E começa o espetáculo, dizia o grande Fiori Gigliotti. E, já que o espetáculo só começa quando se abrem as cortinas, os meios de comunicação se esqueceram de olhar os bastidores. O que aconteceu por trás dos panos acabou ficando de lado.
Afonso, por exemplo – alguém lembra de Afonso, o famoso “quem?” que jogou na nossa Seleção, centroavante brasileiro de um time holandês? E de Bobô, cuja saída foi considerada pela torcida corintiana um grande reforço para o time? E Gladstone, para que posição foi convocado?
Pois é: em certa época, o futebol inglês só podia contratar jogadores que tivessem jogado na Seleção de seu país. Houve gente malvadíssima que relacionou a convocação de alguns craques desconhecidos com esta norma do riquíssimo futebol inglês. Afonso efetivamente foi para a Inglaterra, com um contrato milionário (que não durou muito: mandaram-no para o poderoso futebol do Qatar, e hoje ele está procurando clube). Bobô foi para a Turquia. Fernando era do Bordeaux e deixou o time – não para a Inglaterra, mas para os países árabes. Nem sempre a convocação funcionou como passaporte para times britânicos. O atacante Éderson, embora goleador, ficou no Brasil e deve agora seguir para a China.
Há mais coisas entre o vestiário e o campo do que pode sonhar nossa vã filosofia – pois, afinal, como nos dirá qualquer apreciador, futebol é uma caixinha de surpresas.
Após a Copa de 1970, um amigo de Zizinho, um dos maiores craques brasileiros de todos os tempos, telefonou para ele: “Mestre, o Fontana foi campeão do mundo. E o senhor não foi”. Fontana ostentava um futebol rústico, onde se destacavam os pontapés nos adversários; mas chegou lá. Craques como Zizinho, Jair, Ademir da Guia, Ademir Queixada, Luizinho, Cláudio, Baltazar, Telê, Orlando Pingo de Ouro, Veludo, Friaça, Dirceu Lopes, Almir, Sócrates, Zico, Bauer, Danilo, Julinho e Noronha não chegaram. Félix foi campeão mundial como titular, tendo Leão na reserva. Acontece.
Mas acontece também que os meios de comunicação costumam aceitar sem maiores perguntas todas as decisões dos técnicos. Há alguns xingamentos (no caso de Afonso e Bobô houve muitos), insinua-se muita coisa; ninguém da imprensa, entretanto, foi atrás de nenhum caso desses para comprovar se a convocação se devia mesmo à admiração do técnico pelo futebol do craque ou apenas mascarava um início de negociação. O fato é que, antes de jogar pela Seleção, o futebol de ambos não era de chamar a atenção; depois, também não. Mas ficou tudo no terreno da fofoca, das sugestões veladas.
Já faz alguns dias que todos os grandes jornais publicam cadernos diários sobre a Copa (e vão publicá-los até o final da disputa). Não é falta de espaço, portanto, nem de recursos. E ao menos este colunista gostaria de saber mais sobre o futebol dos craques, aquilo que os conduziu ao ponto mais alto de sua carreira, do que sobre os cremes que utilizam, os cabeleireiros que criam penteados capazes de identificá-los na imagem da TV, as cores de suas chuteiras, suas opiniões a respeito da felicidade que é jogar com a camisa canarinho.
Sambando com a bola no pé
Boa parte dos meios de comunicação aprovou com entusiasmo a conquista, pelo então presidente Lula, do direito de realizar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Ao longo dos anos que se passaram de 2007 até hoje, algumas poucas advertências foram divulgadas pela imprensa: o tempo estava ficando curto, o que geraria pressões para afrouxar as normas legais na reta final, sob pena de nada ficar pronto; não havia planejamento (nem o país definia o que esperava, além do título, com a realização da Copa); havia estádios caríssimos em cidades onde o futebol não tem lá grande popularidade, como Manaus (em compensação, Belém, onde o futebol é uma paixão, ficou de fora). Durante muito tempo, nós jornalistas, na maioria, aceitamos como boa a informação de que a iniciativa privada realizaria, com seu dinheiro, as obras do Mundial.
Muitos de nós, jornalistas, confiamos; mas nossa função é desconfiar. Se uma empresa privada rica, capitalizada, lucrativa, busca dinheiro oficial sempre que quer expandir-se, como esperávamos que na Copa fosse diferente? Confiamos em nossas construtoras e na fiscalização do governo – esquecidos de que um estádio novo e moderno como o Engenhão, no Rio, teve de ser interditado para profundas e dispendiosas reformas. Confiamos nas obras de mobilidade urbana (o novo nome do velho “transporte”) esquecidos de que, no mesmo Engenhão, um belíssimo estádio, a chegada é um horror, por vias estreitas, mal iluminadas, inseguras, com curvas que exigem muita habilidade dos motoristas. Confiamos nos projetos de transporte de massa – e vem o ex-presidente Lula, na sexta-feira (16/5), dizer que “é babaquice” chegar ao estádio de metrô. Brasileiro, explicou Lula, não tem problema em andar a pé.
Digamos que Sua Excelência anda tanto a pé que acabou hipertrofiando os músculos abdominais, dando até a falsa impressão de que seja barrigudo.
Enfim, a imprensa falhou ao acompanhar com pouca profundidade os preparativos que se arrastaram nos últimos sete anos. Agora não é mais hora de reclamar: a Copa está aí, deve ser realizada da melhor maneira possível, recebendo os turistas tão bem quanto pudermos. Bobagens do tipo “não vai ter Copa” não seriam bobagens se pronunciadas na hora certa, há muitos anos; hoje, o que não pode ter é volta. Os erros já foram cometidos, os gastos mal planejados (ou muitíssimo bem planejados, sabe-se lá) já foram feitos, chegou a hora de colher o retorno, tanto em dinheiro como em imagem do Brasil no mundo.
E, a propósito, apesar dos problemas, apesar das obras não concluídas, apesar dos transtornos causados à vida das cidades, apesar da maciça campanha contra a Copa, a população continua sendo favorável ao torneio mundial. De acordo com o Datafolha, em 2008, antes da ocorrência de protestos, 79% da população apoiavam a disputa da Copa do Mundo no Brasil. Hoje, depois dos protestos, das manifestações, de certa partidarização da ojeriza ao torneio, 52% são favoráveis à Copa do Mundo. A porcentagem contrária é de 38%. Não apenas os favoráveis à Copa são maioria absoluta como a diferença de números a seu favor é imensa.
A próxima pauta
Passada a Copa, aí sim, haverá tempo e (esperemos) disposição para reportar o que houve de errado. Apenas como lembrança: no começo dos tempos de Copa, estimava-se que cada cadeira num estádio custasse algo como R$ 6 mil. Isso faria com que um estádio para 70 mil pessoas custasse R$ 420 milhões. Somem-se a isso os itens exigidos pela FIFA para facilitar a transmissão dos jogos, falhas de gestão, inflação – mas como é que, mesmo assim, chegamos a um bilhão?
O senador e o provocador
Referindo-se à nota publicada nesta coluna na última semana, a respeito da pesada discussão entre o senador Aloysio Nunes Ferreira Filho, do PSDB de São Paulo, e o ex-assessor da deputada petista Erika Kokay, Rodrigo Pilha Grassi (aquele que juntou gente para insultar o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo, que passava pela rua), o senador encaminhou a seguinte resposta:
“Prezado Carlos,
“Você tem razão: eu não deveria ter pisado na casca de banana que o tal Pilha jogou no meu caminho. Não me incomoda o teor da pergunta sobre eventual envolvimento nas denúncias sobre cartel do Metrô de São Paulo. Já fiquei rouco de falar sobre isso, e estou a cavaleiro no tema: as investigações promovidas pela Polícia Federal de São Paulo, pelo Ministério Público Federal do Estado, passaram pelo crivo do juiz federal, do procurador-geral da República e do Supremo Tribunal Federal, e nada foi arguido contra mim.
“O que acabou por me tirar do sério foi o sorrisinho debochado desse provocador, verdadeiro profissional da injúria. Daqui para a frente, vacinado por sua crítica, procurarei adotar atitude zen, em todas as circunstâncias.
“Pena que a medicina, que já conseguiu sucesso em transplante de rim, coração, fígado e até de rosto, ainda não tenha chegado ao transplante de alma: quando isso acontecer, vou pedir o transplante, em mim, da alma do Dalai Lama.”
Faça-o, senador. Porque o nível da campanha tende a baixar ainda mais. Apenas como exemplo, nas redes sociais circulam manifestos (divulgados por fantasmas, com perfis falsos, enviados por robôs) sugerindo que o ministro Joaquim Barbosa contraia uma doença incurável ou leve um tiro na cabeça, ou ambos, e outros proclamando que todos os petistas devem morrer. Apresentar ideias para o futuro e defendê-las, mostrando que são melhores que as dos adversários, nem pensar.
Cem anos de Seleção
A Seleção brasileira jogou pela primeira vez em 21 de julho de 1914, contra o Exeter City, no campo do Fluminense, nas Laranjeiras; o time, um combinado de paulistas e cariocas, venceu por 2×0, gols de Osman e Oswaldo Gomes. Primeira escalação da Seleção brasileira de futebol: Marcos de Mendonça (Fluminense), Píndaro (Flamengo) e Nery (Flamengo); Lagreca (AA São Bento), Rubens Salles (Paulistano) e Rolando (Botafogo); Abelardo (Botafogo), Oswaldo Gomes (Fluminense), Friedenreich (Ypiranga), Osman (América) e Formiga (Ypiranga).
E é neste jogo que começa Os deuses da bola,de João Carlos Assumpção e Eugênio Goussinsky. Um belo livro – a começar pelo prefácio, do maestro João Carlos Martins – torcedor fanático da Portuguesa de Desportos! – que compara o futebol à música. Lançamento na segunda-feira (26/5), a partir das 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.
Direto de Paris
Quem ouve Milton Blay todos os dias, na Rádio Bandeirantes, com José Paulo de Andrade, Salomão Esper e Rafael Colombo, tem a impressão de que está sempre com ele, num agradável bate-papo. Mas Milton Blay mora em Paris há muitos, muitos anos; e não é sempre que aparece por aqui.
Esta é uma boa oportunidade: na terça-feira (20/5), Milton Blay autografa seu novo livro, Direto de Paris – coq au vin com feijoada. Blay tem o texto fluente, agradável, como uma conversa entre amigos. A partir da 18h30, na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, São Paulo. [Ver, neste Observatório, “Das anotações de um correspondente“ e “Um ‘brésilien’ em Paris“.]
Histórias de gente só
Um grande repórter, José Maria Mayrink, uma série magnífica de reportagens sobre a solidão. Só podia dar um ótimo livro, como este que a Geração Editorial está lançando. Mayrink, grande escritor, autografa Solidão na terça-feira (27/5), a partir das 18h30, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, São Paulo.
Como…
Da internet, que nunca nos falha, noticiando uma briga de artistas:
** “Solange estapeia Jay-Z com sua bolsa”
Não deixa de ser uma novidade, estapear alguém sem dar um tapa.
…é…
De um grande jornal impresso, importantíssimo:
** “A oposição escalou lideranças para repetidamente perguntar ao ministro se a compra da refinaria nos Estados Unidos havia sido um mal negócio”.
É uma longa discussão. O que não dá para discutir é que o texto é mal. Ler essas coisas provoca até mau-estar. Doi no figo.
…mesmo?
De um gigantesco portal de notícias, ligado a um não menos gigantesco grupo de comunicações:
Título: “Motoboys param e levam cerveja de caminhão em SP”
Texto: “Caminhão derruba cerveja e motoqueiros (…) começaram a saquear a carga.”
O futuro nos aguarda
Da reportagem sobre uma reunião cheia de discursos numa associação de classe:
** “O momento culminante foi o minuto de silêncio…”
O trecho foi cortado pelo atento editor antes de ir para a rotativa.
Não notícia
Pondo a história no contexto: uma equipe do Extra, das Organizações Globo, que investigava fraudes de alguns milhões de reais no plano de saúde dos funcionários dos Correios, foi ameaçada por um dos suspeitos.
Um portal noticioso independente assim publicou a notícia:
Título: “Suspeito teria ameaçado equipe do jornal”
Texto: “O homem teria tentado atingir a repórter Flávia Junqueira e o fotógrafo Fábio Guimarães. A colisão só foi evitada porque o motorista Bruno Guerra conseguiu desviar”.
Afinal de contas, “teria tentado”? Ou tentou, e apenas a manobra hábil do motorista evitou a trombada?
Mas o melhor vem em seguida: para ilustrar a notícia, uma foto do parque gráfico de O Globo e Extra.
Lembra um clássico de imprensa: alguém foi assassinado na Praça Duque de Caxias, e o jornal, daqueles bem sanguinolentos, não tinha a foto do cadáver. Botou então a estátua do Duque, com a legenda: “Na foto, o Duque de Caxias, em cuja praça ocorreu o crime”.
Frases
>> Do jornalista Cláudio Humberto: “Pensando bem, não dá para entender por que alguns mensaleiros insistem tanto em trabalhar: afinal, nunca fizeram isso enquanto viviam fora da cadeia.”
>> Do jornalista Palmério Dória: “Não é bom que Alckmin entre pelo cano. Ele pode aparecer em nossas torneiras.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Joaka Barbosa sai candidato pelo PTR: Partido do Trabalho Revogado. E revogam-se as disposições contrárias.”
E eu com isso?
O mundo do frufru é um mundo de magia, encantamento, inocência calculada; e moda, muita moda. Um dia, alguém escreve alguma coisa que é apreciada pelos colegas, e pronto. No mesmo dia, quanta gente segue o bom exemplo!
** “Anitta deixa vaidade de lado e aparece sem maquiagem”
** “De férias, Fátima Bernardes aparece sem maquiagem em foto”
** “‘Barbie Humana’ surge sem maquiagem e surpreende fãs”
** “Patrick Stewart e James McAvoy brilham em SP”
** “Mirella Santos abre o jogo sobre sexo na gravidez: ‘Não dá pra fazer estrepolias’”
** “Tênis de cinco dedos não tem eficiência comprovada, afirma fabricante do modelo”
** “Geisy não sabe o que é cágado e comete gafe”
** “Lavar banheiro é uma terapia, diz Dani Albuquerque”
** “Garota é acusada de vender bolacha recheada com sêmen na escola para vingar bullying”
** “Grazi Massafera embarca para Paris com Sofia”
O grande título
Há hoje coisas preciosas. Um dos títulos mais estranhos da semana é daqueles que identificam as pessoas por alguma característica. Normalmente é idade (“idosa é atropelada”) ou profissão (“nutricionista perde o controle do carro”). Neste caso, a pessoa é identificada por um problema de saúde:
** “‘Sonhei com a tragédia’, diz genro de atropelada com mais dois por diabética”
Outro título insiste na possibilidade de que as pessoas, depois de mortas, continuem agindo como se vivas estivessem:
** “Suspeito agora diz que morta após tortura roubou dinheiro, diz delegado”
O grande título, entretanto, não é esquisito, nada disso; nele houve apenas um erro de digitação. Mas que ficou engraçado, isso ficou:
“Reintegração de posso acaba em tumulto no Jardim Botânico”
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Carlos Brickmann é jornalista