Na noite de domingo (26/10) saberemos quem terá vencido as eleições presidenciais. No amanhecer do dia 27, os vencedores festejarão, os vencidos lamentarão. No dia 1º de janeiro de 2015, começa oficialmente o novo mandato. E a vida segue.
Cada lado, naturalmente, julgará intolerável, no primeiro momento, a perspectiva que se lhe oferece. Mas, apesar da barbárie que tomou conta das redes sociais, dos malucos fundamentalistas que andaram circulando por aí xingando adversários nas ruas, a vida deve seguir normal. Para evitar que o novo governo tome medidas que considere inaceitáveis, a oposição deve mobilizar-se, articular-se no Congresso, examinar com carinho cada proposta para, se for o caso, derrubá-la. E não há, a menos que tenha se escondido até agora, ninguém com capacidade de liderança suficiente para influenciar o país a seguir por caminhos sem volta.
Voltando a nosso tema, os meios de comunicação foram lenientes com a guerra suja. Abriram seu espaço não para a diversidade político-partidária, o que é correto, desejável e faz parte de seu papel, mas para porta-vozes radicais que não representavam sequer as correntes que imaginam defender, e que com frequência procuram evitá-los. Faltou aos editores aquela pitada de bom senso que é essencial aos grandes jornais. Ezra Pound, o (bom) poeta americano que aderiu ao ditador italiano Benito Mussolini e, na Segunda Guerra, ficou ao lado dos fascistas contra seu país e os Aliados, não teve espaço no The New York Times. Um notório simpatizante de Hitler, Henry Ford – sim, ele mesmo – pôde produzir à vontade. Construiu os famosos trimotores Ford, os Gansos de Lata, despejou veículos militares nas Forças Armadas aliadas. Mas não teve o direito de pregar publicamente aquelas maluquices em que acreditava (o que voltou a fazer depois da guerra, mas aí seu interesse no assunto já tinha passado).
Para chegar aos tempos de hoje, um excelente jornalista, Gustavo Chacra, especializadíssimo em Oriente Médio, não permite comentários em seu blog que considerem uma nacionalidade ou religião superior a outra, veta o antissemitismo e a islamofobia. Quem acha que fazer política é agredir e matar não deve ter espaço aberto para divulgar suas ideias e defender a barbárie.
Abrir espaço para os radicais mais radicais pode ter até ajudado a dar aos meios de comunicação uma imagem abrangente, mas teve como efeito colateral o crescimento da agressividade entre os simpatizantes dos diversos partidos. Faltou alguém dizer que o mundo nem sempre é o que parece. Em 1989, logo antes de um grande debate na TV Cultura, um grupo identificado com camisetas e bandeiras do PT gritava para as equipes dos demais candidatos que iriam ganhar as eleições e tomar seus carros, dividir suas casas, fazer o diabo. Não ganharam. E, quando ganharam, não fizeram nada disso, que o alto comando petista não é bobo: preferiu atrair adversários para ajudá-lo a governar em vez de incentivar as brigas de classe.
Ganhe quem ganhar, a vida continua. Quem perder certamente já começará a se preparar para as eleições seguintes. Não nos esqueçamos de que, desde o fim de mandato do presidente João Figueiredo, o poder transitou pacificamente para José Sarney, que Figueiredo odiava; para Fernando Collor, que Sarney odiava; para Itamar Franco, que substituiu o presidente afastado; e de Fernando Henrique para Lula, seu adversário. Nunca aconteceu nada fora do comum: a oposição chegou ao governo, como é normal num regime democrático.
Quanto à pitada de bom senso que este colunista pede aos editores, os fundamentalistas haverão de chamá-la de censura. Não faz mal: como ensinava Shakespeare, “se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume”. E até mesmo a liberdade de expressão, defendida por este colunista e todas as pessoas de bem, garantida pela Constituição, tem um limite natural. Ninguém é livre, por exemplo, para divertir-se gritando “fogo!” dentro de um cinema lotado.
Os riscos que existem
Em outras épocas, já houve agressões a políticos adversários. O governador Mário Covas foi agredido por professores em greve na Praça da República, região central de São Paulo. Na ocasião, José Dirceu disse que os tucanos “precisavam apanhar nas urnas e nas ruas”. Jogou na radicalização, não na moderação. Errou: Lula só ganharia uma eleição para a Presidência alguns anos depois, quando colocou Antônio Palocci, muito mais hábil, muito mais conciliador, no comando da campanha, e optou por esquecer aquela figura ameaçadora do João Ferrador (desenho de um operário com cara de bravo, dizendo “hoje eu não tô bom”), trocando-o pelo Lulinha Paz e Amor.
Agora, há um aloprado, que se identifica como João Paulo Silva Neri, fazendo ameaças de morte no Facebook contra a jornalista Rachel Sheherazade, apresentadora do SBT. O crime da jornalista, ao que parece, é pensar diferente de seu inimigo. Algumas das frases: “Eu vou matar você”; “Movimento matem a Rachel, a imprensa vai calar a sua boca!” “Matem a Rachel, matem a Rachel!”
A jornalista já avisou as autoridades. Mas não é fantástico imaginar que uma pessoa, por discordar das posições políticas de outra, ameace assassiná-la? Mesmo que considere que isso é uma brincadeira, que tipo de gente é esse?
Menos, Xico Sá. Menos
O apreciado jornalista Xico Sá, colunista do caderno de Esportes, há vinte anos, entre idas e vindas, na Folha de S.Paulo, pediu demissão, por achar-se tolhido no direito de declarar seu voto em Dilma Rousseff.
Só que não foi bem assim: a Folha, considerando que no caderno de Esportes deve-se tratar de esportes, ofereceu a Xico Sá espaço na página 3, o mais nobre do jornal, para declarar seu voto. “A direção do jornal”, diz Xico Sá, “sugeriu que eu poderia publicar, porém na página 3, na segunda-feira. É a página de ‘Tendências/Debates’, na qual convidados, não gente da casa, manifesta livremente suas opiniões, inclusive de voto. Migrar para um espaço de forasteiros não me fez a cabeça, não achei que fosse a solução para o impasse (…).”
Numa série de posts após a demissão, Xico Sá criticou duramente a Folha, considerando-a “imprensa burguesa”. Pois é: Xico Sá se mantém nas Organizações Globo, livre enfim das amarras da imprensa burguesa.
Hora e lugar
Pelo que informa a Folha, é livre, em qualquer coluna, a crítica a qualquer candidato e a suas políticas; mas declaração de voto, só na área política. Reinaldo Azevedo, por exemplo, critica o PT com dureza (e Ricardo Mello bate firme no PSDB). Traduzindo, pode-se criticar, mas apoiar só em determinadas condições. Dá para reclamar? Dá; mas, se é igual para todos, discriminação não há.
Ai, que loucura
A coisa já seria grave em situação normal; e, em véspera de segundo turno de eleição, torna-se mais grave ainda. A presidente da Sabesp, estatal de saneamento básico de São Paulo, disse que, se não chover até novembro, pode acabar a água do primeiro volume morto (ou “reserva técnica”, nome tucano do volume morto) do reservatório da Cantareira. É péssimo; mas existe ainda o segundo volume morto, do tamanho do primeiro, que pode resistir mais uns quatro meses; e há outras fontes de abastecimento. Caso não chova até novembro, haverá racionamento, mas não acabará a água em São Paulo.
E que diz em manchete um grande jornal impresso, de circulação nacional? “Água em SP pode acabar em novembro, admite Sabesp”. A informação é falsa. E daí? Daí que, para ao bem ou para o mal, tem efeitos sobre a população.
Houve erros de gestão no suprimento de água de São Paulo? Há quem diga que sim. Houve atraso em investimentos? Também há quem diga que sim. Está aí uma bela matéria para o jornal destrinchar, sem necessidade de forçar a barra.
Discriminação, sim
Josiani Alves Nicolete, 35 anos, diarista de profissão, foi aprovada em concurso público para o emprego de agente de serviços gerais numa creche municipal de Buritama, SP. Pagou a taxa para participar do concurso. Ao ser aprovada pediu demissão das casas onde prestava serviços. Mas foi impedida de tomar posse porque a julgaram “obesa”. Josiani está evidentemente acima do peso – mas não havia, entre as cláusulas do concurso, nenhuma que lhe exigisse peso menor. Na hora de pagar para participar, não havia restrição. Na hora de nomear os vitoriosos no concurso, as restrições aparecem? Não é o primeiro caso de discriminação de pessoas gordas. Nem por isso deixa de ser imbecil: se não se trata de candidatura a atleta, ou a modelo, por que a discriminação?
Digamos que Sir Winston Churchill, ao assumir o governo britânico que derrotaria o magrinho Adolf Hitler na Segunda Guerra Mundial, não fosse exatamente magro. Digamos que o general Arik Sharon, a grande estrela da Guerra do Yom Kippur, tinha certo excesso de peso. Digamos que o ministro Delfim Netto, por tantos anos comandante da economia brasileira, não tinha o apelido de Gordo por acaso. E digamos que os responsáveis pela discriminação a funcionários que venceram concursos ainda não apresentaram credenciais que os habilitem a ser pelo menos tão vitoriosos e conhecidos como as pessoas que querem impedir de trabalhar. Digamos também que os meios de comunicação estão falhando feio: quem toma uma decisão desse porte, sem levar em conta as normas escritas do concurso e impede assim que uma pessoa ganhe a vida, tem de ser procurado até que dê todas as explicações para seus atos que, na opinião deste colunista, são insanos.
Recordando
Certa vez, ao receber uma comenda de Herói da Grã-Bretanha, o marechal Bernard Montgomery alfinetou Churchill, ali presente: disse que “não bebia, não fumava, não prevaricava e era herói”. Churchill não se abalou: “Eu bebo, fumo, prevarico e sou chefe dele”.
Recordando – Brasil
O general Leônidas Pires Gonçalves, que foi ministro do Exército no governo Sarney, era obcecado pela forma física. Certa vez, visitando um batalhão, ficou perplexo ao ver que o comandante era gordo. Criticou-o na frente da tropa. O comandante ouviu e, terminado o destampatório, executou uma série de acrobacias, com saltos mortais, estrelas, tudo aquilo que este colunista jamais foi capaz de fazer (e jamais teve vontade de tentar). Leônidas, perplexo, viu a demonstração em silêncio. Terminada, o comandante dirigiu-se a ele: “Sua vez, general”.
A História na nossa frente
Como o Brasil, depois de quase 20 anos de regime democrático, acabou caindo numa ditadura que levou 21 anos? Como é que o país se mobilizou durante a ditadura e conseguiu voltar à democracia?
Corte para quase 40 anos atrás. Vladimir Herzog tinha sido morto, e seu enterro, no Cemitério Israelita do Butantã, mobilizou São Paulo – mobilizou a tal ponto que algumas pessoas detidas pela ditadura foram liberadas apenas para assistir ao sepultamento. A meu lado, três colegas, três amigos, três que tinham sido presos com Vlado: George Duque Estrada, Rodolfo Konder, Paulo Markun.
Retornemos (lembrando que, no dia 25, a morte de Vlado completa 40 anos). Markun, liderando uma bela equipe de pesquisa, dedicou quatro anos de trabalho, com patrocínio da Universidade Nove de Julho – Uninove e do Instituto de Cultura Democrática, a escrever o livro Brado Retumbante, em dois volumes, sobre a luz que se apagou em 1964 e seu ressurgir em 1985. Setenta pessoas deram seus depoimentos, gravados em vídeo – setenta pessoas que, embora hoje divididas, já estiveram juntas e contribuíram para a redemocratização do país.
Os dois livros serão lançados dia 23/10, na Saraiva Mega Store do Shopping Higienópolis, em São Paulo, às 19h. Vale a pena – pelos livros, por quem estiver lá.
Casal 20
Lecticia Cavalcanti, cozinheira de talento fantástico (este colunista traçou certa vez uma perna de carneiro inesquecível, feita por ela, daquelas que, se fossem um gol, seriam de Pelé), é autora de livros magníficos que a levaram à Academia Pernambucana de Letras, onde faz companhia ao marido, José Paulo Cavalcanti. E concorre agora ao Prêmio Jabuti. Se ganhar (e tem condições), estaremos diante de um fato novo: um casal em que ambos os cônjuges detêm o Prêmio Jabuti. E, completando, o esplêndido livro sobre Fernando Pessoa escrito por Cavalcanti, Uma quase autobiografia, está com a edição israelense, em hebraico, quase concluída. Deve sair ainda neste ano.
Boas exposições
Este colunista ficou indignado com os debates na TV, em que Dilma e Aécio se acusaram mutuamente de nepotismo. Faltou incluir o nome deste colunista! As exposições são ótimas (mesmo) e, além disso, seu organizador, Eduardo Besen, da galeria Gravura Brasileira, é sobrinho. Nepotismo no sentido estrito da palavra.
Ambas as exposições se iniciam neste dia 28/10, das 19h às 22h, e devem ir até 6 de dezembro: Variáveis de bancos de jardim, de Sílvia Ruiz, e Os papéis da gravura, de Selma Daffré.
Variáveis de bancos de jardim tem uma série inédita de xilogravuras e fotogravuras, anotações visuais da artista sobre a cidade.
Os papéis da gravura trazem cartografias, mapas da memória, marcas e sinais da arquitetura, da industrialização, da eletrificação, dos espaços de convivência. Uma beleza!
Na rua Dr. Franco da Rocha, 61, São Paulo, www.gravurabrasileira.com. Entrada gratuita.
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “(…) o senador Severino Cavalcanti (…)”
Este colunista espera que tenha sido apenas um erro. Pior é se for uma previsão.
…é…
De um grande portal noticioso da Internet:
** “Bahia frustra torcida e perde da Chapecoense com um jogador a mais”
Qual o time que estava com um jogador a mais?
…mesmo?
De um importante jornal impresso, de circulação nacional:
** “Manifestantes pedem legalização do aborto na orla de Copacabana”
E fora da orla, o aborto continuaria ilegal?
Frases
>> Do internauta Uatá Lima, referindo-se ao mal-estar da presidente no debate: “Anotei a placa do caminhão: RUA-2015.”
>> Do internauta Gente Ruim, especialista em leitura de bastidores, numa fase religiosa: “As denúncias contra o Grupo Espírito Santo, de Portugal, podem causar problemas no Brasil para o Pai e o Filho.”
>> Do jornalista Ludenbergue Goes: “A se levar em conta as acusações petistas, o Brasil vai fazer uma coisa inédita no mundo: dar um golpe não pelos fuzis, mas pelo voto.”
>> Do jornalista Fred Navarro:“Página inteira com Jaques Wagner na @folha_com. Nenhuma pergunta sobre Gabrielli ser seu secretário de Planejamento do Estado.”
>> Do tuiteiro Hugo a-go-go: “A OAB pediu a cassação da candidatura de quem: ( ) orquestrou o mensalão ( ) saqueou a Petrobrás (X) falou sobre cu num debate.”
>> Da advogada Alzira Ewerton, citando o gênio Millôr Fernandes: “Jamais diga uma mentira que não possa provar.”
>> Do jornalista e professor Cláudio Tognolli: “Dia do Professor: o problema de ser professor é que, enquanto você envelhece, os alunos remoçam.”
>> Da internauta Vera Vaia: “Ao contrário do que esperavam alguns petistas, não foi o Guido Mantega quem ganhou o Prêmio Nobel de Economia.”
E eu com isso?
Frufru? Também; mas hoje o Mundo Mágico de Oz inclui outros setores além do entretenimento. Há astros e estrelas nos esportes, e em outros setores. É bom: mais assuntos no único lugar em que ficamos livres das chatíssimas patrulhas políticas.
** “Messi não gostou quando Kaká mexeu no penteado dele”
** “Bárbara Evans curte iate de biquíni e é elogiada até pelas famosas”
** “Jennifer Lopez diz que não tem vergonha de seus divórcios”
** “Sheila Melo publica foto da filha, Brenda, de pijama”
** “Lorena Bueri confunde as palavras e ganha correção da amiga Bruna Tang”
** “Grávida, Taís Araújo vai ao teatro com Lázaro Ramos”
** “Jared Letto chega ao Brasil e causa alvoroço”
** “Paulo Vilhena curte praia no Rio com a mãe”
** “Morre aos 78 o ator checo Pavel Landovsky, amigo de Vaclav Havel”
** “Gwen Stefani passeia com seu caçula pelas ruas de Los Angeles”
** “Alessandra Maestrini ousa com look decotado durante premiação”
** “Robert Pattinson faz compras com a namorada em Paris”
** “Luma Costa leva o filhinho para passear em shopping”
** “Fernanda Lima mostra seu novo cachorro”
O grande título
O tempo passa, o tempo voa. Houve época, acredite, em que grandes títulos inusitados eram feitos de propósito, para atrair o público. Certa vez, por exemplo, a estrela de cinema Jayne Mansfield foi visitar uma ilha e o barco afundou. Passou a noite na praia, e quando de manhã foram buscá-la mostrou o corpo marcado de picadas de pernilongo. O título:
“Jayne exibe a picadura: noite terrível”
Hoje já se prescinde do esforço da redação. A coisa simplesmente acontece. Por exemplo:
** “Após ebola negativo para ebola, africano deixa isolamento no RJ”
E, se o título não couber, pior para ele:
“São Paulo obtém efeito suspenso e terá Michel Bastos no domingo”
Mas o melhor título da semana não é brasileiro. Vem de Portugal, do portal da rádio Nova Era:
“Vítima já teria falecido anteriormente”
Ora, pois.
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados