Uma repórter da Rede Globo foi impedida de fazer uma reportagem de rua porque um cavalheiro, transtornado de raiva, berrava slogans cheios de palavrões contra a emissora, impedindo que qualquer outra coisa fosse ouvida. Nas redes sociais, houve quem se regozijasse e ainda classificasse a reação da repórter, que exigia respeito, como “chilique”.
Quem não gosta da Rede Globo, de qualquer outra emissora, de qualquer veículo de comunicação, tem o direito legítimo de manifestar-se. De uma maneira discreta, mudando de emissora, deixando de ler o jornal ou revista; ou ostensiva, em cartas a jornais, em publicações nas redes sociais diversas, em manifestações de rua. Mas não tem o direito de impedir uma emissora de fazer o seu trabalho, com manifestações grosseiras e palavrões berrados para atrapalhar o direito de manifestação de outras pessoas.
Da mesma forma, quem não gosta da presidente da República tem o direito de criticá-la, de contestar seus atos e declarações, de declarar que nela e em seus candidatos não vota nem ganhando um CD do senador Suplicy e um retrato do ministério de presente; mas tem de respeitá-la, como pessoa, como autoridade, como representante da maioria dos votantes. Como disse o senador John McCain, ao reconhecer a derrota para Barack Obama, “até agora ele era meu adversário. Agora é meu presidente”.
Frases do tipo “dilma, eu não escrevo seu nome com inicial maiúscula porque você não merece” não são, ao contrário do que proclamam fanáticos incrustados nas redes sociais, manifestações de coragem e independência: são apenas demonstrações de má educação.
Os insultos diretos e pessoais a jornalistas com os quais os xiitas e xaatos não concordam também são desse baixo nível: um dos fundamentalistas, por exemplo, costumava fazer trocadilhos com o sobrenome de Raquel Sheherazade. Como é que um cavalheiro chamado Costa faz trocadilho com o sobrenome dos outros? No mais, o jornalista de quem discordam nunca está enganado, nem parte de premissas erradas: é sempre canalha, safado, verme, vendido a interesses alienígenas. Se mostra que a falta d’água pode gerar uma crise de energia, está torcendo para que não chova, para insuflar os brasileiros contra o governo (às vezes o discurso muda: se forem xiitas do outro lado, são os adversários que torcem para que não chova, para que falte água em São Paulo e isso eleve as chances oposicionistas nas eleições estaduais).
Final da história? Quem semeia ódio só pode colher violência. A violência que levou ao incêndio de carros de reportagem da Rede Record e do SBT durante manifestações, que levou a ameaças de agressão a repórteres da Rede Globo, que pode levar a algo mais grave – imaginemos apenas que, perto do mal-educado que berrava palavrões para a repórter da Globo, houvesse um grupo fundamentalista antipetista que decidisse silenciá-lo. Por quanto tempo teremos a sorte de não haver brigas entre fundamentalistas organizados, como as há entre torcidas organizadas de futebol? Porque, não nos iludamos, não há diferença entre ambos os tipos de devotos: o amor por um time e o ódio por outros é o mesmo.
O poder em paz
Enquanto os torcedores organizados do governo e da oposição trocam insultos e vociferam bobagens, o verdadeiro poder do país transita tranquilo, conseguindo até, conforme o caso, apoio de alguns governistas ou oposicionistas, que pensam beneficiar-se mas, a longo prazo, jogam contra sua sobrevivência (e a nossa, e a do Brasil como país civilizado em busca de uma vida melhor).
Quem vai bem, obrigado, livre de críticas e nadando de braçada, é o crime organizado. Há alguns anos, no final da década de 1980, o juiz Haroldo Pinto da Luz Sobrinho detectou a formação de um grupo criminoso nas penitenciárias paulistas, o Serpentes Negras. O mundo bem-pensante caiu em cima do juiz: estava vendo fantasmas. A imprensa em peso achou a denúncia engraçadíssima. Serpentes Negras,onde já se viu tamanha bobagem? Nome mais esquisito, só podia ser coisa inventada. Um único jornal paulista, a Folha da Tarde, fez a cobertura do caso (o repórter era Hélio Mauro Armond, que confirmou a existência da organização criminosa e trouxe informações novas sobre ela). Nem os outros jornais do grupo a que pertencia a Folha da Tarde entraram a sério no episódio. E o Governo paulista da época, nas mãos do PMDB, não se moveu.
Mas o juiz Haroldo Pinto da Luz Sobrinho, infelizmente, tinha razão. O Serpentes Negras só deixou de existir quando deu lugar ao PCC, Primeiro Comando da Capital – que da capital se estendeu ao estado, passou a outros estados, instalou-se até em países vizinhos, de maneira a dominar as duas pontas do tráfico de cocaína. O governo continuou firme: do PMDB passou ao PSDB, mantendo-se solidamente inerte com relação ao crime organizado – e ousando negá-lo.
Um recente secretário da Segurança, Ferreira Pinto (que saiu do governo tucano e se instalou na Fiesp, pronto para ser candidato a deputado pelo PMDB), disse que o crime organizado tinha sido varrido de São Paulo. Limitava-se a meia dúzia de bandidos, todos presos, desarticulados, sem condições de ação.
Mas, como lembra Alberto Dines, não foi a população carente de transportes públicos a responsável pelo incêndio de dezenas de ônibus na Grande São Paulo. E não é o morador pacífico da comunidade, ou seja lá o nome que se queira dar para fingir que não há favelas, que quer a retirada da polícia dos morros cariocas: este é o interesse dos traficantes, não de seus reféns. O crime organizado é hoje o grande inimigo da sociedade; caberia ao poder político reconhecer este fato, esquecer um pouco como alfinetar o adversário apenas para efeitos eleitorais e assumir a missão de combatê-lo, buscando convergências entre os partidos para que o Brasil volte a ser um local onde haja segurança para trabalhar, divertir-se, passear, ir a festas, sair à noite, namorar, viver.
É obrigação do Estado ocupar o vazio de poder nas favelas, com delegacias de polícia, escolas, urbanização, hospitais, água encanada, esgotos, eletricidade sem “gatos”, tudo aquilo que caracteriza a vida em cidades civilizadas.
Ou isso, ou o poder, que abomina o vácuo, continuará sendo exercido por narcotraficantes e suas milícias.
A loucura nas ruas
Funcionários da Assistência Médica Ambulatorial (AMA) do bairro paulistano do Capão Redondo, órgão vinculado à Prefeitura da cidade, fizeram um protesto. A Folha de S.Paulo enviou para a cobertura o repórter César Rosati e o repórter fotográfico Zanone Fraissati Filho. Um dos seguranças da AMA agrediu o fotógrafo e destruiu sua câmera, alegando que “era proibido tirar fotos das instalações”. Só que o fotógrafo estava na rua. O segurança, então, tentou puxá-lo para dentro do prédio, berrando que lá dentro poderia bater nele à vontade. Foi contido por colegas da própria AMA. Fraissati registrou o caso na delegacia da região.
A AMA é gerida por uma entidade parceira da Prefeitura; essa entidade preferiu “não comentar” o caso. O prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad, manteve-se em retumbante silêncio.
Emoções
Há muito tempo, desde que seu estado de saúde se agravou, Carlos Nascimento, que tem câncer, estava afastado da TV. Reapareceu na gravação da entrega do Troféu Imprensa, que Sílvio Santos lhe entregou pessoalmente. Plateia de pé, jurados de pé, aplaudindo sem parar, muita gente chorando no palco e nos bastidores – Nascimento, estrela do Jornalismo do SBT, não se comporta jamais como estrela e é muito bem-visto pelos colegas de trabalho. Mas a emoção maior viria em seguida, quando Nascimento contou que, ao descobrir que tinha câncer e iniciar o tratamento, seu compromisso com o SBT estava terminando. No dia 17 de dezembro – dois meses antes do final – um funcionário de RH da rede apareceu em sua casa informando que Sílvio Santos o enviara para renovar o contrato, já que assim ele não precisaria se preocupar com sua vida financeira durante o tratamento.
Em mais de 50 anos de TV, Sílvio fez muita coisa errada e muita coisa certa. E, quando acerta, acerta para valer.
Cadê as notícias?
A Rede Record assinou contrato com a Prefeitura de Paulínia (SP) no valor de R$ 883.407,06, para usar os excelentes estúdios da cidade.
Paulínia tinha até há poucos dias um prefeito complicado, deposto pela Justiça: o candidato era o pai, que caiu na Lei da Ficha Limpa. Na véspera da eleição, o filho, que tem o mesmo nome, entrou como candidato substituto e ganhou. De acordo com a juíza, houve manifesta intenção de enganar o eleitorado.
Mas, enfim, este é outro caso. Voltemos ao contrato. O excelente colunista Flávio Ricco, um dos maiores especialistas em bastidores de TV do país, mostrou que, no contrato, a Record aparecia como “contratada” e a Prefeitura como “contratante”. Traduzindo: a Prefeitura é que pagaria à Record por ceder seus estúdios à rede. A Record usaria os estúdios e ainda receberia pro isso.
Bom, Flávio Ricco revelou os fatos, a Prefeitura reagiu rapidamente: informou que houve “erro de digitação” e emitiu uma errata. Pois é: só que agora o aluguel, que seria de R$ 883.407,06, passou a R$ 88.340,71. Quando a Prefeitura pagava, o aluguel era de quase R$ 900 mil; agora, que a Prefeitura deve receber, o aluguel passa a menos de R$ 90 mil.
OK, o Ministério Público é que tem como função se preocupar com isso. Esta coluna só tem uma dúvida: por que não houve cobertura jornalística deste acontecimento? Por que deixaram Flávio Ricco sozinho na parada, sem fazer sequer reportagens que o citassem como fonte? Dinheiro público é dinheiro público, seja federal, estadual ou municipal; quando há coisas esquisitas com dinheiro público, seja de cidades grandes ou pequenas, cabe aos meios de comunicação tentar deslindar o assunto para seus consumidores de informação.
Hermanos del Mercosur
Uma boa iniciativa de um país irmão: na Feira do Livro de Buenos Aires, iniciada na semana passada, houve uma bela homenagem a São Paulo. Não sem custos, que isso seria hoje uma utopia: São Paulo gastou R$ 2 milhões para receber a bela homenagem.
Agora, a vida real, de convivir con nuestros vecinos bolivarianos del Mercosur: dos cinco mil livros que São Paulo levaria à Feira do Livro de Buenos Aires, 4.500 foram retidos pela alfândega argentina. Não houve jeito de liberá-los: a homenagem foi prestada com 500 livros, e olhe lá. O secretário da Cultura da Prefeitura paulistana, Juca Ferreira, se limitou a confirmar a retenção dos livros. E o prefeito Fernando Haddad, do PT, partido que mantém as melhores relações com a presidente argentina Cristina Kirchner, manteve-se calado, em obsequioso silêncio.
Um bom livro
Os dois primeiros livros de André Caramuru Aubert, A Vida nas Montanhas e A Cultura dos Sambaquis, foram ótimos; agora sai o terceiro, Cemitérios, que tem tudo para repetir a qualidade e o sucesso dos anteriores. Aubert é historiador, colunista da revista Trip, colaborador do jornal Rascunho, editor. Seu livro mescla histórias diversas, múltiplos cenários (inclusive o de uma antiga fazenda), saudades, sonhos. Noite de autógrafos no dia 7 de maio, quarta, às 19h30, no Espaço Revista Cult, Rua Inácio Pereira da Rocha, 400, em São Paulo.
Delícia
Alfredo Herkenhoff, ocupante de um dos mais poderosos cargos da redação do Jornal do Brasil, quando o JB era o JB, sucessor de monstros sagrados que ajudaram a revolucionar a imprensa brasileira, está relançando um livro de sucesso: Memórias de um secretário, pela Editora Zit. Um livro gostoso, fascinante, com boas histórias e grandes personagens; e que retrata, embora pouco o cite, o declínio de um dos maiores e mais importantes jornais do país. Vendas pelo Correio a R$ 35,00, porte incluído (ou R$ 38 com porte de envio registrado). Pedidos para Alfredo Herkenhoff, alfredoherkenhoff@gmail.com
Como…
De um grande portal noticioso de internet, já se preparando para a Copa:
** “Veja 5 lendas falsas que envolvem a seleção brasileira”
Quem sabe, em alguma próxima edição, revelem lendas verdadeiras?
…é…
Oficial: está no carimbo de uma agência dos Correios no Paraná.
** “Nº enexiste”
Se enexiste, não ixiste. Ponto final.
…mesmo?
Oficial: saiu no press-release de uma universidade federal.
** “Proficionalização”
Alguns dias mais tarde, a universidade informou que tinha havido um erro de digitação de uma empresa terceirizada. Ou, digamos, terseirisada.
Frases
>> Do jornalista Palmério Dória: “Bons tempos em que José Eduardo Cardozo era apenas papagaio de pirata.”
>> Do tuiteiro Felipe Neto, comentando a primeira imagem de nu frontal da estrelíssima Scarlet Johansson, no filme Under the Skin: “A Scarlett Johansson tem uma beleza comum, que qualquer mulher pode atingir, ela não é perfeita… E é por isso que ela é perfeita.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli, sobre os problemas do deputado André Vargas, que acaba de deixar o PT: “Não é operação Lava Jato: é leva de jatinho.”
>> Da paródia “The Girl from Pasadena”, que circula na internet: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graxa…”
>> Do jornalista Cláudio Humberto: “Vai a domicílio e vende maquiagem. Não é a Avon, é a pesquisa do IBGE.”
E eu com isso?
O Brasil é um país cândido. Em algumas áreas, há quem diga que não sabia e tem a certeza de que todos vão acreditar (nem todos, mas há quem acredite, ou diga que acredita). Em outras, como nesta área de frufru, a moça sai de casa com uma saia curtíssima, toda recortada, sem calcinha, e a imprensa registra que ela “mostrou o que não queria”. Talvez ela até não queira, apesar das evidências em contrário – mas qual o consumidor de informação que não quer?
** “Faro almoça com Gentili no bandejão do SBT”
** “Cameron Diaz não usa desodorante há vinte anos”
** “Kyra Gracie no shopping com Malvino Salvador”
** “Filha de Bruce Willis e Demi Moore quase mostra demais”
Rummer Willis usava um vestido preto decotadíssimo, com amplos recortes. E por que o “quase”? Porque, por baixo do vestido, usava um collant cor da pele.
** “Gêmeas do nado sincronizado exibem barrigas saradas”
** “Ricky Martin encontra David Beckham na China”
** “Giovanna Lancellotti curte férias na Itália com a mãe”
** “Selena Gomez deixa de seguir Bieber no Instagram”
** “Yasmin Brunet mostra boa forma e namora na praia”
** “Jay Z e Beyoncé recusam convite de casamento”
** “Giselle Bundchen curte Páscoa em família”
** “Rainha Elizabeth 2ª posa para retrato oficial”
Elizabeth 2ª, quem diria! Da câmera com chapa de vidro e flash de magnésio às máquinas digitais de foco automático!
** “Fernanda Lima e marido voltam à praia”
** “Kristen Stewart ganha um lobo de presente de aniversário”
** “Conca mostra sua casa no Rio”
** “Léa Michelle mostra demais em gravação de clipe”
** “Daniel de Oliveira vira cambalhota na praia”
O grande título
Que excelente semana!
Comecemos com um título que renova o significado de “passar bem”, ao narrar um acidente com o zagueiro brasileiro Henrique:
** “Henrique passa bem após destruir Porsche de R$ 500 mil na Itália”
Passamos por um título inacreditável de um jornal impresso, onde antigamente até erros de tipografia eram considerados falhas graves:
** “Tuquia: massacre de armênios são ‘dor compartilhada’“
O massacre são já seria suficiente. E Tuquia, terá algo a ver com aquele bicheiro de novela, o Tucão?
Há um título daqueles bem dúbios, onde o duplo sentido se impõe:
** “Para audiência subir, Globo exibe Bruna Marquezine quase nua”
Vai subir, vai subir.
E há o imbatível título de um anúncio com sugestões de presentes:
** “Dia das Mães na (…): Saldão de chuteiras com até 68% OFF (…)”
Dizem que a referida senhora está batendo um bolão.
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Carlos Brickmann é jornalista