Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os malditos mensageiros

Há muitos e muitos anos, durante a ditadura militar, uma cerimônia anual da Aeronáutica era coberta por todos os meios de comunicação: a entrega dos espadins aos cadetes. O presidente da República, sempre um general ou marechal, ia de Brasília a Pirassununga, comandava aquela cerimônia chatíssima (como toda festa de formatura, destinava-se aos formandos, sua família e seus amigos, jamais a quem não tinha nada com isso), cumprimentava os melhores alunos, militares de várias patentes batiam continência uns para os outros. Para os militares, havia um coquetel num salão coberto; para os jornalistas, todos de terno e gravata, um cercadinho ao sol, com soldados armados tomando conta e nem um copo d’água. Um horror. Mas – e aí estava o motivo da cobertura jornalística – os presidentes costumavam fazer discursos políticos. Não dava para não cobrir.

Certa vez, terminada a cerimônia, anotado o discurso, o ditador de plantão tomou seu avião e decolou de volta para Brasília. Os jornalistas, imóveis, ficaram no cercadinho. O comandante da base aérea, gentilíssimo para os padrões da época, disse que a cerimônia tinha terminado e que podíamos ir embora. Não, não podíamos: se algo acontecesse com o avião presidencial, tínhamos de estar por perto. Fomos então postos para fora, devidamente escoltados.

João Russo, um dos astros da reportagem política, comentou com este colunista: “É por isso que eles não gostam de nós. Eles estão festejando e nós ficamos prestando atenção, para ver se o avião não cai”.

Como de hábito, João Russo tinha razão. Os militares jamais conseguiram entender que um jornalista não podia voltar para a redação sem ter certeza de que o presidente tinha mesmo sumido de vista, sem nenhum acidente na decolagem. Mas eles, pelo menos, tinham a desculpa de ser militares. E hoje, qual a desculpa para a hostilidade aos repórteres?

O fato é que ninguém gosta de nós, jornalistas. A repórter da Folha de S.Paulo foi agredida por militantes petistas, o mesmo acontecendo com um colunista de O Globo. Cafajestes organizados tentaram impedir a jornalista cubana Yoani Sánchez de falar no Brasil. O PT quer um tal controle social da mídia, que em português claro é chamado simplesmente de censura. O ministro do Supremo Joaquim Barbosa, endeusado por boa parte dos meios de comunicação e dos jornalistas, nem ouve a pergunta que lhe seria feita e manda o repórter chafurdar no lixo (e ainda saiu xingando, “palhaço!”). O tucano Marconi Perillo (ver nota abaixo) conseguiu na Justiça uma liminar proibindo a repórter Lênia Soares de citar seu nome. Irritou-se, ao que tudo indica, com as matérias que ela publicou no Diário de Goiás e em seu blog a respeito de Carlinhos Cachoeira e seus múltiplos e bons relacionamentos com gente de dentro e de fora do estado, com gente de dentro e de fora do governo.

O ministro Joaquim Barbosa pediu mais tarde que sua assessoria de imprensa atribuísse seu destempero a “cansaço” e “dores nas costas”. Mas se o cansaço e as dores nas costas o deixam tão irritado, tão agressivo, como pode analisar processos que lhe exigem esforço intelectual e físico?

O fato é que todos gostam da imprensa na hora em que dá notícias contra seus adversários, ou quando faz elogios. O problema é que notícia é exatamente aquilo que seus protagonistas não querem ver publicado. O que eles querem ver publicado – e detestam quando não é – se chama propaganda.

 

Censura tucana

O governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, conseguiu uma liminar na Justiça proibindo a jornalista Lênia Soares, do Diário de Goiás, de escrever seu nome. Lênia não pode nem dizer que Perillo é bonito, que emagreceu, que não pinta o cabelo, nada disso. Falar em Cachoeira, então, nem pensar (veja o blog de Lênia).

Dizem que a Constituição veda a censura (e isso, a propósito, está escrito nela). Mas, se o filho de Sarney conseguiu censurar até o Estadão, que fazer?

 

O erro do parlamentar

O deputado Lúcio Vieira Lima, do PMDB baiano, integrante da base de apoio ao governo de Dilma Rousseff, faz uma pergunta absolutamente pertinente:

“Quem pode ser favorável à tentativa de censurar a imprensa?”

Muita gente, deputado. Inclusive jornalistas que já foram importantes e hoje, em postos de menor visibilidade, se dedicam a atacar os meios de comunicação que os substituíram e os profissionais que ocuparam os lugares que antigamente foram deles. A agressão ao colunista Merval Pereira, em que seu carro foi cercado e chutado, se transformou, na coluna de um desses jornalistas, em manifestação de pessoas que não o admiravam. Algo, digamos, como uma vaia, coisa inócua. E atribuiu a indignação do jornalista agredido não à agressão em si, mas à surpresa de verificar que aquele grupo ensandecido não estava lá para incensá-lo.

Aproveitando a oportunidade, falou mal também de Yoani Sánchez, aquela moça perigosíssima que, munida um computador, ameaça derrubar um regime velho de mais de 50 anos. Ah, sim: o cavalheiro que aprova o ataque aos jornalistas e morre de raiva de Yoani tem certeza de que fala em nome de 99% do povo – o que inclui, naturalmente, os cidadãos que negaram à presidente Dilma a vitória no primeiro turno.

 

Lá e cá

Vale para o Brasil, vale para a América Latina: a jornalista Carmen Andrea Rengifo, da TV RCN, da Colômbia, foi agredida (e saiu com o rosto ensanguentado) na cobertura da morte do presidente venezuelano Hugo Chávez. Nada perguntou, nada provocou: apenas estava lá, vestida com roupas comuns, sem a camisa vermelha dos chavistas radicais. Foi o suficiente. E, como Chávez teve uma série de entreveros com a Colômbia, por que não bater na colombiana que estava por ali?

 

A morte de Chávez

Um dos itens mais impressionantes no noticiário sobre a morte de Hugo Chávez foi a volúpia da adjetivação. Conforme a posição do jornal (ou do articulista) vinha uma tonelada de adjetivos cercando aqueles miligramas de substantivo, prejudicando sensivelmente a qualidade das matérias. Houve boas análises sobre a Venezuela sob Chávez, as perspectivas pós-Chávez, o pensamento de Chávez; mas faltou o necessário bloqueio entre o que era informação pura e simples e o que era análise, ou opinião.

Dados sobre a Venezuela há em abundância, já que o país sempre manteve abertas as fontes de informação. E, para o leitor meticuloso, que tem o cuidado de separar o que é notícia do que é opinião, houve material abundante e de boa qualidade. O problema é que muita gente não tem tempo de ler com calma, de raciocinar sobre os textos, e a contaminação prejudica o entendimento.

No entender deste colunista, a maior falha na cobertura residiu nas Forças Armadas. Há algumas coisas que poderiam ser mais bem esclarecidas. Primeiro, a declaração do ministro da Defesa, de que a missão das Forças Armadas seria assegurar a eleição de Nicolas Maduro, o escolhido de Chávez. Uma interpretação possível (se bem que exija muita benevolência) seria a de que a vitória de Maduro, especialmente no clima emocional que se instaurou com a doença e a morte de Chávez, é considerada certa pelo comando das Forças Armadas; e sua tarefa, portanto, seria garantir que seu mandato começasse bem, sem ameaças de rebelião. A outra interpretação possível é bem pior: a de que as Forças Armadas estão ao lado de um candidato e, portanto, contra os outros. As probabilidades de uma vitória oposicionista são reduzidas, quase nulas, pouco mais que inexistentes; mas, se ocorrer, que farão os militares?

A outra dúvida se refere às pesadas compras de armamentos efetuadas pela Venezuela. São 36 caças supersônicos Sukhoi (que, à época da compra, eram a última palavra em combate aéreo), centenas de milhares de fuzis, muito equipamento blindado. Estaria a Venezuela se preparando para combater a Colômbia? Difícil: as Forças Armadas colombianas são eficientes e, mesmo que o armamento seja inferior, podem oferecer resistência até que potências estrangeiras intervenham para interromper os combates. Para enfrentar os Estados Unidos, talvez? Não, os equipamentos com certeza são insuficientes para isso. O Brasil, a Bolívia? Não; ao que tudo indica, foram compras de ocasião, aproveitando o bom preço do petróleo e garantindo aos militares o armamento que pediam. Mas esta é só uma hipótese. A menos que alguma boa matéria sobre o tema tenha passado despercebida por este colunista, não houve nada conclusivo sobre o tema.

A Venezuela continuará no centro do noticiário por mais algumas semanas, até que haja eleições e o sucessor de Chávez tome posse. Seria excelente se os grandes meios de comunicação investissem em noticiário (isento, de preferência) e buscassem os fundamentos da política e da economia dos vizinhos.

 

Santos palpites

No momento em que esta coluna é fechada, o nome do cardeal de São Paulo, d. Odilo Scherer, cresce em favoritismo na eleição para papa. Que bom! Agora, algumas perguntas:

1. Se o papa for brasileiro, em que isso influenciará a nossa vida? Tirando as entrevistas com seus parentes, qual a diferença, para um organismo mundial como a Igreja Católica Apostólica Romana, entre um papa brasileiro e um italiano, alemão, sueco ou americano?

2. De onde é que tiram a informação de que o nome de d. Odilo está crescendo? Há alguma pesquisa? Ou – o que parece mais provável – algum jornalista tem um amigo que é amigo de um cardeal e diz que ouviu que a tendência é essa? Ou será, talvez, a pura e simples torcida pelo compatriota?

 

Alô, Facebook! Perigo!

Um grupo estranhíssimo, com características racistas, abriu uma página no Facebook. O grupo usa o nome Página São Paulo País NSDAP. Sob a cobertura da defesa da Revolução Constitucionalista de 1932 (que não tinha nada a ver com isso), defende a separação do estado de São Paulo do Brasil e um tal de “orgulho branco do povo paulista”. Este colunista só sabe, de Direito, que juiz do Supremo é chamado de ministro e juiz de primeira instância de meritíssimo, mas tem a impressão de que esta página viola uma coleção de leis. E com certeza viola as normas do Facebook, que rejeitam a propaganda do ódio.

E, completando o quadro de insanidade desse grupo, NSDAP é a sigla em alemão de Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, vulgo Partido Nazista. Aquele de Hitler.

 

Volta triunfal

Um grande jornalista, Aguinaldo Silva, também festejado criador de novelas, está de volta à imprensa: estuda um novo jornal, a ser elaborado no Rio, para distribuição nacional. Provavelmente inspirado na vitoriosa experiência do Diário do Comércio, de São Paulo, bem capitaneado por Moisés Rabinovici, Aguinaldo Silva quer contratar grandes jornalistas já aposentados para tocar o projeto.

Seu objetivo é ambicioso: enfrentar O Globo, O Estado de S.Paulo e a Folha, com um formato diferente – algo como o que a Última Hora fez na década de 1950. Aguinaldo conhece imprensa: destacou-se na Última Hora do Recife, destacou-se como repórter de polícia de O Globo, destacou-se como capitão do primeiro grande jornal gay do Brasil, Lampião. Sua experiência como repórter de polícia levou a Rede Globo a convidá-lo para colaborar no Plantão de Polícia; cresceu na emissora e se transformou num de seus principais novelistas.

Vale acompanhar seu trabalho. Até agora, acertou em tudo que fez.

 

Mundo, mundo

Uma senhora americana descobriu, depois de nove anos de casada, que seu dedicadíssimo marido, que cuidava com esmero dela e de seus dois filhos, ganhava a vida como ladrão. Agora quer se divorciar.

Pena que seja americana. No Brasil, poderia candidatar-se a algum cargo, com um slogan testado e aprovado: “Eu não sabia de nada”.

 

Como…

Num grande jornal impresso, de circulação nacional, o título:

** “Martina Higgs é eleita para o Hall da Fama”.

De quem se trata? Pesquisando a própria matéria, descobrimos que a personalidade era Martina Hingis, tenista famosa por ter sido a mais jovem número um do mundo, por ter sido flagrada no exame antidoping, por ter ganho 14 títulos de Grand Slam na década de 1990.

A matéria falava em 15 títulos na década de 90. Mas o 15º foi ganho em 2006, alguns anos após o término da década citada.

 

…é…

Também de um grande jornal impresso, de circulação nacional, em editorial:

** “Um superávit comercial de US$ 15 bilhões em 2012 ainda foi previsto na semana passada (…)”

Não é bem assim: prever o passado não é para qualquer um. O tal déficit é previsto para 2013. Em 2012, o superávit foi de US$ 19,4 bilhões, como aparece em outro ponto do editorial. E pensar que editorial já foi a página nobre dos jornais!

 

…mesmo?

De um cartaz promocional de obras do governo de Geraldo Alckmin, anunciando a ampliação do Cemitério Municipal de Roseira, SP:

** “Mais qualidade de vida”.

 

A não notícia

O vocalista Chorão, da banda Charlie Brown Jr., tinha em seu apartamento, onde morreu, canudos de papel e, segundo os meios de comunicação, “um pó branco”. OK: e os canudos eram para aspirar o “pó branco”, imagina-se. Por que não definir o pó branco de uma vez por todas como cocaína – ou, no mínimo, um produto com aparência de cocaína? Aliás, a ex-mulher de Chorão disse tê-lo perdido para a cocaína. No caso, evitar a notícia simplesmente não teve sentido.

 

E eu com isso?

Dois condenados no mensalão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, mais um procurado pela Interpol, mais o chefe daquele assessor que andava com cem mil dólares na cueca. Na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, um pastor que declarou que os africanos descendem de uma pessoa que Noé amaldiçoou e por isso a África enfrenta miséria, guerra e doenças. Ainda falta Herodes na Comissão dos Direitos da Infância e Netinho de Paula na de Proteção às Mulheres, mas um dia chegamos lá.

E o caro colega acha que frufru é bobagem? É o noticiário mais sério de todos!

** “Preta Gil curte seu último dia de férias em Miami”

** “Selena Gomez vai à manicure com vestido florido”

** “De saia curta, Elba Ramalho embarca em Congonhas com o namorado”

** “Filha de Mariah Carey brinca com seus sapatos”

** “Mourinho chamou Daniel Alves de ‘filha da p…’, diz jornal”

** “Com camisa decotada, Gracyanne Barbosa posta foto na rede social”

** “Ponha a m… da camisa, diz Olivia Wilde para Bieber”

** “Reynaldo Gianecchini embarca sorridente e com camiseta do Pato Donald”

** “Kim Kardashian vai parar de usar salto alto”

** “Zeca Camargo lê enquanto caminha pela Lagoa”

** “Michel Teló mostra foto sem camisa em praia da Colômbia”

 

O grande título

Cria-se muito, nem sempre com êxito. E acabamos recebendo títulos notáveis. Por exemplo, aquele que significa exatamente o que o leitor quiser que signifique, sem qualquer compromisso com o que o autor deseja dizer:

** “Jamais se mentiu tanto sobre um homem, diz Maduro sobre Chávez”

Seja qual for o pensamento do caro leitor, Maduro tem toda a razão.

Ou aquele título que, esquecendo-se o que está escrito e recorrendo ao sentido da frase, às vezes fica até compreensível:

** “Cuba autoriza venda atacada de bens e serviços”

Venda no atacado, com certeza deve ser isso. Mas venda de serviços no atacado?

E chegamos então ao grande título, a impossibilidade absoluta:

** “MPRJ requer que ex-prefeito morto de Maricá, RJ, devolva dinheiro público”

MPRJ é o Ministério Público do Rio de Janeiro. A sigla está explicada. Só falta explicar como o de cujus cumprirá as exigências que lhe são feitas.

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Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação