Os meios de comunicação cobriram amplamente a visita do papa ao Brasil. Deram destaque a uma série de eventos escandalosamente negativos: o erro de trajeto que colocou Francisco no meio de um congestionamento de trânsito, a falha do metrô que deixou centenas de peregrinos, com os bilhetes pagos, sem acesso aos trens, a falta de ônibus que obrigou os participantes da Jornada Mundial da Juventude a andar quilômetros a pé, ou a depender da boa-vontade de fiéis que se empenharam em conseguir-lhes alguma carona. Matérias completas.
Mas houve silêncio em torno do sofrimento inútil imposto aos fiéis pela absoluta falta de competência das autoridades que coordenaram a visita do papa. Em Aparecida (SP), milhares e milhares de peregrinos esperaram ao desabrigo a chegada de Francisco, sob chuva e frio – frio forte, recorde dos últimos 50 anos, mais gelado ainda se considerarmos que todos estavam molhados. Mais de cem fiéis foram hospitalizados, com frio e com fome.
De acordo com as autoridades, em Aparecida havia pouco mais de quatro mil militares cuidando da visita do papa. Ninguém para oferecer aos peregrinos um chá quente, que fosse? Uma sopa? Capas de chuva? Alguém para coordenar uma oferta de emergência de lugares para que esperassem, minimamente protegidos da chuva e do frio? Não, não poderiam todos abrigar-se na Basílica, que é grande mas não comporta tanta gente. Nem seria essencial abrigá-los com conforto, mas pelo menos tirá-los da condição temporária de sem-teto e com-chuva.
Enfim, não foi o único momento em que as autoridades demonstraram não ter planejamento, organização nem compaixão. O que intriga é o comportamento dos meios de comunicação: havia repórteres por ali, muitos repórteres. Mas o drama dos que não tinham onde esperar, nem o que comer, nem onde comprar alguma coisa, este passou longe dos jornais, da Internet, da TV, do rádio. Faltou alguém que, em vez de ouvir declarações de autoridades civis, militares e eclesiásticas, pensasse no lado humano e fizesse ao menos uma side-story. O que não faltava, aliás, era material para side-stories: de onde vieram os peregrinos, onde pensavam hospedar-se, se traziam ou não dinheiro suficiente para alimentar-se, se vieram sozinhos ou com parentes e amigos. Tudo, enfim, que retira dos meios de comunicação a cara de Diário Oficial e os transforma em protagonistas dos acontecimentos que testemunham. Reportagem sem gente é sempre incompleta.
Quanto às autoridades, não custa lembrar que o governador paulista Geraldo Alckmin nasceu e iniciou-se na política em Pindamonhangaba, ali pertinho de Aparecida. Não custa lembrar que Aparecida tem prefeito, Márcio Siqueira, tucano como o governador Alckmin; e que a primeira-dama da cidade é também secretária da Promoção Social. Talvez não fosse possível prever a chuva. Mas, no inverno, eles sabem que ali faz muito frio. E que os milhares de peregrinos ficariam sem abrigo, sem comida, sem apoio. As autoridades, como os meios de comunicação, parecem só ter pensado nas cerimônias, no evento, nas autoridades, nas declarações. O povo era apenas um detalhe.
Bate e se esconde
Há várias palavras para definir a atuação do governador fluminense Sérgio Cabral diante das manifestações de rua no Rio. Este colunista escolheu uma bem gentil, branda, suave: “vergonhosa”. A TV mostrou sem dar margem a dúvidas que a polícia do governador tentou forjar flagrantes, atribuindo falsamente a um jovem que gravava a movimentação com seu celular a posse de coquetéis molotov; mostrou também como um cavalheiro que jogou um coquetel molotov correu para os policiais, trocou rapidamente de roupa e se misturou a eles, sob sua proteção. Que fez Cabral? Usou a frase que se tornou clássica: “Eu não sabia”. Se sabia, mentiu e permitiu os abusos, e não serve para governar. Se não sabia, não tem comando sobre seus homens e não serve para governar.
Mas fez pior: numa das manifestações, a do dia 22, houve ataques diretos de policiais, armados com cassetetes, a jornalistas que trabalhavam na cobertura. Houve feridos, houve presos. E, como tudo apareceu na TV, não dá nem para inventar alguma história que se sustente. Qual a reação do governador? Os policiais envolvidos, identificáveis pela cobertura das tevês, terão sido afastados? E os seus comandantes, que ou deram a ordem ou perderam o controle, e em qualquer dos casos se mostraram ineptos para o comando? Qual a reação do governador diante das queixas públicas da Polícia contra a Ordem dos Advogados do Brasil, OAB, que estaria “atrapalhando”? Desde quando advogar em defesa de presos é atrapalhar o trabalho da Polícia? E, cá entre nós, sabendo-se que o chefe maior da polícia é o governador Sérgio Cabral, que história é essa de falar em trabalho?
A chave da história
A reportagem está correta: efetivamente, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, comprou um apartamento de quarto e sala em Miami, e constituiu para isso uma pessoa jurídica, conforme as leis americanas. A operação, como diz a reportagem, é legal, e consta na declaração de imposto de renda do ministro.
Mas há uma parte da história que não foi divulgada: como é que a informação chegou ao jornal? É raríssimo o repórter que consulte todos os dias a lista de transações imobiliárias de brasileiros nos exterior. Se a informação chegou ao jornal – detalhada, precisa – é porque alguém gentilmente a forneceu, procurando de alguma forma constranger o ministro, no mínimo criando condições para que a turma da chapa branca batesse bumbo e tentasse provar que o presidente do Supremo Tribunal Federal é igual a eles.
Quem forneceu a informação? Excelente pergunta. E talvez explique certo acontecimento estranho na visita do papa. O ministro tem certeza de que sabe quem espalhou a notícia e com que objetivos.
Maluquecente
Aquele pessoal que chama a imprensa de “mídia”, os americanos de “estadunidenses”, que louva a luta antiimperialista da Coreia do Norte, proclama diariamente a morte dos grandes jornais e revistas e considera o fundamentalismo muçulmano uma força progressista acaba de ganhar um novo e poderoso aliado ideológico em sua luta contra a Rede Globo: o deputado federal Marcos Feliciano, aquele mesmo, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
A reclamação do nobre parlamentar: “Onde estava a TV Globo, que não mostrou as manifestações contrárias ao papa, o beijaço etc.? Assim como eu, o papa condena casamento de pessoas do mesmo sexo, a descriminalização das drogas e o aborto. Mas, no caso dele, a mídia aplaude. Por que o papa é tratado como popstar, ovacionado, e eu tão atacado? Isso é discriminação religiosa!”
Os meios de comunicação divulgaram essa frase sem comentários – aliás, nem seria preciso comentá-la. Mas digamos que ninguém é obrigado a acompanhar a visita do papa pela Rede Globo: quem não gosta da cobertura pode mudar de canal (aliás, a Rede Bandeirantes tem dado mais tempo que a Globo a Francisco). Já o eleitor não pode mudar de presidente da Comissão de Direitos Humanos. Digamos também que este colunista é alto e pesado, como alto e pesado é o boxeador Wladimir Klitschko. Só que Klitschko impõe mais respeito.
Por trás da fumaça branca
Gerson Camarotti, bom repórter, especialista na cobertura do poder em Brasília, já perdeu a conta do número de eleições que acompanhou. No Brasil, inúmeras; no Vaticano, cuja política acompanha há oito anos, duas, a de Bento 16 e a de Francisco. O que observou está neste livro: Segredos do Conclave. O livro mostra as articulações que levaram ao cardeal Bergoglio ao papado e as modificações na Cúria romana após a renúncia de Bento 16. Já nas livrarias.
Bob Dylan, ilustrado
Bob Dylan, um dos nomes mais importantes do rock, autor de Blowin' in the Wind, Like a Rolling Stone e mais uma série de sucessos, aparece agora em livro infantil com outro de seus êxitos: Man Gave Names to all the Animals, O homem deu nome a todos os bichos, do CD “Slow Train Coming”. Na música, Dylan descreve as características de vários animais e especula sobre o surgimento de seus nomes: “O próximo bicho que ele viu fez bééé!/ Pelugem de lã, cascos em vez de pés/ Comia da relva novinha ou da velha/ Ah, vou chamar este de… Ovelha!” O ilustrador, excelente, é Jim Arnoski, premiado pela Associação Americana para o Progresso da Ciência pelo conjunto da obra em Ilustração Científica e, claro, também fã de Bob Dylan.
As ideias de um pioneiro
Antonio de Salvo, fundador da ADS Comunicação Corporativa, pioneiro no setor, está de volta, cinco anos após sua morte, neste bom livro: Respeitável Público – Relações Públicas e a força invisível dos negócios. Traz artigos, opiniões, relata casos em que a utilização das ferramentas de assessoria de imprensa e de relações públicas resolveu problemas que pareciam insolúveis, dá um belo panorama do que é a comunicação corporativa e de sua importância para a economia. Um livro indispensável num momento em que muitas empresas pensam que comunicar-se é inventar histórias falsas para tentar enganar o público e os meios de comunicação e conseguir propaganda de graça.
Respeitável Público não está à venda, mas bibliotecas de universidades, entidades diversas e jornalistas já o receberam. O livro deve ser solicitado à Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje).
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “Pelos parâmetros do Fundo, em dezembro a dívida bruta do Brasil (…) era a terceira maior entre os países emergentes analisados, atrás apenas de Egito, Jordânia e Hungria”.
Este colunista nunca foi muito bom de conta, mas se há três dívidas na frente a do Brasil não seria a quarta?
…é…
De um dos maiores portais noticiosos do país:
** “Motorista é preso dirigindo carro sem volante e com pneus furados”
Não deixa de ser verdade (no lugar do volante, havia uma chave inglesa presa no local onde ele deveria estar). Pena que faltou dizer que o cavalheiro também estava bêbado e drogado.
…mesmo?
De um portal noticioso especializado:
** “(…) última edição foi produzida com equipe já demitidada”
Seria apenas “demitida”, com uma sílaba a mais? Ou talvez uma fórmula criativa para a suposição de que o terrível pássaro estaria chegando – ou seja, “dada como demitida”?
Frases
Do jornalista Palmério Dória:
** “Algo me diz que o candidato do Cabral tá com um Pezão na cova eleitoral.”
Do jornalista Fernando Albrecht:
** “Não existe nada mais velho que o jornal de hoje.”
Do jornalista Magalhães Jr.:
** “Se eu fosse a presidente Dilma, levaria a torcida do Atlético Mineiro todinha para Brasília. Assim, toda vez que ela fizesse qualquer discurso, ao menos teria alguém dizendo ‘eu acredito!’”
E eu com isso?
Enfim, paz. Paz em termos: casamentos desfeitos e refeitos, pessoas flagradas na praia, como se estar na praia fosse algo suspeito, viagens boas, declarações estranhas – e muito, muito, moralismo. Pois não é que até agora o pessoal parece acreditar que as estrelas que vão sem calcinha a uma festa permitem inadvertidamente que o mundo saiba que estão sem calcinha?
** “Miley Cyrus vai sem calcinha à boate e mostra demais”
** “Neymar tem cuidado estranho e diz: ‘Não sou metrossexual’”
** “Sharon Stone é flagrada aos beijos em Roma”
** “Nanda Costa posa de shortinho em uma rua de Havana”
** “Cameron Diaz e Kate Upton se divertem nas Bahamas”
** “Ivete levanta suspeitas de gravidez”
** “Gisele Bündchen e Tom Brady na Disney”
** “Serena, Luana Piovani dá mamadeira ao filho”
** “Os embalos de John Travolta no Rio”
** “Letícia Sabatella e Fernando Alves Pinto fazem passeio pelo rio Amazonas”
** “Irmã de Kim Kardashian namora colega de escola”
O grande título
É difícil decidir qual o melhor título de uma semana especialmente rica. Mas podemos começar por um que, de certa forma, se refere à visita do papa, e tem um toque de enigma:
** “Mercado faz hóstia virar doce e tratamento com fonoaudiólogo”
Sabe-se lá de que forma, deve fazer sentido.
Outro excelente se refere à conquista da Libertadores pelo Atlético:
** “Atlético faz festa secreta até as 10h sem Ronaldinho, Cuca e periguetes”
Festa secreta, mas todos sabem que não teve periguetes. Então, tá.
E o melhor de todos, divulgado amplamente pela própria empresa:
** “Com 101 anos de existência, a Chevrolet completou 100 anos no dia três de novembro de 2011”
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados