Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Língua manipulada

Ao longo do tempo todos, especialmente os jornalistas, consideraram sob risco de vida quem estivesse ameaçado de morte por acidente. O manual do politicamente correto, dentre outras estultices supostamente valorizadoras da língua nacional, impôs o tratamento de presidenta a Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Brasil, E passou a exigir que a antiga expressão generalizada passasse a ser “sem risco de morte”.

O cartesianismo é obtuso, acaba com uma tradição mansa e pacífica e barbariza ainda mais o idioma padecente. Uma pessoa que está arriscada a morrer é a mesma sob o risco de perder a vida. O preciosismo é uma estupidez, uma estultice, como diriam os velhos e preciosos filólogos, como Silva Ramos.

Essa praga da ilusão ética e moral parece que continuará a se expandir. Sua vigência remonta há muitos anos. Certa vez, fiquei chocado ao ler no manual de redação da Editora Abril que estava proibido usar o verbo judiar, por sua conotação antissemita. Quantas vezes, da meninice à adolescência, usei a expressão sem a mais remota consciência do seu significado mais profundo, para nós absolutamente desconhecido?

Tinha (e ainda tenho) muitos amigos judeus e grande admiração por esse povo. Não precisei do almanaque politicamente correto da Abril para abandonar o uso da expressão. Deduzi, ao ver aberto pelo manual o céu da compreensão linguística, que o judiar era próprio de moleques e adolescentes, eliminado naturalmente pela idade adulta, ou da razão. Sem traumas, artificialismo ou secreta conotação.

Por que não deixar o mundo se mover naturalmente, ao invés de tentar conduzi-lo pela mão forte dos moralistas, geralmente falsos e maléficos?

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)