Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Arnesto nos convidou

Na semana passada, nas vésperas do Carnaval, morreu aos 99 anos o advogado Ernesto Paulelli. Figura interessantíssima: foi músico, resolveu estudar Direito quando já tinha passado dos 50 anos, começou a advogar aos 60. Por mais de 30 anos exerceu a profissão. Já era um dos advogados mais idosos do país quando – por este e outro motivo, que será relatado abaixo – vários colegas quiseram homenageá-lo. Não conseguiram: pelo que relatam, a OAB de São Paulo jamais se interessou em levar a homenagem adiante. Era apenas um advogado, sem clientes estrelados, sem participação política. Deixaram pra lá.

E, no entanto, Ernesto Paulelli é mais famoso que os que deixaram de homenageá-lo. Antes de cursar Direito, era violonista, e conheceu na Rádio Record o grande João Rubinato – ou Charutinho, para quem gostava de programas humorísticos; ou, para os fãs de música popular de qualidade, Adoniran Barbosa, um dos maiores nomes do samba de São Paulo.

Adoniran o conheceu e o chamou de Arnesto. Ele corrigiu: Ernesto. Adoniran insistiu: “Você agora é Arnesto e vou fazer um samba pra você”.

Saiu o “Samba do Arnesto“. O bom violonista, o advogado dedicado, acabou conhecido no Brasil inteiro como o anfitrião que convida e cai fora, dando o cano nos convidados. E gostou assim mesmo: ele e sua esposa, Alice, procuraram Adoniran para agradecer-lhe a, digamos, homenagem.

Adoniran era ótimo nessas coisas. Boêmio, mulherengo, durante muito tempo tentou namorar uma bela funcionária do salão de sinuca que frequentava, Iracema. Numa madrugada, depois que Iracema lhe deu o não definitivo, Adoniran foi embora e fez uma ameaça: “Amanhã eu vou matá-la”.

E matou-a, num samba maravilhoso, em que conta como a afastou até de suas recordações: “Iracema“ (“e hoje, ela vive lá no céu/ ela vive, bem juntinho de Nosso Senhor/ de lembrança guardo somente sua meia e seu sapato/ Iracema, eu perdi o seu retrato”).

Morreu Ernesto Paulelli, e os meios de comunicação registraram burocraticamente sua morte, mencionando de passagem sua notoriedade como personagem da música popular, citando sem detalhes (quando citaram) sua carreira como advogado, iniciada aos 60 anos de idade. Morreu Ernesto Paulelli. Arnesto continua vivo.

 

Passando dos limites

O mesmo Supremo que deu um exemplo à Nação, que restaurou a moralidade, que deu novo rumo à História do Brasil quando condenou os mensaleiros, de repente virou alvo dos mesmos que o elogiavam, ao suspender a parte da condenação que tratava da formação de quadrilha. O mesmo Supremo que tinha conduzido a farsa do século, o julgamento de exceção, o crime de lesa-ídolo ao condenar à prisão, por corrupção, os ícones petistas, de repente virou um exemplo para todas as Cortes do mundo, ao derrubar a acusação de formação de quadrilha. Que é que mudou? Nada: os condenados continuam na prisão. Ganharam a expectativa de sair mais rapidamente. Mas quem é que acreditava que cumpririam a pena inteira a que tinham sido condenados? O importante é que foi dado o exemplo de que mesmo os mais poderosos colarinhos brancos da República e seus cúmplices de ação bancária podem ser atingidos pela Justiça.

Até aí, tudo bem: reclamar das sentenças contrárias e aplaudir as favoráveis faz parte do jogo. Mas a exacerbação fundamentalista, a saraivada de insultos aos ministros, o lançamento de lama não fazem parte do jogo. Enfraquecem as instituições. E esse tipo de comportamento transbordou em parte das redes sociais para os meios de comunicação, que ecoaram a baixaria. Se é notícia, tem de ser dada. Mas quanto, do chiqueiro em que se transformou a arena que deveria ser de confronto civilizado de opiniões, era efetivamente notícia?

Este colunista já escreveu que, a seu ver, faltam modos ao ministro Joaquim Barbosa; que o considera arrogante, prepotente, indelicado até as raias da grosseria, embora, tendo chegado ao cargo de ministro do Supremo, certamente tenha notável saber jurídico. Mas não pode concordar com a patrulha que tentava impedir que o filho do ministro tivesse emprego, ou que ele pudesse utilizar seu próprio dinheiro na compra legal de um imóvel no Exterior. Como não pode concordar com as agressões ao ministro Lewandowski pela facção oposta. Se alguém tem algo concreto contra algum ministro, há remédios legais que chegam ao impeachment. É a maneira correta de agir. O resto é a tentativa de lançar cidadãos fanatizados uns contra os outros. Isso não pode dar certo.

 

Milícias e patrulhas

Um blogueiro que nem vive no Brasil protestou contra charges de Chico Caruso. Certo, está no seu direito. Mas não está no seu direito quando diz que, por se opor ao pensamento que ele, blogueiro, defende, estará sujeito a ser “escrachado” – ou seja, exposto a patrulhas que o seguirão em sua casa e em seu trabalho, violando sua intimidade, ameaçando-o e incomodando sua família, amigos e vizinhos.

Um grande número de pessoas rejeitou os comentários de Raquel Sheherazade, a âncora do SBT, a respeito de reações selvagens ocorridas quando um ladrão é dominado pela vítima, ou por gente que passava no local. Protestar contra a posição de Raquel Scheherazade é um direito incontestável (este colunista também não concorda com ela). Mas usar redes sociais para promover manifestações contra a âncora em seu ambiente de trabalho, obrigando a emissora a tomar precauções para evitar conflitos físicos – o que incluiu alertar a polícia – definitivamente é deixar o fanatismo ultrapassar a inteligência. No caso de Raquel, não funcionou: dos vinte mil que se comprometeram a protestar contra ela, não apareceu ninguém – nem os organizadores da manifestação, que pelo jeito pretendiam fazer o papel de Tiradentes, mas com o pescoço de seus seguidores.

E um caso gravíssimo: o filósofo Olavo de Carvalho, ídolo de uma parcela de opinião pública frontalmente contrária ao Governo federal, autor de O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, está sendo atacado por hackers, para que sua opinião não possa ser divulgada na internet. Os adversários consideram que Carvalho defende teses autoritárias – e por isso, autoritariamente, querem cassar-lhe o direito de expô-las. Para isso, estão usando até computadores baseados em outros países; e obrigaram Carvalho a pedir abertura de inquérito.

Este clima de exacerbação de ânimos já ocorreu em outras ocasiões. Muitos de nós já viram este filme e sabem como termina: os cidadãos são as vítimas.

 

Cai fora, vítima!

E, já que falamos em loucuras, aqui está mais uma. Lembra do caso do ciclista que foi atropelado e teve o braço arrancado? O motorista do carro que o atropelou foi até um riacho próximo e jogou fora o braço – anulando qualquer possibilidade de que houvesse uma tentativa de reimplante.

Bom, o caso está sendo julgado. E a vítima compareceu ao tribunal para assistir ao depoimento do rapaz que o atropelou. Pois não é que o juiz determinou que a vítima deixasse a sala, por estar coagindo o réu com sua presença?

Está mais do que na hora de a imprensa se dedicar à cobertura intensa do que ocorre na Justiça. Quais os salários, quais os horários de trabalho, por que as coisas demoram tanto. Por que a penhora de uma conta bancária é feita online, enquanto a devolução é feita por guia, obrigando advogado e cliente a comparecer ao Fórum – e comparecer mais de uma vez, enquanto semanas e meses decorrem até que a sentença de devolução seja obedecida? Há absurdos como o caso do rapaz que perdeu o braço. E não se discute se foi ou não correta sua expulsão da sala, já que, se o juiz assim o determinou, é porque esta é a lei; mas isso tem de ser tratado como absurdo, de tal modo que se abra caminho para a mudança da lei. E há casos que acabam sendo abafados. Por exemplo, um ministro do Supremo, hoje aposentado, modificou uma sentença de instância inferior e fez duras críticas ao juiz original do caso. Pois não é que o juiz criticado era sua filha?

Ou seja, o ministro não leu o processo; se o lesse, certamente se daria por impedido, pela relação de parentesco com o juiz original. Mas tudo passou batido. Será impossível retomar o velho e bom hábito de ter repórteres setoristas vendo tudo o que mereça ser coberto? Sai caro, claro; mas de que adianta reduzir custos se ao mesmo tempo, se abandona a função básica dos meios de comunicação, que é informar?

 

Como…

Está na foto promocional de um shopping center do Rio a belíssima paisagem do encontro da montanha com o mar. Só há um probleminha: a favela do Vidigal foi apagada (ver aqui). E os meios de comunicação não se deram ao trabalho insano de perguntar por que o retoque falsificante.

 

…é…

De um grande portal informativo:

** “Aeronave (…) pertencia a homem preso por participar de transporte de cocaína do deputado Gustavo Perrella”

Ao que se saiba, Gustavo Perrella era o dono do helicóptero. Se a cocaína era dele, quase meia tonelada, a notícia é outra: por que ainda está solto?

 

…mesmo?

Do noticiário esportivo de um grande jornal, de circulação nacional:

** “Entre as opções de Felipão, está o goleiro Diego Tardelli, do Flu (…)”

Diego Tardelli não é goleiro e joga no Atlético Mineiro, não no Flu. Estaria o jornal tentando se referir a Diego Cavalieri, que é goleiro, joga no Flu, mas cujo nome é outro?

 

Pois é assim

De um grande portal noticioso:

** “(Fulano de Tal), 29, foi autuado em 1987 por vender informações privilegiadas”.

Notável: com dois anos de idade, o referido cavalheiro não só dispunha de informações privilegiadas como tinha os contatos necessários para vendê-las.

 

As não notícias

Há um caso clássico nesta semana:

** “Ex-deputado do DF feito refém em casa não teve dedo decepado”

Há muitas variações possíveis: por exemplo, “não teve o dente arrancado”, ou “não teve o jantar devorado pelos assaltantes”.

Há mais algumas coisas notáveis:

1. “Kiev: ‘Estou morrendo’, tuíta ativista que teria sido baleada”

Foi baleada ou não foi? Mais uma dúvida: morreu ou não morreu?

2. “Katy Perry pode ter acabado o namoro com John Mayer”

Afinal de contas, acabou o namoro ou não?

 

Frases

>> Do jornalista Mario Mendes: “Vejo esse povo falando ‘isso não aparece na mídia’, ‘isso a Globo não mostra’ e penso em bebês que aprenderam a andar e acham que estão invisíveis só com metade do corpo escondido atrás da poltrona.”

>> Do jornalista Cláudio Humberto: “Logo Delúbio Soares vai mandar o ‘chef’ da cadeia preparar a ‘feijoada à Delúbio’, com rabo de porco, pé de porco, focinho de porco, cabeça de porco. E é porco.”

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Quase todos os programas de governo propõem combate ao crime organizado. Claro, os políticos não admitem concorrência.”

 

E eu com isso?

Mas chega de gente chata, que só pensa em política, em xingar adversários, em mostrar os dentes. Vamos ao mundo maravilhoso do entretenimento. As viagens são constantes e sempre para lugares bonitos, os casais são lindos e se amam enquanto durar, todos curtem sem parar, seja lá o que for.

** “Juju Salimeni faz tratamento para os cabelos antes de viajar”

** “Rihanna curte noitada com Drake em Paris”

** “Munhoz e Mariano choram na chuva e adiam DVD”

** “Ricky Martin sensualiza com dançarino em show no Uruguai”

** “Grazi Massafera é clicada com a filha em restaurante no Rio”

** “Simon Cowell relaxa em praia de Miami com a mulher e filho recém-nascido

** “Luciano Huck leva seus meninos a torneio de tênis, no Rio”

** “Sylvester Stallone se emociona em peça na Broadway”

** “Filha de Eike Batista passeia no colo da mãe”

** “Eliminados, os ex-BBBs Junior e Letícia almoçam juntos no Rio de Janeiro”

** “Com vestido cheio de transparências, Britney Spears almoça com filho e namorado”

** “Sabrina Sato escolhe boné e shorts curtos para viagem de avião”

** “Justin Bieber não convida Selena Gómez para sua festa de aniversário”

** “Adriane Galisteu e a bela receita para ficar grávida”

Ué, será diferente da tradicional?

 

O grande título

O tempo é curto, o tamanho é insuficiente, o internauta que se dane. 

** “Ao ser libertada, Tymoshenko diz que será”

Em compensação, uma manchete repõe os fatos em seus devidos lugares:

** “Bandidos fingem ser ladrões para roubar família em Mogi”

E parece que fingiram direitinho!

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickamann&Associados Comunicação