No programa Manhattan Connection (Globonews, aos domingos, 23h), o apresentador Diogo Mainardi fez uma pergunta – indelicada, diga-se – à entrevistada Luiza Trajano, dona da rede de varejo Magazine Luiza. Quis saber quando ela venderia sua rede de lojas à Amazon, devido à crise no varejo brasileiro. Luiza Trajano respondeu bem, com firmeza, citando números e dizendo que sua empresa não estava à venda; e que o varejo brasileiro, a propósito, não estava em crise.
Em resumo, foi isso. Nos dias seguintes, a tropa de choque governista batia bumbo como se Mike Tyson tivesse atirado longe seu adversário peso-pena. Besteira: não aconteceu nada que não costume acontecer num programa de entrevistas. Mas as redes sociais ficaram ilegíveis, de tantos propagandistas divulgando as mesmas cenas e os mesmos comentários sobre aquela pergunta. E, no meio, com base no princípio de que mentir é bom, porque alguém sempre acredita, puseram na internet um diálogo sem testemunhas que Luíza Trajano teria tido, num momento em que microfones e câmeras estavam desligados, a respeito de uma dívida de R$ 25 mil de Mainardi em suas lojas. Falso; mal apurado. Ninguém foi, por exemplo, ao Serasa (claro que não: ali saberiam que a bobagem era falsa). Mas divulgou-se como se fosse verdade. E houve quem acreditasse.
Dias depois, a polícia entrou na Cracolândia, região que há anos é controlada por traficantes, no centro de São Paulo. Prendeu quatro traficantes. Bastou: de um lado, o governador Geraldo Alckmin foi acusado de, por ser tucano, torpedear um programa de recuperação de viciados criado pelo prefeito petista Fernando Haddad; de outro, os petistas que protestaram foram acusados de querer entregar ao tráfico uma área da cidade, só para fazer demagogia. E houve quem quisesse rebatizar a Cracolândia de Haddadolândia, lembrando o prefeito. Este colunista prefere o nome tradicional: Luz – pois foi ali perto que se construiu a primeira usina elétrica do Estado, um predinho minúsculo que resiste à destruição da memória paulistana.
Nos dois casos, o comportamento de manada de ambos os lados é semelhante: é o que se descreve no Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano. É importante para um lado dizer que odeia a Veja, a Folha, O Globo, xingar Fernando Henrique e proclamar Lula o maior estadista que já houve na História do gênero humano; é importante, do outro, afirmar que Lula é analfabeto, que Dilma é incompetente e que Mantega, sinta só o gume da navalha, é até o melhorzinho deles. Nos dois casos, é um comportamento que não contribui para o debate. Gera calor, não luz, transforma informação em propaganda e, pior, em propaganda que já vem pronta, que não tem sequer a criatividade de cada propagandista.
É ruim: rompe a possibilidade de conversa. Rompe a possibilidade de que se faça política, aquela política que leva os países a buscar e encontrar soluções para seus problemas. No momento em que deixa de ser importante a argumentação, porque o que se quer é tripudiar sobre o adversário (ou inimigo?), a situação só se resolve com o esmagamento de um lado por outro. Já vimos este filme e sabemos o final: nós morremos.
A imprensa na guerra
O jornalista mineiro Marco Aurélio Carone, dono do portal Novo Jornal, foi preso por formação de quadrilha, especializada em esquemas de falsificação de documentos. Nilton Monteiro, preso também por forjar documentos, entregaria os papéis falsos a Carone, para publicação.
Nilton Monteiro foi quem produziu, em seu computador, uma famosa falsificação, a Lista de Furnas, que aponta como beneficiários de um esquema de corrupção vários políticos tucanos, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson. A reportagem com base na Lista de Furnas foi publicada pela revista Carta Capital, em agosto de 2012. Mendes processou os jornalistas e os responsáveis pela lista forjada. Carone foi preso, segundo o promotor André Luís Garcia de Pinho, por usar seu jornal para intimidar testemunhas. Diz o promotor que, de onze testemunhas do caso, dez foram tratadas como criminosas no Novo Jornal.
Atenção: a publicação simultânea de várias obras sobre temas explosivos – as denúncias do delegado Romeu Tuma Jr. contra o ex-presidente Lula e os dois livros sobre a Operação Satiagraha – pode acabar levando muitos jornalistas aos tribunais. Os ataques aos personagens dos livros têm sido duríssimos e pessoais. E há personagens inquietos, esperando a hora de pedir indenizações.
Nazista apanhado
O Ministério Público Federal em Santos denunciou um internauta por incitação de racismo e discriminação em seu site. Há ali links para sites nazistas, com possibilidade de baixar livros racistas, e, já prontos para quem quiser imprimi-los, panfletos contra nordestinos, negros e judeus. O crime de racismo é sujeito a penas de dois a cinco anos de prisão, mais multa. Quem cuida do caso é o promotor Thiago Lacerda Nobre. O processo, caso algum meio de comunicação queira noticiar alguma coisa, é 0012270-35.2011.403.6181.
Aliás, seria interessante se os promotores acompanhassem também os patrulheiros que infestam a área de comentários do blog de Caio Blinder. Basicamente, ele é acusado de ser judeu e a linguagem dificilmente poderia ser mais chula.
E daí
E, já que falamos em discriminação, temos um colunista gaúcho que diz que não tem nada contra gays, já que o homossexualismo “é doença que sempre existiu”. E uma notícia inacreditável, em que o título insinua que o ator Fábio Porchat é gay, embora o redator saiba perfeitamente que a notícia era manipulada.
** “Fábio Porchat troca beijos em boate gay no Rio de Janeiro, diz jornal”.
E, logo abaixo, na linha fina, mas num corpo bem menor que o do título, “Humorista foi visto no maior clima de romance com uma jovem”. Por que a insinuação? Certamente para atrair mais leitura.
Mas o absurdo continua: informa que o humorista estava no teatro, na terça, com uma bela morena. Mas que, como ele tinha viajado na segunda para o Exterior, não poderia estar no teatro.
É um espetáculo completo: primeiro, insinua-se que o rapaz é gay, depois se informa que não, e que a morena que estava com ele era bonita, mas que ele não poderia estar lá porque estava viajando. Afinal, qual é a notícia?
Belisa, a grande
Belisa Ribeiro, aos 16 anos, lá começou como modelo de fotos; depois se transformou numa das grandes repórteres do Jornal do Brasil. Entre idas e vindas, estava na Sucursal de Brasília quando o jornal deixou de ser impresso. E resolveu perpetuar sua memória: Belisa vai lançar, pela Editora Record, um livro sobre a vida do JB. E, até que o livro fique pronto, deixará no ar o site www.jbmemoria.com.br. Se é a Belisa que faz, só pode ser bom.
Heródoto em dobro
Quem conhece Heródoto Barbeiro como jornalista terá chance de conhecê-lo como historiador (competente); e ainda falta sua faceta de professor, mestre de tantos jornalistas na praça. Heródoto lança, com Bruna Cantele, Desvendando o Renascimento – explosão artística e cultural. O livro trata de uma das épocas mais brilhantes a História da Humanidade, com obras de arte magníficas e mudanças em todos os campos do conhecimento. O Renascimento, diz a capa do livro, conciliou o desenvolvimento da razão com a emoção. Noite de autógrafos neste 1º de fevereiro, às 19 h, na Livraria Saraiva do Shopping Higienópolis, SP.
Os imigrantes silenciosos
Os judeus começaram a chegar ao Brasil com Pedro Álvares Cabral, fugindo da fúria da Inquisição portuguesa. Eram portugueses e espanhóis. Mais tarde, vieram da Europa Ocidental, da Europa Central, perseguidos por pogroms, a caça aos judeus promovida pelos governantes que buscavam distrair as atenções da população; e perseguidos pelos nazistas. Veio gente das mais diversas classes sociais. E os imigrantes judeus são invisíveis para a historiografia brasileira. Não há menção sistematizada à imigração judaica nos livros escolares, nem em compêndios universitários. Quem aprendeu na escola que Fernando de Noronha era judeu? Ou que o padre Anchieta tinha ascendência judaica, até com gente queimada nas fogueiras da Inquisição? Um dos personagens mais populares do Brasil, Sílvio Santos, descende de Isaac Abravanel, um dos mais poderosos ministros da Espanha, no final do império mouro na Europa. E há um só livro que trata desse tema, o magnifico O Baú de Abravanel, de Alberto Dines.
A professora Eva Blay, ex-senadora, professora titular aposentada da USP, está resgatando essa trajetória de séculos, tão longa quanto a historia de nosso país: lança O Brasil como destino, em que ouviu imigrantes provenientes de 17 países. E lhes faz uma pergunta interessantíssima: por que o Brasil?
Nós e os números
Boa parte dos jornalistas continua cultivando profunda aversão a números. Normal: este colunista também não gosta de números, exceto uns poucos, os telefones de quem sabe fazer contas, para evitar a publicação de bobagens. Mas quem não usa pelo menos esses números acaba falhando.
1. Segundo um jornal esportivo paulista, o Santos tinha direito a 55% do passe de Neymar; os investidores do Grupo DIS, a 40%; o pai de Neymar, a 10%. Com 105% do passe assim divididos, tinha que dar galho. E mais galho ainda sabendo-se que os 100% anunciados não eram iguais aos 100% de verdade.
2. Reportagem de uma revista especializada em Economia e Negócios a respeito de energia nuclear:
“A central atômica de (…) produz anualmente 5,9 bilhões de kW, que abastecem 741,7% das casas, prédios, indústrias e outras unidades consumidoras do país”.
Haja energia! Além de produzir muitas vezes mais do que o consumo do país, ainda querem construir outra central.
Como…
A moeda misteriosa ataca novamente, num grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “Telefónica renegocia ? 3 bilhões em dívida, diz jornal”.
Lendo a matéria com atenção, dá para decifrar o título: são 3 bilhões de euros.
…é…
Do portal noticioso de um grande jornal:
** “Quase 60% dos médicos formados em SP reprovam no Exame do Cremesp”
O tempo passa, o tempo voa. Antigamente, no tempo em que o Conselho Regional de Medicina era CRM e não Cremesp, quem não passava era reprovado.
…mesmo?
Do anúncio de uma loja chique, que vende móveis chiques e caros:
** “poltrona (…) com acento (…) em tela preta”
OK, poltrona com acento. Será póltrona, poltrôna ou poltroná?
Frases
>> Do senador Álvaro Dias, PSDB-Paraná, comemorando os 30 anos do primeiro comício das diretas, ocorrido em Curitiba: “Foi graças à luta e à conquista das eleições diretas que a sede do Governo foi transferida para a Papuda”.
>> Do colunista e escritor Diogo Mainardi: “Não há o que fazer: larguei a Veja e larguei o Brasil, mas continuo sendo o fetiche dos petistas”.
>> Do internauta Roney Maurício: “Será que Dilma Rousseff, Mantega e Tombini vão aproveitar para esquiar em Davos?”
E eu com isso?
** “Fernanda Rodrigues passeia com a filha no Rio”
** “Fofura! Piqué leva o filho para visitar Shakira no estúdio!”
** “Fiuk e Sophia Abrahão curtem cinema no Rio”
** “Ireland Baldwin prestigia evento em Los Angeles”
** “Marina Ruy Barbosa se diverte em festa”
** “Kim Kardashian exagera no decote e deixa sutiã bege à mostra”
** “Samara Felippo vai ao shopping com a filha”
** “Conheça as famosas que defendem o visual natural dos pelos pubianos”
** “Isabeli Fontana revela qual é sua arma de sedução”
** “Katy Perry diz que aos onze anos rezava para ter seios grandes”
** “Aprenda a fazer o penteado desarrumado dos famosos”
** “Emma Roberts faz chanel assimétrico nos cabelos”
** “Dany Bananinha e Mariano chegam de mãos dadas a evento”
** “Robert Pattinson diz que escova os dentes e toma banho”
O grande título
É uma batalha: são manchetes notáveis, todas. E todas na área esportiva. Prepare-se: daqui a pouco estaremos em clima de Copa.
** “Baiano fracassou em suicídio e chegou à seleção”
Mais ou menos: Baiano teve uma fase ótima no Boca Juniors, foi bem no Santos, não tão bem no Palmeiras. E a Seleção que chegou não é aquela em que o caro leitor está pensando: é a Olímpica, que perdeu para Camarões no ano 2000.
Outra excelente manchete, daquelas que exigem que o leitor pense muito para descobrir do que é que se trata:
** “Ciclista fica ferido após paraquedas não abrir a tempo em salto de penhasco”
E, para quem adora o duplo sentido (talvez não seja tão duplo assim), uma manchete que faz lembrar os velhos e divertidos tempos do trio Sílvio Luiz na narração, Flávio Prado na reportagem de campo, Pedro Luiz nos comentários. Um dia, num jogo do Guarani, Sílvio Luiz pediu a Pedro Luiz que comentasse uma mudança tática no time. Pedro, finíssimo, um gentleman (tanto que Sílvio o chamava de “lorde”), disse que o centroavante revelação do time, Careca, ia jogar avançado, penetrando pelo meio e fazendo o vai-vem.
Sílvio adorou. E, a partir daí, jogasse ou não o Guarani, ele perguntava a Flávio Prado se Careca não deveria ficar mais presente na zona do agrião, fazendo o vai e vem e tentando ampliar seu poder de penetração.
Pois agora a brincadeira está de volta, num grande portal noticioso:
** “Bahia quer contratar Pinto para jogar enfiado”
Pois é.
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação