Raquel Sheherazade, a polêmica âncora do SBT, está no alvo das patrulhas bem-pensantes por ter expressado sua opinião. Um parlamentar quer que o Ministério Público a processe, vários patrulheiros de internet a insultam pesadamente, um deles chegou a dizer que ela não tem nada de manifestar opinião – basta ler as notícias e pronto.
Qual o crime de Raquel Sheherazade? O pecado original, acredita este colunista, é ter opinião própria, opinião esta que não coincide com as posições “Lula é o maior estadista da História” e “Dilma está sempre certa, mesmo que esteja errada”, obrigatórias entre os patrulheiros bem-pensantes. Depois vêm os pecados propriamente ditos: Raquel, explosiva e direta, comenta ao vivo, com os inevitáveis erros da TV ao vivo e com os exageros de quem acaba de assistir a uma notícia que a deixou indignada. No caso atual, Raquel Sheherazade, comentando a cena horrorosa do garoto preso a um poste pelo pescoço, com um cadeado de pendurar bicicletas, disse uma série de barbaridades, em apoio ao ato desumano, sugerindo até que quem fosse contrário à sua opinião aproveitasse a oportunidade e levasse para casa algum delinquente, para cuidar dele como acha que as autoridades deveriam cuidá-lo. Este colunista está do outro lado. E o próprio SBT informou que as opiniões de Raquel Sheherazade são dela, não da emissora – o que é um excelente sinal, de que a rede, como nos tempos de Bóris Casoy, não interfere na opinião de seus principais âncoras.
Apologia ao crime? Não, não foi: este colunista (que, como já disse, se opõe ao pensamento da âncora neste caso) acredita que houve exagero, provocado pela indignação de assistir ao incessante desfile dos que defendem os pobres coitados que cometem crimes e condenam os excessos dos que se opõem a eles.
Um deputado do PSOL, indignadíssimo, quer que o Ministério Público processe Raquel Sheherazade pelos comentários que fez. O mesmo parlamentar, entretanto, silenciou há poucas semanas, quando um cavalheiro que não concorda com as ideias da âncora do SBT propôs que ela fosse estuprada. Ele silenciou; muita gente silenciou com ele – inclusive uma das principais líderes femininas do PSOL, a gaúcha Luciana Genro, de quem se esperaria o protesto contra a apologia do estupro.
Há quem acredite que parte da guerra contra Raquel Sheherazade se deva a ser mulher e jovem – quem esta pirralha pensa que é para ter opinião? Este colunista discorda: ela é atacada por pensar diferente dos patrulheiros e ter a coragem de expor sua opinião ao vivo, de forma contundente, muitas vezes contundente a ponto de ferir os sentimentos de quem não concorda com ela.
Acontece que, nos tempos em que o comunismo era revolucionário e a esquerda radical estudava e lutava, em vez de procurar emprego em órgãos públicos, uma das brilhantes ativistas e pensadoras marxistas, Rosa Luxemburgo, deu uma definição impecável de liberdade, válida naquela época, válida hoje, válida sempre: “A liberdade é quase sempre, exclusivamente, a liberdade de quem pensa diferente de nós.“ Discordar de Raquel Sheherazade, trocar de canal quando ela aparece, enviar cartas de protesto, desde que respeitosas, em linguagem civilizada, perfeito; tentar fazer com que ela perca o emprego ou seja processada por atrever-se a discordar da opinião de um grupo é fascismo.
Como diria Mao Tsé-tung algumas dezenas de anos após a frase irretocável de Rosa Luxemburgo, “deixai crescer as cem flores”. Não sufoquemos o debate.
Renato Pompeu (1941-2014)
Dezoito anos de idade, este colunista começou como redator da Folha de S.Paulo sentado entre dois gigantes, Rolf Kuntz e Renato Pompeu. Em frente, outro jornalista monumental, bem mais velho, o Nobre – José Nobre Neto – que, com paciência e muita meticulosidade, cortava os arroubos dos jovens em volta. Demorou uns três dias para cair a ficha deste colunista: jamais seria meticuloso como Nobre, jamais teria a sólida formação intelectual de Rolf Kuntz nem a volúpia por conhecimentos gerais, amparada por muita leitura e atuação política (na época, esquerdista que não estudasse era muito malvisto pelos colegas de Partidão) do Renato Pompeu. De que maneira trabalhar ao lado de gente tão gabaritada?
Trabalhar ao lado dos monstros sagrados foi facílimo: bastou amparar-me neles, que liam meus textos, opinavam, esquartejavam meus leads, mostravam onde cada matéria devia ser corrigida. O Renato ainda me oferecia interpretações marxistas para os acontecimentos do dia; o Rolf, além de permitir grandes discussões jornalísticas após o fechamento, ainda tentou me mostrar as belezas da música atonal – neste ponto, falhou: até hoje, que me perdoem seus adeptos, Alban Berg é para mim um chato.
E não era tudo: ambos, cada um com seu estilo, exibiam línguas bífidas, gotejantes de peçonha. Renato tinha frases memoráveis: “Cuidado com os policiais. Eles são perigosos e andam armados”. Sobre os cuidados necessários para conversar em público numa época de feroz ditadura: “Preste atenção, as orelhas têm ouvidos”. Sobre um de seus chefes, o Leão, com quem teve uma ligeira divergência (eram amigos! E voltaram a sê-lo): “Leão, você é o rei dos animais”.
Seu texto, normalmente muito bom, servia de exemplo para este foca que tentava aprender por mimetismo. Foi do Renato um grande título, a respeito de um fato sem a menor importância: uma galinha estava cotada para entrar no Guinness Book, por ter posto um ovo de 160 gramas. Título: “E a galinha penou”. O dr. Hélio Pompeu, subsecretário de Redação e tio do Renato, parou as máquinas e trocou o título antes que toda a edição fosse contaminada pela ousadia do sobrinho.
A família Pompeu, a propósito, sabia o que era DNA jornalístico. O pai, Paulo, o irmão, Sérgio, o tio, Hélio, o sobrinho, Paulo, todos eram bons, cada um a seu jeito. Sérgio Pompeu, o irmão, chegou a diretor de Redação de Veja, ao lado de José Roberto Guzzo. Todos eram bons; mas para este colunista, talvez influenciado pela admiração pessoal, o Renato era o melhor de todos.
Renato Ribeiro Pompeu morreu no domingo (9/2). Diz um provérbio judaico que as pessoas jamais morrem enquanto forem lembradas. Neste sentido, o Renatão para nós não morreu. Em compensação, foi esquecido no dia seguinte por um jornal, a Folha de S.Paulo, em que trabalhou por várias vezes, por muitos anos, sempre com brilho, e que o chamou de “Renato Pompeu de Toledo”. Erro grosseiro. Cinquenta anos atrás, Mino Carta escreveu para ele um soneto, em resposta às reclamações que apresentava a respeito da imprecisão nos textos que recebia. A quadra inicial, a única de que este colunista se recorda, o identificava sem erro possível (nem seria preciso ir ao Google, o que também não foi feito agora):
“Renato Pompeu, dos Ribeiros
Senhor do texto conciso
Escreve ao deus dos pauteiros
Pede um repórter preciso.”
Os Pompeu de Toledo são uma grande família, importante, conceituada. O estádio do São Paulo leva o nome de Cícero Pompeu de Toledo. Mas isto é uma injustiça histórica e inaceitável cometida contra o Renato. Tudo para ele era tolerável – mas jamais que se colocasse em dúvida sua fanática fé palmeirense.
É anunciante, e daí?
A guerra entre Abílio Diniz e o grupo francês Casino foi coberta com fartura de detalhes. O mal-estar entre Diniz e o francês Charles Naouri, a reunião em Paris a que Diniz compareceu e na qual foi proibido de entrar, as disputas paralelas com a família Klein sobre o futuro das lojas de departamentos do grupo, tudo foi noticiado. E, finalmente, o Casino assumiu o controle total do grupo.
De lá para cá, silêncio. Só em 2013, segundo informações do portal Reclame Aqui, o número de queixas contra o grupo cresceu 75,6% em relação a 2012. Foram 86.600 reclamações, que levaram o Grupo Pão de Açúcar à sétima colocação no ranking de empresas com maior número de queixas de clientes.
OK – e cadê o noticiário sobre isso? As empresas do Grupo Pão de Açúcar são grandes anunciantes, mas será muito triste se for esta a explicação para tão estrondoso silêncio dos meios de comunicação. Este colunista só encontrou notícias sobre estes problemas no excelente portal diário do atacado Giro News. Grande imprensa? Nem pensar.
Na saúde e na doença – silêncio
E, por falar em silêncio tonitruante, os problemas causados por empresas de seguro-saúde continuam tranquilamente fora do noticiário. Os problemas existem – tanto que a secretária nacional de Defesa do Consumidor, Juliana Pereira da Silva, após reunião na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), disse que está farta “de operadores e hospitais particulares prestando mau serviço”. Foi mais longe: “Cobram uma fortuna e não oferecem o que prometem. Faltam médicos, atendimento de qualidade. Há filas muito maiores e piores do que as de banco, que são as dos hospitais privados”. Juliana Pereira da Silva promete bater forte no setor.
Dados não lhe faltam: em 2013, o número de reclamações contra planos de saúde aumentou 31%. Em números absolutos, 102.232 reclamações. Vale notícia? Não, caro colega, não vale. É raríssimo haver notícia sobre plano de saúde que não seja oriunda do próprio governo. E olhe lá: é isso, ou nada.
Para ajudar os pauteiros e repórteres, três casos, dois deles com nome e tudo. É só ir atrás (e este colunista oferece, para facilitar o serviço, até os telefones e os e-mails de duas das vítimas, jornalistas que terão o maior prazer em cooperar com os colegas).
>> Caso 1 – Henrique Veltman
“Por mais de 20 anos pagamos a Golden Cross, e de repente eles venderam sei lá para quem (alguns chamam de Unimed Rio, outros de Unifesp Fesp). A nova operadora até que responde às nossas mensagens, dizendo que a cobertura não mudou. Mudou, sim, e para pior. Outro dia, fui ao pronto-atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein para cuidar de um problema no olho, como previa a cobertura que ‘não mudou’. Pois mudou: o plano já não cobre esse procedimento no Einstein. O hospital, vendo meu extenso prontuário de internações, sempre lá, acabou me atendendo de graça.
“Fui três vezes a um hospital conveniado para uma consulta agendada e não fui atendido. O SAC do plano é do Rio, e outro dia sugeriram fazer exames em Copacabana. Nós moramos em São Paulo e até topamos fazer o exame num laboratório em Copacabana, mas eles pagam a passagem?”
>> Caso 2 – Fernando Portela
“Aguarde um instante, já vamos atender você”, diz a gravação da Amil, inúmeras vezes, junto a outras frases do gênero. E é você que paga a ligação. Não há 0800. Em geral, você não suporta o tempo de espera e acaba ligando várias vezes. Os serviços no Brasil viraram uma zona, definitivamente, e já não há diferença entre os estatais e os privados. Pobre país.”
>> Caso 3 – Senhora idosa
Uma senhora de 97 anos, cujo nome não foi divulgado na sentença judicial, estava internada na Obra Portuguesa, no Centro do Rio. Os médicos determinaram,para reduzir o risco de infecção hospitalar, sua transferência para casa, com home-care. A Unimed ignorou a determinação dos médicos. Houve então recurso à Justiça. Em 28 de agosto do ano passado, veio a decisão: a Unimed deveria fazer a transferência e providenciar o serviço de home-care. A Unimed se fingiu de morta. No dia 17 de dezembro, o juiz Magno Alves, da 28ª Vara Cível do Rio, deu prazo de 30 minutos para a transferência da paciente, sob pena de prisão do presidente e diretores da empresa. Aí cumpriram a decisão. “A Unimed”, disse o juiz Magno Alves, “vem desrespeitando a Constituição com o intuito de aumentar o próprio lucro em detrimento da vida dos usuários. Em princípio, retardam a autorização administrativa pela central de autorização e, posteriormente, o cumprimento das decisões judiciais, na esperança de que o cliente morra e a Unimed –Rio não arque com o custeio das despesas com o tratamento”.
>> Quem é quem
A Unimed Rio é a empresa que pagava R$ 550 mil mensais como parte do salário do técnico Vanderlei Luxemburgo, no Fluminense; é patrocinadora do time, e oficialmente informa que no total gasta por ano R$ 56 milhões em marketing.
>> O país do espanto
Inacreditável, não? Este colunista não viu nada nos meios de comunicação. Foi encontrar esta sentença no portal jurídico JusBrasil – só. Os outros casos também não tiveram repercussão nos veículos: este colunista só tomou conhecimento deles porque os próprios interessados deram as pistas para a reportagem. Os planos e convênios são bons anunciantes, mas isso explicaria o silêncio?
Questão de palavras
Nessa história de prisão dos réus condenados no processo do mensalão, os meios de comunicação cansaram de dizer que o ministro Joaquim Barbosa pediu a prisão de alguém. Só que juiz não pede: ele ordena, determina. Uma pequena diferença.
Dinheiro no ralo
Inacreditável: um twitter patrocinado pela Petrobras ecoa um daqueles rankings malucos da revista Fortune, segundo o qual a quarta mulher mais poderosa do mundo é Graça Foster – que vem a ser a presidente da empresa que patrocina o twitter. O ranking é papo aranha: Angela Merkel, sem dúvida, é poderosa; Asma Assad, esposa do presidente sírio Hafez Assad, também o é; e a rainha Elizabeth; e aquela atriz bonita que mexeu com o equilíbrio do poder na França; e a presidente Dilma. Angela Merkel é a mais poderosa de todas essas, mas como estabelecer quem é a segunda, a terceira, a quarta? A propósito, a “quarta mulher mais poderosa do mundo” é aquela que não consegue sequer fixar os preços dos produtos da empresa que dirige? Enfim, em cima de uma baboseira gasta-se dinheiro para promover uma pessoa – uma pessoa, não uma empresa.
O ranking desta vez escala “as 50 mulheres de negócios mais poderosas do mundo”. Como, há não muito tempo, esses rankings escalavam Eike Batista como um dos homens mais ricos do mundo, lembra?
E a imprensa brasileira, vai tratar disso, ver quanto se gastou, qual o custo-benefício da promoção pessoal da presidente da Petrobras? Algo diz a este colunista que não. Quem é que vai botar a mão em vespeiro?
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “Até agora, Avenida Brasil foi vendida para 125 mil países”.
Notável: isso é que é ampla cobertura global.
…é…
De um grande portal informativo:
** “O delegado (…) disse que ninguém havia procurado a polícia para testemunhar o crime”.
Veja como o mundo muda! Este colunista nem sabia que a polícia apresenta sessões de crime para a gente testemunhar! Estudante e idoso pagam meia?
…mesmo?
De um jornal regional:
** “Orelhão danificado faz uma prisão”
Não seria o caso de contratar o citado aparelho para reforçar o policiamento?
Frases
>> Do jornalista Ancelmo Gois: “Corre na Internet. O PT informa que as doações para o Henrique Pizzolato devem ser feitas em nome do irmão dele, Celso.”
>> Do jornalista Plimagno: “A única diferença entre Brasília e o crime organizado é que o crime é organizado,”
>> Do jornalista Fred Navarro: “Tempos modernos: sindicato de jornalistas agora critica jornalistas e defende o controle ‘social’ da mídia. Nova geração de pelegos.”
E eu com isso?
Calor? Praia, muita praia, de preferência no Rio. Tédio? Jamais: festas, muitas festas. Solidão? O que não falta é companhia, homens e mulheres, todos cobiçadíssimos. O mundo é uma festa, é para curtir. As pessoas são “flagradas” em situações absolutamente inocentes, e revelam,como grande novidade, que são ótimas, maravilhosas, cumpridoras da lei. E tem gente que gosta de ler outras seções do jornal, onde aparecem mortes, assaltos, guerras, golpes, mensalão, só chatices.
** “Luana Piovani exibe elegância com o filho na praia”
** “Tobey McGuire almoça com os filhos na Califórnia”
** “Maria Paula curte novo namorado e filhos”
** “Johnny Depp leva filha à escola segurando cachimbo de fumar erva”
** “Thiago Lacerda vai à praia com a família no Rio”
** “Leonardo di Caprio revela que nunca usou drogas”
** “Sophie Charlotte se refresca ao lado das amigas no Rio”
** “Drew Barrymore revela sua receita de espaguete”
** “Paula Fernandes surge sem maquiagem antes do ensaio”
** “Ben Affleck lava o para-brisa de seu carrão antigo”
** “Daniel de Oliveira curte praia com o filho no Rio”
** “Shakira desembarca sorridente em aeroporto de Los Angeles”
** “Luciano Szafir é flagrado com o filho de dois meses”
** “Colegas dizem que Niall Horan, do One Direction, solta puns barulhentos”
** “Daniel Boaventura e Mr. Catra flagrados em aeroporto de São Paulo”
** “Seymour Hoffman disse a amigos que sabia que iria morrer”
E quem é que não sabe?
O grande título
Comecemos com aquela eterna briga entre jornalistas e números (os números estão perdendo de goleada):
** “ (…) tem queda de 167% no lucro líquido em 2013”
Se fizermos as contas direito, não apenas não existe lucro (queda de 100% já leva o lucro a zero) como a empresa teve é um monumental prejuízo.
Há aquele título recorrente, que só troca de personagem e continua óbvio:
** “Antes de morrer, Hoffmann mandou SMS a amigo”
Parece que, após o falecimento, o de cujus suspendeu os envios de SMS.
Outro título tem algo esquisito:
** “Corinthians perde a 4ª derrota seguida”
OK, o time está mal, mas como é que se faz para perder uma derrota?
E há uma manchete notável, sem dúvida a melhor da semana:
** “Saco de lixo atira em motorista e foge”
Vai ver que este saco de lixo é ligado ao PCC.
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação