Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O alvo universal

Quando as manifestações começaram, lideradas por grupos de esquerda, havia palavras de ordem contra os meios de comunicação. A polícia, ao reprimir as manifestações, atirou com balas de borracha no rosto de jornalistas. Quando os grupos que lideravam as manifestações passaram a manifestar-se contra o PT e as teses de esquerda, apresentaram suas palavras de ordem contra os meios de comunicação. A acreditar nos locutores de TV, as manifestações eram belíssimas e pacíficas, embora houvesse pequenos grupos de vândalos, repudiados por todos, praticando algumas barbaridades. E que faziam esses vândalos? Tinham palavras de ordem contra jornalistas e veículos de comunicação, e incendiaram veículos e equipamentos de rádio e TV que estavam a seu alcance. Nas redes sociais, a Globo foi acusada de oposicionismo sistemático, de petismo e de governismo. A Folha de S.Paulo foi acusada por governismo e antigovernismo, conforme as informações que divulgava e desagradavam ora a uma ala, ora a outra.

Será que ninguém gosta de nós, jornalistas?

Não é bem assim (nossas mães, por exemplo, gostam de nós). Mas o explosivo crescimento das redes sociais, com a abertura de possibilidade de manifestação a quem antes não tinha acesso aos meios de comunicação, valoriza neste momento as vozes mais radicais. Radical, seja de que lado for, não gosta de jornalista. Há opiniões parecidíssimas sobre o papel da imprensa vindas da direita e da esquerda, expressas por fascistas e por comunistas – não esses de hoje, mas os de antigamente, que estudavam Marx e os grandes teóricos revolucionários. A valorização do papel dos meios de comunicação é tese dos liberais, como Thomas Jefferson. Mas num momento de radicalismo como o atual os liberais perdem espaço. Afinal de contas, não dá para ser um radical de centro.

A perseguição aos jornalistas certamente contribuiu para a perda de qualidade na cobertura. Colocar as câmeras em helicópteros, prédios, drones permite fazer imagens excelentes, mas fica faltando alguém no meio das multidões, ouvindo as conversas, fazendo perguntas, buscando respostas. Contribui, também, para reduzir o nível de politização das manifestações. Como ninguém sabe exatamente quem está na passeata, e as teses são amplíssimas – contra tudo o que está aí, por mudanças já, em favor da população – permite-se que se junte no mesmo grupo o petista, o antipetista, o que acha que a PEC sabe-se lá de que número vai favorecer os bandidos, o que acha que a polícia deveria matar algumas centenas de pessoas com cara de marginais para mostrar que o combate ao crime agora é para valer, o que quer botar os condenados do mensalão na cadeia e o que quer anular o processo do mensalão, para evitar que pessoas tão boas sejam presas.

Em resumo, gregos e goianos ficam lado a lado, sem que um saiba o que o outro pensa. No entanto, para que as manifestações deixem saldo positivo, é importante que se saiba o que os manifestantes pensam, de que lado estão, qual sua proposta política. Sem isso, o que sobra é a imagem dos pontapés em vitrines e de coquetéis molotov atirados em prédios públicos e lojas.

 

Quem é quem

De acordo com o noticiário, “movimentos que defendem a democratização dos meios de comunicação” realizaram, na noite do dia 25/6, uma reunião no vão livre do Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista, e resolveram “aproveitar o ambiente de efervescência política para pautar o assunto”. Eram cerca de cem participantes, que decidiram manifestar-se diante da Rede Globo na semana seguinte. O noticiário, para variar, foi acrítico; mas, se havia “movimentos”, eram, para justificar o plural, pelo menos dois grupos; e, juntos, reuniam cem participantes. Ou seja, cinquenta para cada um, e isso na melhor das hipóteses. A valorosa torcida do Íbis, O Pior Time do Mundo, é bem maior do que isso. E, a propósito, a notícia aceita como boa a frase “democratização dos meios de comunicação”. Que democratização é essa, cara-pálida? Impedir que jornalistas façam seu trabalho é democratizar?

 

O custo da festa

A presidente Dilma Rousseff lançou a ideia do plebiscito, oposicionistas e governistas discutem se é democrático ou não, se há ou não golpismo na proposta, as redes sociais debatem o que deve ser votado. Há outra discussão paralela: plebiscito ou referendo?

O que foi pouquíssimo debatido (e este colunista encontrou um bom apanhado em um único jornal, O Estado de S.Paulo, cujo noticiário foi aproveitado em outros veículos que compram as informações) é a viabilidade técnica do plebiscito. Em quanto tempo é possível realizá-lo? Qual o custo do plebiscito?

De acordo com o Estadão, se tudo correr bem e houver colaboração geral, será possível realizar o plebiscito no início de setembro, com gastos de R$ 500 milhões. O custo é alto (as eleições municipais custaram ao Tesouro R$ 395 milhões) principalmente pela falta de tempo para um bom planejamento. “Quanto maior o planejamento, menor é o custo”, diz a ministra Carmen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Outro fator a encarecer o eventual plebiscito é o vandalismo que tomou conta de várias passeatas, o que obrigará o TSE a reforçar a segurança com apoio de militares das três forças. E é provável que se tenha de gastar mais algum dinheiro com a propaganda das eleições: será preciso enfatizar que o voto é obrigatório e explicar as questões que serão votadas.

 

Reclamar da imprensa

Se o caro colega quiser reclamar de algum defeito no carro, há ótimas colunas especializadas em jornais, portais e blogs. Se tiver problemas com alguma compra, há amplo espaço para reclamação nos grandes veículos. Mas experimente ter algum problema com assinatura de jornais ou revistas: é bom ser religioso, praticante e militante, pois vai mesmo é ter de queixar-se ao bispo.

Um conceituado jornalista, João Bussab, renovou com antecedência sua assinatura de Exame, da Editora Abril, aproveitando uma promoção. Pagou a renovação integralmente, no banco, sem aceitar a oferta de parcelamento em quatro vezes. E aí começaram seus problemas. Recebeu um boleto da Abril informando que ele tinha pago a primeira parcela e deveria pagar mais três. Ligou para o “vamos estar providenciando para que o senhor possa estar renovando sua assinatura da Abril”, e lá falou com cinco atendentes. Inútil: teria de mandar o xerox do canhoto com o pagamento integral. Mandou o xerox. Alguns dias depois, o tal SAC ligou-lhe outra vez pedindo tudo de novo, ou não poderíamos estar renovando a assinatura. E, para uma empresa organizada, cujo presidente, aliás, é banqueiro conceituado, não seria difícil apurar a verdade: bastaria verificar se caiu na sua conta a quantia integral ou um quarto dela. Mas por que simplificar se é possível complicar? E por que tratar bem um cliente, se é possível chateá-lo?

 

É Dóris de novo

Há alguns anos, ela surgiu como um novo fenômeno de comunicação: a belíssima Dóris Giesse, excelente apresentadora, carismática, jornalista de primeiro time, foi âncora da Record e do SBT, transformou-se na cara do Fantástico, criou um programa que marcou época, Dóris para Maiores. Dóris acabou rompendo com a TV, casou-se com o jornalista Alex Solnik, criou seus filhos, sumiu dos meios de comunicação.

Mas Dóris está de volta, e pela Internet. Em julho, em poucos dias, ela estreia o portal www.dorisparamaiores.com.br. Nada contra a TV: o portal é apenas um começo, um degrau na retomada da posição que sempre foi sua nas grandes redes. Dóris promete: “Vou mostrar que estou viva”.

 

A vida de quem resistiu

Um pequeno jornal alemão, o Münchener Post, de Munique, foi o maior adversário do líder nazista Adolf Hitler no país. Era contra Hitler antes que ele tomasse o poder; manteve-se contra Hitler quando se tornou ditador do país e passou a eliminar quem quer que se opusesse. Hitler e os nazistas tinham um ódio especial pelo Münchener Post, que chamavam de “cozinha venenosa”. Os nazistas atacavam seus profissionais na rua e por duas vezes depredaram sua redação (alguma comparação com os dias atuais?) “A batalha travada entre Hitler e os corajosos repórteres do Post é um dos grandes dramas nunca relatados da história do jornalismo”, escreveu o jornalista americano Ron Rosenbaum.

A história magnífica da luta de um jornal contra a máquina destruidora do nazismo foi levantada por uma jornalista brasileira, Silvia Bittencourt. É um belo trabalho de reconstituição histórica, muito bem escrito. Lançamento na terça-feira, dia 2/7, às 19h, na Livraria Martins Fontes (Avenida Paulista, 509, São Paulo), com debate da autora com o crítico literário Manuel da Costa Pinto, da Folha de S.Paulo e da TV Cultura.

 

Como…

Título de um grande portal noticioso:

** “Confrontos na Maré, no Rio, deixam 8 mortos”

Texto sob o título, no mesmo portal:

** “Tiroteios deixam nove mortos no Complexo da Maré, no Rio”

 

…é…

De uma publicação na internet destinada a jornalistas:

** “(Fulano) assumi a (…) em São Paulo”.

Claro: se o verbo é “assumir”, por que usar “assume”?

 

…mesmo?

Título de um grande blog noticioso:

** “Lei que descrimina casamento homossexual é derrubada nos EUA”

Texto:

** “EUA declara inconstitucional lei que discrimina casamento entre pessoas do mesmo sexo,”

Afinal, que lei é que foi derrubada: a que discrimina o casamento entre pessoas do mesmo sexo (ou seja, deixa de valer a discriminação) ou a que descrimina (ou seja, agora o casamento homossexual passou a ser crime)?

A forma correta é a liberal: a lei que discriminava os casais do mesmo sexo foi derrubada pela Suprema Corte.

 

As não notícias

Há coisas que a gente acha (“suponho que vá chover à tarde”) e coisas que a gente sabe (“meu carro é vermelho”). Por que, nos meios de comunicação, só há coisas que talvez sejam, ou talvez não sejam, pode ser? A resposta é simples: como antigamente o sujeito era qualificado como criminoso tão logo alguém suspeitava dele, e esse comportamento dos jornais foi muito criticado, a orientação mudou: evitar ao máximo as classificações antecipadas. E, como dá trabalho saber se a classificação é antecipada ou não, evite-se ao máximo qualquer afirmação. Veja só como as coisas ficaram:

1. – “Escolas do DF não abrem devido a protesto e suposta greve de ônibus”

Afinal, havia greve ou não havia?

2. – O deputado Natan Donadon vai ficar na História do país como pioneiro: foi o primeiro deputado a ser preso por corrupção, depois de regularmente condenado em processo judicial. Mas, no noticiário, embora tenha sido condenado em última instância, com trânsito em julgado, não é culpado, não, nem os crimes que supostamente cometeu são crimes de verdade, mas apenas supostos crimes.

“Donadon foi considerado culpado pelo Supremo em outubro de 2010 por supostamente liderar uma quadrilha que desviava recursos da Assembleia Legislativa de Rondônia. Os desvios teriam ocorrido entre 1995 e 1998, num total de R$ 8,4 milhões. A condenação foi decidida por 7 votos a 1, com pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, além de multa.”

Cabe uma pergunta: a condenação foi decidida ou teria sido decidida por 7 votos a 1?

 

Frases

Do jornalista José Luiz Teixeira:

** “O que é isso, companheiro? Estou achando curiosas algumas análises sobre as manifestações que tacham de direita aqueles que protestam contra a corrupção. Desde quando exigir ética na política é ser de direita, companheiro?”

De Luiz Fernando Garcia, pelo twitter:

** “Srs. publicitários: suspenso por tempo indeterminado o uso da expressão grande queima de estoque para o mercado automobilístico”.

Do jornalista Laerte Rimoli:

** “A comida da moda é Escondidinho de Lula”.

 

E eu com isso?

Faça um plebiscito. Ou um referendo, sabe-se lá. Mais um estrangeirismo, como diria Arthur de Azevedo, intelectual que foi da Academia Brasileira de Letras cento e poucos anos antes de Fernando Henrique e uma eternidade, imagina-se, antes de Lula.

Mas plebiscite: política ou frufru? Excelências ou celebridades? Não dá para competir. Este colunista conhece uma senhora que prefere errar muito para não ter o trabalho de ler sequer a marca de um produto, mas lê sem preguiça qualquer informação sobre a novela que ela viu ontem ou verá hoje à noite. Então, vamos!

** “Maria Flor passeia com as amigas pela praia de Ipanema”

** “Prince Jackson passeia com a namorada antes de depor”

** “Suzana Werner curte praia com os filhos no Rio”

** “Katie Holmes caminha sorridente enquanto planeja festa para divórcio”

** “Julia Lemmertz anda de bicicleta na orla”

** “Miley Cyrus chega de mini short e camiseta para se apresentar em programa”

** “Flavia Alessandra embarca no Santos Dumont com look roqueira”

** “Adele e Jay-z se encontram em festa da gravadora”

** “Sabrina Sato e o namorado jantam com Márcio Garcia”

** “Show de Justin Bieber agita o Staples Center, em Los Angeles”

** “Luigi Baricelli se diverte em feira com produtos de Taiwan”

** “Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick levam filho à estreia de musical”

** “Famosos assistem ao show de Diana Ross em São Paulo”

** “Famosos aderem às tatuagens nas costas”

 

O grande título

Faz muitos, muitos anos. Num baile de Carnaval, a principal repórter era a ótima Cristina Prochaska. A folhas tantas, passa uma foliã nua e o câmera passou a acompanhá-la. O diretor de TV, preocupado com a repercussão que a cena da genitália desnuda (expressão que só se usa no Carnaval) teria entre os telespectadores, decidiu mudar de imagem, e gritou para o câmera: “Na Prochaska!” O câmera talvez não tenha entendido bem, e focalizou firme a foliã nua, com destaque para a prochaska. E, quanto mais o diretor de TV mandava focar na Prochaska, mais o câmera focava na prochaska, até que o diretor cortou para os comerciais (e sabe-se lá se não cortou o câmera também).

Faz muitos, muitos anos. Mas veja o título de agora:

** “Apresentadora leva susto com ‘aranha gigante’ em câmera”

Pois é, pois é. E não é fácil destacar-se numa semana pródiga em títulos inesquecíveis.

** “Gandolfini comeu e bebeu muito antes de morrer”

Mas, após ir a óbito, como adoram dizer os policiais, não mais comeu nem bebeu.

Agora o grande título, numa semana de grandes títulos:

** “Wanessa confessa fazer hidratação no cabelo duas vezes por semana”

Terá sido habilmente interrogada para confessar tamanha transgressão?

******

Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação