Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

E a sorte estava conosco

O mestre Carlos Lemos, um dos grandes jornalistas deste país, completou há pouco 85 anos. Uma bela festa, no Rio; um belo texto de Alberto Dines sobre seu colega de Jornal do Brasil. E um bilhete de Bernardo Lerer, repórter de alto nível: “Acabei de ler o texto do Dines a respeito do Lemos. E imediatamente voltei 50 anos com você, Laerte Fernandes, Ebrahim Ramadan, Rolf Kuntz, Wilson Santos, Miguel Jorge, Guilherme Duncan, Oswaldo Maricato, Manoel Motta, Eurilo Duarte e outros. Nós éramos garotos de seus 20 anos e trabalhávamos com o melhor da imprensa brasileira!”

Pois é. Nossos chefes de reportagem, no Rio, eram Fernando Gabeira e Luís Orlando Carneiro. Na política, o lendário Heráclio Salles (e, em Brasília, os notáveis Carlos Castello Branco e Evandro Carlos de Andrade). O Departamento de Pesquisa, uma novidade absoluta, tinha o comando de Murilo Felisberto (e o comandante-adjunto era Luiz Paulo Horta, de uma cultura fantástica, que mais tarde ocuparia a cadeira de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras). Dines no comando supremo, com Carlos Lemos e Wilson Figueiredo. Universidade? Ali era a universidade, com professores que em outras escolas não havia.

A equipe de São Paulo, jovem de tudo, era selecionada pelo excelente Eurilo Duarte – que morreria cedo, num acidente horroroso. Daquela equipe, vários foram mais tarde dirigentes de outros jornais e revistas – especialmente o Jornal da Tarde, outra magnífica escola. Saiu dali um ministro de Estado, Miguel Jorge; dali saíram comandantes de Visão, Folha da Tarde, Notícias Populares, Repórter Esso, Rede Bandeirantes, quantidades industriais de prêmios Esso. Foi nesse ambiente que a garotada conheceu alguns monstros do jornalismo que nem trabalhavam lá, mas apareciam para uma conversa: Ewaldo Dantas Ferreira, Nahum Sirotsky, Benjamin Steiner, Jirges Ristum – que, mais tarde, descobriria o cinema e nele faria explosiva (e lamentavelmente curta) carreira.

Boa parte da Sucursal paulista do JB se mudou para o Jornal da Tarde, e recebeu substitutos como Maurício Kubrusly, Ary Schneider, Mílton Rocha Filho, José Nêumanne Pinto. Que fases! Na época, até o Manuel, motorista da Tortinha, a velha Kombi da Sucursal, tinha alma de jornalista e disposição para cercar e colher a notícia, sem se prender a horários ou outros compromissos.

No Rio, o grande JB ainda se manteria no topo por alguns anos, até que, numa bobagem histórica, tipo “o dono sou eu”, uma desastrosa troca de comando iniciou o processo de decadência.

Mas, enquanto durou, brilhou. E, retornando ao Bernardo Lerer, que sorte! Os garotos eram bons, mas estar naquela escola, naquele momento – que privilégio!

 

O melhor do debate

Há coisas que não podem passar em branco. No debate do SBT entre os candidatos à Presidência, o melhor de tudo foi a volta de Carlos Nascimento.

 

Sequestro é notícia?

Se sequestro de um adolescente brasileiro no exterior é notícia, não parece. Arlan Flick, 16 anos, foi sequestrado pelo EPP, Ejército del Pueblo Paraguayo, no dia 2 de abril, em Paso Tuyá, no Paraguai. O EPP pediu resgate, que foi pago em 10 de abril: 500 mil dólares. O EPP exigiu então que a família doasse também US$ 50 mil em alimentos para dois assentamentos. Essa quantia também foi paga. O rapaz continuou sequestrado, e sequestrado continua até agora.

Uma curiosidade: três líderes do Ejército del Pueblo Paraguayo estão asilados no Brasil desde o governo Lula. São eles Juan Arron, Victor Colman e Anuncio Marti. Não, o governo brasileiro não censurou severamente os cavalheiros que desfrutam do nosso asilo por ajudarem a manter sequestrado um adolescente brasileiro. Não, o governo brasileiro não ameaçou suspender o asilo a menos que o EPP liberte o sequestrado. O governo brasileiro mantém, diante do EPP, uma postura humilde, obsequiosa, de diplomático nanismo.

E a imprensa brasileira? Houve há meses uma boa matéria em O Globo, há menções em colunas (normalmente as publicadas no Paraná), mas nada que se pareça com uma campanha para mostrar que, encostada à fronteira do Brasil, há uma organização criminosa realizando sequestros e usando nosso território para fugir à Polícia do país vizinho. As melhores fontes sobre o sequestro de Arlan Flick, que já dura seis meses, são jornais paraguaios. Dois links: aqui e aqui.

A propósito, a família do rapaz sequestrado não tem participação política nenhuma nem no Paraguai nem no Brasil. São fazendeiros prósperos e compraram suas terras legalmente, de acordo com as leis paraguaias.

 

Os doidos da web

Há coisas tão malucas que parecem irreais – e, no entanto, são verdadeiras. O vídeo falsificado em que Lula pede votos para Marina foi preparado por um dirigente tucano do Mato Grosso, Leandro Lima do Nascimento. No vídeo real, Lula pedia votos para Marina Sant’Anna, do PT goiano; no falsificado, incluiu-se um logo da campanha de Marina Silva e apagou-se o som do Sant’Anna.

E que é que ganhou o falsificador? Nada. Mesmo que tudo desse certo, e eleitores fossem influenciados pelo discurso de Lula, seus votos iriam para Marina, enquanto o candidato do partido do maluco ficaria sem nada. Segundo Leandro Lima do Nascimento, ele viu o vídeo e ficou com vontade de fazer uma piada. Só se surpreendeu quando o resultado da piada foi que todo mundo riu dele.

Mas a doideira da internet, se não atinge o ridículo dessa falsificação imbecil, mesmo assim corre solta. Marina Silva disse que o pré-sal não seria uma prioridade de seu governo e publicaram que ela queria tirar recursos da educação. Maluqueceram – ou não: vale a pena, caso o caro colega queira se divertir, acompanhar um pouco o Facebook. Aquele cavalheiro que passa o dia inteiro repetindo slogans de um ou outro candidato, praticamente sem intervalos, de que é que vive? Há uma excelente chance de que ganhe para isso.

 

O impossível acontece

Dá para imaginar a Globo sem Alice-Maria? Este colunista jamais pensou muito nessa hipótese. Alice-Maria, uma das jornalistas mais importantes do país, ícone da profissão, é um fato da vida. E, no entanto, Alice-Maria Redinger acaba de aposentar-se, depois de 48 anos de trabalho na empresa. Ali ocupou os mais altos cargos, participou de algumas das mais importantes iniciativas da Globo – inclusive o lançamento do Jornal Nacional, em rede nacional, ao vivo, numa época em que ainda era hábito enviar os filmes de avião de uma cidade para outra.

Alice-Maria participou, por 20 anos, do comando do jornalismo da Rede Globo. Em seguida, buscou outros caminhos: formatou e dirigiu o telejornalismo da Globonews, um canal de notícias 24 horas, cuidou da área de responsabilidade social, cuidou da formação de novos repórteres. Este colunista não a conheceu pessoalmente; as informações que sempre recebeu a colocavam como uma pessoa exigentíssima, difícil. Mas que, sempre, seu padrão de exigência era moldado pelos interesses do telespectador. E jamais soube de histórias de que tivesse perseguido alguém, ou usado seu poder – que era grande na rede – para prejudicar pessoas de quem eventualmente não gostasse.

 

Quem sabe fala

Quem pode falar sobre ela é um grande jornalista, formado na imprensa escrita, que se transformou, nas mãos de Alice Maria, num dos bons quadros da TV. Com a palavra, Raul Bastos, ex-Estadão, hoje DM9DDB:

“Alice Maria, a grande Alice Maria, decidiu se aposentar do Jornalismo da Globo depois de quase 50 anos de muitas e muitas batalhas, muitas e muitas conquistas e algumas derrotas honrosas.

“Aposentadoria, em se tratando da Alice, não combina. E isso quer dizer que ela não vai parar e ficar olhando o mundo passar. Logo, logo, estará em outra dessas missões que nunca são impossíveis para ela.

“A Alice-Maria é da raça dos gigantes. Faz parte da vida de centenas e centenas de jornalistas e cinegrafistas da Globo, da Globonews, da Manchete. Formou gerações e gerações de telejornalistas.

Não há gente de brilho no telejornalismo brasileiro que não tenha um pedacinho da Alice dentro de si. Não há telejornal que não tenha a sua marca.

“Com o Armando Nogueira criou e botou no ar o JN, o Jornal da Globo, o Bom Dia, Brasil, o jornal Hoje, o Globo Repórter, participou da criação do telejornalismo regional, entre outras tantas coisas. Criou e botou no ar, na pobreza, em 15 dias, a Globonews, outra conquista, Vida profissional tão excepcional quanto discreta.

“Estou fazendo esse registro – que não sei por que não chamo logo de homenagem, porque é uma homenagem – com emoção e carinho. Trabalhei com ela por vários anos, em algumas situações-limite e dramáticas, e aprendi a admirá-la e respeitá-la, mesmo nas divergências.

“Então, se você quiser mandar uma palavrinha, um abraço para ela, aqui vai o endereço eletrônico: alice.maria@tvglobo.com.br

 ”Hoje, quando rodar a vinheta do Jornal Nacional, repare bem que você vai notar as digitais da Alice-Maria dentro dela. Será a sua homenagem”.

 

Os poemas do jurista

Um livro precioso, em edição ultrarrestrita, de 500 exemplares: Poesia Completa, do advogado Ives Gandra Martins, que acaba de sair pela Resistência Cultural. Só há uma maneira de comprá-lo: na própria editora, com o proprietário José Lorêdo Filho (joseloredo@resistenciacultural.com.br). Preço: R$ 149 o exemplar. Mas vale a pena: Ives Gandra Martins é também um bom poeta.

 

Brasil além-fronteiras

O livro Cidadão do Mundo: o Brasil diante do Holocausto e dos Refugiados do Nazismo, da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, está sendo lançado na Alemanha, pela editora Lit Verlag, com tradução da historiadora Marlen Eckl. O livro – Weltbürger: Brasilien und die Flüchtlinge des Nationalsozialismus, 1933-1948 – é apresentado nesta quinta na Embaixada do Brasil em Berlim. No dia 16, em Marbach, Baden-Württemberg, em parceria com o Arquivo da Literatura Alemã; dia 18, no espaço Seidlvilla, em Munique.

 

O filme de Sobel

A data da estreia é 11 de setembro, quinta-feira: o filme é A História do Homem Henry Sobel, documentário dirigido por André Bushatsky, resultado de quatro anos de pesquisas e trabalho. Reúne adeptos e adversários do rabino. A história é fascinante, o diretor tem excelente currículo. Tem tudo para ser bom.

 

Como…

De um portal noticioso dos grandes:

** “Mais de 400 kg de maconha são incinerados apreendidas em Abaré”

Mim se sente índio de filme americano lendo texto de cara-pálida.

 

…é…

De um portal especializado em notícias de imprensa, para pessoal de imprensa:

** “…alémdas confusões que o fez parar no Top Five do CQC”.

A função da imprensa, está certo, é discordar. Mas não precisa exigir discordância entre plural e singular na mesma frase. Aí é radicalismo demais!

 

…mesmo?

Do portal noticioso de um grande jornal:

** “Universidade recorreu da decisão que considerou legal a paralisação como legal e o corte de ponto abusivo

Não, não pode ser considerado um recurso estilístico, de reforço do que foi dito. Deve ser alguma outra coisa. E, claro, legal legal, superlegal.

 

Frases

>> Do jornalista Fred Navarro: “Ainda bem que existe o Twitter. Antes, ninguém entendia o que os candidatos diziam. Agora, tem tradução simultânea.”

>> Do jornalista Marcos “Mag” Augusto Gonçalves: “Alguém que ganha dinheiro para comparar Marina com Jânio e Collor só pode ser um gênio.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Eu também falo com Deus. E ele mandou dizer que não tem nada a ver com Marina.”

>> Do jornalista Gabriel Mallet Meissner: “Horário Eleitoral Gratuito é aquele negócio que a gente paga pra não ver.”

>> Do tuiteiro Ary Costa Pinto: “O candidato Padilha teve um expressivo crescimento nas pesquisas. Sua rejeição passou de 26% para 38%.”

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Há cousa mais linda do que ver Dilma apagar incêndio a tamancada?”

>> Do escritor e colunista Diogo Mainardi: “Eduardo Giannetti no Planejamento, Armínio Fraga na Fazenda, Dilma no Magazine Luiza e José Dirceu na Papuda.”

>> Do tuiteiro Hugo a-go-go: “Marina é um milagre da medicina. Conseguiu curar-se de malária, leishmaniose, contaminação por mercúrio e petismo.”

 

E eu com isso?

Chega de política, de troca de insultos, de picuinhas. Ô, gente chata! Fiquemos aqui no País das Maravilhas, onde tudo é belo, nada muda nossa vida e tudo serve de assunto para bater papo nas filas que a gente tem de frequentar.

** “Tom Brady revela que age como criança para chamar atenção de Gisele Bündchen”

** “Ivete Sangalo passeia com o marido em Nova York”

** “Senhora Messi ‘troca’ mulher de Fábregas por namorada de Busquets”

** “Miguel Falabella sorri e caminha pelo saguão do aeroporto, no Rio”

** “Artista orla boneca de Rihanna com look ousado”

** “Vanessa Giácomo se encontra com amiga em condomínio no Rio”

** “Katie Holmes compra brinquedos para a filha Suri”

** “Fiuk faz pose para fotógrafo antes de deixar o Rio de Janeiro”

** “Arnold Schwarzenegger mostra os braços musculosos ao deixar restaurante em Los Angeles”

** “Letícia Spiller anda com garrafa dágua antes de embarcar”

** “Kristen Stewart não está namorando uma mulher”

** “Mariana Ximenes toma sol da manhã em dia de folga”

** “Leonardo DiCaprio caminha por Nova York sem dar bola para fãs”

** “Juliana Paes curte passeio em clima de romance com o marido”

** “Heidi Klum beija o namorado Vito Schnabel durante partida de tênis”

** “Cantora Vanessa Jackson tem um dia de diversão no parque O Mundo daXuxa”

** “Ticiane Pinheiro madruga no frio pra levar Rafa Justus à escola”

 

O grande título

Nem sempre a criatividade é o forte do jornalismo (ainda bem: às vezes, o excesso de criatividade leva a coisas inacreditáveis). Aqui temos dois títulos, de dois press-releases, enviados no mesmo dia:

** “Adriana Lima encarna Factory Girl para editorial da (…)”

** “Alessandra Ambrósio encarna uma Gang Girl para as lentes da (…)”

Há um título engraçado, com um erro que parece ser de digitação. Mas não é: esse tal de pestisco deve ser tão bom que o termo sai igualzinho em dois lugares diferentes da matéria:

** “Festival de Pestiscos tem 22 pratos na disputa em Guarapari, ES”

E vem o grande título: reproduz a frase de um/uma intelectual que certamente tem um quarto cheio de diplomas de pós-graduação nos mais diversos assuntos:

** “A objetificação e hipersexualização da mulher negra”

Nem o Tite, em seus melhores momentos, atinge tamanha expressibilidade.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação