Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As rainhas de copas

O Globo, em editorial, arrepende-se de ter apoiado a deposição do governo Goulart, em 1964, e os governos militares que se seguiram. Os motivos que levaram a empresa a modificar uma posição de quase 50 anos, e que tinha sido adotada por seu fundador e ícone máximo, Roberto Marinho, estão sendo e serão amplamente debatidos, investigados, aprovados, rejeitados nos mais diversos veículos informativos. O tema aqui é outro: a radicalização dos profissionais de comunicação chegou a um ponto que, desde a guerra contra a direção da TV Cultura de São Paulo, que chegou ao ápice com a prisão de boa parte de sua equipe jornalística e o assassínio, pela ditadura militar, do jornalista Vladimir Herzog, se imaginava inatingível.

Não, não era: atitudes nefastas, desumanas, que já deram errado no passado, se repetem hoje, embora com sinal trocado. Jornalistas radicais no apoio ao bolivarianismo publicaram notas exigindo que as Organizações Globo, após o repúdio a sua posição anterior, demita alguns dos principais jornalistas da casa, pelo crime de seguir a linha editorial que a empresa até então mantinha. Nada diferente daquilo que jornalistas radicais no apoio ao regime militar exigiam do governo paulista, ao qual a TV Cultura era (e é) ligada: a demissão de alguns dos principais profissionais ali colocados para executar a linha política da casa.

Na pressão para derrubar a equipe de Jornalismo da empresa, chamava-se a TV Cultura de “Viet-Cultura”, numa referência aos vietcongs comunistas que lutavam no Vietnã do Sul; pedia-se às Forças Armadas que os jornalistas que não eram apreciados pelos radicais se “hospedassem” no “Tutoia Hilton”, nome que davam ao sinistro centro de tortura e morte do DOI-Codi, situado numa delegacia da Rua Tutoia, em São Paulo. Deu no que deu. E a lição não se aprendeu.

Hoje em dia, ainda bem, não há condições de pedir que os jornalistas com ideias diferentes das bolivarianas sejam presos e enviados a centros de tortura. Por enquanto, os radicais malucos se contentariam em deixá-los sem emprego. Ficariam felizes com isso – mas, se tivessem chance de avançar, até onde iriam?

 

E, por falar nisso

A Rede Globo tinha uma posição e a modificou. Está em seu direito, ponto. Mas algumas das justificativas apresentadas para isso não se sustentam. Então é preciso ouvir a manifestação das ruas? Pois, em 1964, a Marcha da Família em São Paulo, repetida logo depois no Rio, foi uma tremenda manifestação das ruas. A Passeata dos Cem Mil, no Rio, foi uma gigantesca e importantíssima manifestação das ruas (e as Organizações Globo tomaram posição contrária não apenas às posições da passeata, mas também à própria passeata). As Diretas-Já foram manifestações de rua de grande porte, no país inteiro, e a Globo foi contra.

Fora do Brasil, houve manifestações monumentais contra o presidente De Gaulle, na França; e, em seguida, manifestações monumentais em favor do presidente De Gaulle. A Globo não mudou sua posição: no quadro político francês, sua simpatia inequívoca estava com De Gaulle, fossem quais fossem as manifestações do dia.

E, muito antes que se imaginasse a existência de imprensa, rádio, televisão e Rede Globo, a multidão se manifestou inequivocamente pelo perdão a Barrabás e não a Jesus Cristo. Não havia Globo na época. Mas, conhecendo-se a fé católica tanto de Roberto Marinho como de seus filhos, se Globo houvera estaria contra Barrabás, contra a multidão, contra a voz rouca das ruas, e a favor de Cristo.

 

Perdeu, mas ganhou

A notícia publicada informa que as Organizações Globo fizeram um acordo com o Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para suspender práticas comerciais que excluíam concorrentes do mercado publicitário. Pelo acordo, as Organizações Globo não poderão vender o jornal Extra, nem aceitar propaganda nele por preço abaixo do custo; nem impor exclusividade na compra de espaços publicitários: nem oferecer descontos condicionados à divulgação de propaganda em mais de um dos jornais editados pelo grupo; nem oferecer condições especiais para publicidade em TV aberta. Esse tipo de procedimento, segundo a SDE – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, configura infração à ordem econômica.

Uma derrota? Sim: as Organizações Globo não poderão manter a atual conduta. Mas, no final das contas, a Globo ganhou a parada. O processo foi iniciado em 2005 pelo Jornal do Brasil e pelo O Dia, que se julgaram prejudicados. Nos oito anos decorridos de lá para cá, a edição impressa do Jornal do Brasil, sufocada, fechou; e a edição eletrônica não reproduz nem de longe a importância que o JB teve em outros tempos. O Dia, de lá para cá, também perdeu boa parte de seu poderio. Agora, que foi proibida, a conduta anticoncorrencial não é mais necessária.

 

Uma grande perda 1

Rosi Mallet foi uma excelente jornalista, excelente planejadora de estratégias de comunicação empresarial; e, acima de tudo, uma pessoa maravilhosa. É difícil, para um colega de tantos anos, usar a palavra “foi”. Mas Rosi foi-se, levada por um enfisema pulmonar. Rosi, com bela carreira no Rio e em São Paulo, com experiência de Gazeta Mercantil, à época o mais importante jornal econômico do país, chegou à Folha da Tarde com uma missão quase impossível: conciliar o noticiário econômico correto, preciso, informativo de um matutino com o tom mais solto, mais popular, de um vespertino. Não teve problemas: montou uma belíssima editoria econômica voltada mais para o consumidor do que para os grandes negócios. E formou gente de primeira linha, ensinando a jovens talentosos que a linguagem flexível de um vespertino tinha de transmitir a informação absolutamente precisa, à prova de desmentidos, e sempre inteligível.

Mais: como salientou outro notável jornalista, Fernando Portela, Rosi era o símbolo da “incorrupção”. Afável, simpática, fácil de conversar, mas absolutamente impermeável a qualquer sugestão de práticas jornalísticas heterodoxas.

Rosi foi por muitos anos casada com outro esplêndido jornalista econômico, Teodoro Meissner; seu filho, Gabriel Meissner, é um dos melhores blogueiros da praça, transitando com facilidade pelos mais diversos temas (e criando frases especialmente criativas e engraçadas). Uma vida curta, sem dúvida; mas de alta produtividade. O jornalismo brasileiro fica mais pobre sem ela.

 

Uma grande perda 2

Não, este colunista não era da turma de Telmo Martino. Seus amigos, seus companheiros eram pessoas mais ligadas às artes plásticas, à noite, à boa música, ao teatro, ao cinema. Mas tive o prazer de conviver com Telmo por muitos anos, no Jornal da Tarde, em São Paulo. Telmo se notabilizou por frases ácidas, impecáveis, e isso num serpentário também habitado por jornalistas de língua bífida como Humberto Werneck e Fernando Portela.

Mas o que me chamava mais a atenção em Telmo não era a gilete que carregava nas teclas da máquina de escrever: era sua impressionante cultura geral. Conhecia jazz, conhecia bossa nova, conhecia cinema, discutia com pessoas do nível de Sérgio Augusto clássicos como Os brutos também amam, sabia tudo de dramaturgia, circulava sem medo em áreas como artes plásticas. Inglês e português falava com igual facilidade, ambos muito bem; acompanhava, embora sem a mesma volúpia, a política internacional. E, somado a isso, era tímido, educado, incapaz de levantar a voz. Grande figura.

Telmo teve uma experiência em revistas, após o JT, e não gostou. Washington Olivetto o levou para a agência W, buscando aprimorar o texto dos seus premiados e criativos anúncios. Mas Telmo não se sentia bem no meio publicitário, embora tivesse profunda admiração e carinho por Olivetto. Acabou voltando para o Rio; e lá, embora com muitos amigos, foi-se isolando cada vez mais, talvez deprimido, talvez insatisfeito. E, tantos anos depois de sua saída, ainda havia muitos e muitos leitores do JT pedindo sua volta. Telmo deixa muitas saudades.

 

Pimenta, um livro

É um caso emblemático do funcionamento das leis brasileiras. Antônio Marcos Pimenta Neves, jornalista de sucesso que havia dirigido a Gazeta Mercantil, sido correspondente da Folha de S.Paulo nos Estados Unidos, que dirigia O Estado de S. Paulo, matou por ciúmes a namorada que o abandonara, Sandra Gomide. Estava enlouquecido: aquele profissional sensato, correto, seguidor das normas, pediu uma arma emprestada e, em 20 de agosto de 2000, assassinou a moça.

Assassinou, confessou, apresentou-se à polícia. Levou onze anos para ser julgado e condenado. Da pena de 15 anos, cumpriu um sexto, conforme manda a lei. E acaba de receber da Justiça o direito de cumprir o restante em regime semiaberto. Livre de dia, deve apresentar-se à prisão à noite.

O jornalista Vicente Vilardaga, que trabalhou com Pimenta e Sandra, em posição de destaque, e acompanhou o caso de perto, acaba de lançar o livro À Queima-Roupa – o caso Pimenta Neves. Trata do assassínio; mas questiona principalmente o comando dos órgãos de imprensa, já que, segundo diz, Pimenta deixou claro, muito antes de matar Sandra Gomide, que tinha perdido o controle. A própria demissão de Sandra, logo após ter encerrado o namoro e 50 dias antes do assassínio, deveria ter mostrado aos diretores da empresa que ele não estava agindo normalmente. Um livro que precisa ser lido por quem se preocupa com o futuro das empresas de comunicação, sejam em papel, sejam eletrônicas: como funciona sua governança? Será tudo permitido aos chefes, dentro das redações?

 

Mulher e anjo

Muitos ouviram falar de Oskar Schindler, o industrial alemão que salvou da morte muitos dos perseguidos pelo nazismo, e que foi celebrizado num belíssimo filme de Steven Spielberg, A lista de Schindler. Poucos conhecem a história de uma heroína que obteve resultados ainda maiores que os de Schindler: Irena Sendler. O livro A história de Irena Sendler – a mãe das crianças do Holocausto, da escritora polonesa Anna Mieszkowksa, que acaba de chegar às livrarias, conta a magnífica história dessa mulher notável.

Irena era assistente social em Varsóvia quando a capital polonesa foi ocupada pelos nazistas, em 1939. Os judeus foram levados para um gueto e lá deixados, para morrer de fome. Os sobreviventes seriam levados para campos de extermínio. Irena entrou na Zegota, organização clandestina de ajuda aos judeus, e arriscou diariamente sua vida para salvá-los. Mais de duas mil crianças sobreviveram ao massacre nazista graças à sua atuação pessoal.

Com o fim da guerra, Irena ficou na Europa comunista. Ela era ativista, mas não comunista; e por isso viveu sob rígida vigilância da polícia polonesa. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o colapso do comunismo na Europa Oriental, sua história se tornou conhecida. E está neste livro.

 

Ele esteve lá

Orlando Duarte, 81 anos de idade, mais de 60 de profissão, já cobriu 14 Copas do Mundo (inclusive, ao lado deste colunista, a Copa do México, de 1986). Assistiu aos cinco títulos conquistados pelo Brasil: Suécia, Chile, México, Estados Unidos, Coréia-Japão. Seu livro Paixão – O Brasil de todos os Mundiais conta a história da Copa do Mundo do ponto de vista de um brasileiro que esteve lá. Lançamento dia 12/9, no Museu do Futebol (Estádio Municipal do Pacaembu, SP), às 19h. Vale a pena chegar cedo. A menos que o caro leitor goste de multidões.

 

TIM – como eles escrevem

Um assíduo leitor desta coluna tenta há meses fazer com que a TIM volte a enviar-lhe a fatura detalhada do uso dos celulares. Impossível: a turma do estamos providenciando para que o senhor possa estar reclamando não funciona.

Depois de meses de luta, recebeu a seguinte carta, em que há o trecho citado (respeitada a língua utilizada, que tem vaga semelhança com o português):

“(…) informamos que devidos o programa de sustentabilidade, grandes empresa como a Tim, adotou o método de fatura digitalizada, a qual cliente com acesso a área exclusiva consegue visualizar a fatura de forma detalhada, podendo fazer o Download das faturas para analise, essa fatura é realizada o Dowloand em formado PDF” (…)”

Aí, em linguagem semelhante a essa, vêm as instruções passo a passo. E?

O caro leitor acertou: as instruções não funcionam.

Pelo jeito, os serviços da TIM são como aquele trem azul: pura propaganda.

E certamente há na TIM uma assessoria de imprensa. Será que é preciso, mesmo, usar o Google Translator a frio para montar um texto de uma página?

 

Como é mesmo?

Do portal noticioso de um grande jornal regional, a respeito do pesado trânsito na cidade:

** “Pra quem vai ou volta (…), um verbo para conjugar neste início de tarde: paciência (…)”

Do verbo “pacienciar”. Exemplo de conjugação: “Pacienciaríamos ao ler certos textos?”

 

…é…

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “Alexandre Pato é o vice-artilheiro do Corinthians (com três gols a mais do que Guerrero). Essa diferença tende a cair nos próximos três jogos, já que Guerrero será desfalque (…)”.

Embora seja desfalque, conforme diz o jornal, de alguma forma Guerrero vai marcar uma quantidade de gols que reduzirá a diferença que o separa de Pato. É uma novidade futebolística, a Regra 18, que cuida dos gols in absentia.

 

…mesmo?

De um grande jornal impresso, de circulação nacional, que atribuiu a frase a um secretário de Estado:

** “Se atira no pé para assustar, pega uma artéria e ele morre, o crime é doloso (sem intenção de matar)”

Doloso, culposo, ruinoso, tudo é a mesma coisa. Ou pelo menos rima.

 

É isso aí

De um grande jornal impresso, cujo texto já foi considerado, em outras épocas, um modelo de bom uso do idioma: “(…) a cachorra latiu para alertar o local onde estava o bebê”.

O local, devidamente alertado pelos latidos, tomou as providências necessárias para chamar a família do bebê.

 

Frases

Da jornalista Mirna Grzich, sobre a morte do grande cronista de costumes Telmo Martino: “Telmo Martino foi o pai da Mídia Naja.”

Do ex-campeão de basquete Oscar Schmidt, o Mão Santa: “A única vez em que votei em uma pessoa honesta foi em mim.”

Do repórter e escritor Cláudio Tognolli: “No jornalismo, tive vários chefes. Todos eram mais velhos que eu: hoje são mais jovens.”

 

As não notícias

A coisa vai se espalhando: há algum tempo, as supostas informações seriam colocadas eventualmente em dúvida por quem as publicava para evitar possíveis processos. Agora – bom, agora qualquer motivo é bom. Por exemplo:

** “Pippa Middleton estaria noiva”

Afinal, está noiva ou não está?

 

E eu com isso?

Ainda bem que a era digital reduziu grandemente o consumo de papel nos meios de comunicação. Seria uma pena que notícias como essas exigissem a derrubada de árvores. Mas agora dá para acompanhar a doce vida dos famosos sem mexer com madeira, celulose e papel:

** “Zac Efron aparece sem camisa em foto de nova comédia”

** “Recém-separado, Victor lança clipe com Leo sobre história de amor”

** “David Beckham circula com um de seus carros de luxo por Los Angeles”

** “Famosos levam os filhos ao circo”

** “Justin Bieber devora x-burguer em Sunset Boulevard”

** “Ronaldo e namorada curtem passeio de bike em Barcelona”

** “Lady Gaga festeja volta aos palcos de body transparente”

** “Fernanda Lima na praia com a família”

** “Olivia Wilde usa paletó sem nada por baixo em evento”

** “Gisele brinca com a filha em parque”

“Integrantes da banda Emblem3 curtem praia no Rio”

** “Bebel Gilberto é fotografada em praia”

 

O mundo se curva

Uma assídua leitora desta coluna nos envia alguns recortes de jornais americanos, mostrando que a imprensa de lá se curva às normas brasileiras e dá manchetes pelo menos tão criativas quanto as nossas:

1. “Diana ainda estava viva horas antes de morrer”

2. “Tiger Woods joga com suas próprias bolas, informa a Nike”

Apoiado! Tiger Woods faz muito bem de jogar com suas próprias bolas.

 

O grande título

A safra semanal é excelente: começa com Kaká, de volta ao Milan, clube onde atingiu o auge da carreira, há alguns anos, e no qual jogava quando foi escolhido o melhor jogador do mundo.

** “Kaká terá salário três vezes menor no Milan”

Considerando-se que salário uma vez menor é igual a zero, o jornal está afirmando que Kaká não apenas trabalhará de graça, sem receber nada, como ainda terá de pagar pelo privilégio de emprestar seu futebol ao time.

Há também títulos difíceis de entender, em diversos graus.

** Grau 1: “Quase enterrado na praia segue internado”

Traduzindo: o jovem que levou várias pancadas na cabeça, e estava sendo enterrado vivo na areia quando a polícia chegou, continua no hospital.

** Grau 2: “O grande medo dos últimos 25 anos pode é a capacitação por meio da tecnologia”

Este colunista não entendeu nada. Talvez algum especialista em português distorcido consiga traduzi-lo.

E há o grande título, referente àquele prédio em Londres construído em tal formato que seus vidros funcionam como lente de aumento e concentram o calor do Sol em determinado ponto.

** “Prédio é acusado de derreter carros em Londres”

A notícia não diz se o prédio acusado está sujeito a pegar uma preventiva.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação