraçado.

** “Corrupção nas ligas brasileiras de futebol coloca Fica em alerta”

O título saiu errado, mas o texto estava certo: era Fifa, claro.

Outro título é um bom exemplo daquelas torções que dificultam o entendimento de quem não conhece o caso inteiro.

** “Em velório, familiares se despedem de bebê esquecido em carro no RS”

É uma história triste: esqueceram o bebê num carro fechado – fato que tem ocorrido com certa frequência – e, quando se lembraram, a criança já tinha morrido. Valia um título mais criativo, claro. Em todos os velórios as pessoas próximas se despedem dos falecidos.

E o grande título é daqueles que mostram que números, distâncias, altitude e profundidade são tudo a mesma coisa nos nossos meios de comunicação:

** “Brasileiro é resgatado com vida em fenda de 300 m de altura no Peru”

Este colunista é do tempo em que fenda tinha profundidade, e é por isso que as pessoas caíam nela, em vez de subir como se fosse uma montanha.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação]