Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

E tentando a subida, desceu

Primeiro foi o Diário do Comércio, da Associação Comercial de São Paulo, que fechou abruptamente sua edição em papel e demitiu, com notável grosseria, uma excelente equipe. Papel é caro e o material jornalístico pode ser distribuído na internet a um custo muito menor (embora, como diga o provérbio, nada é tão forte quanto uma ideia cujo tempo chegou; nem tão fraco quanto uma ideia cujo tempo ainda não chegou). Em seguida, a Folha de S.Paulo demitiu duas dezenas de profissionais, entre eles alguns que, com seu prestígio, somado ao prestígio da empresa, haviam se transformado em favoritos de amplo grupo de leitores. O motivo é o mesmo: alta dos custos e necessidade de adequá-los às receitas.

Ninguém melhor que os administradores dos jornais para saber como vão as contas da casa. Ninguém melhor que os administradores dos jornais, também, para se limitar aos números, sem se ater ao que é principal num meio de comunicação: o intangível, o prestígio, a história, a ligação com seus consumidores.

O Jornal da Tarde arrebentou sistematicamente os orçamentos – mas, ao mesmo tempo, multiplicou sua circulação de 12 para 40 mil exemplares no primeiro ano de vida, ganhou o Prêmio Esso quatro vezes nos seus primeiros quatro anos, fez o que parecia impossível: agregou ainda mais prestígio ao já prestigiosíssimo O Estado de S. Paulo – o mesmo papel desempenhado no grupo pela Rádio Eldorado, emissora de excelente nível, motivo de orgulho tanto para o grupo como para seus ouvintes. Ao abandonar seus antigos programas de música de primeira qualidade e notícia sempre completa e confirmada, a Eldorado deixou órfãos muitos milhares de pessoas que deixaram de ser fiéis a seu prefixo.

Orçamento é ótimo, controle de custos é ótimo, faturar mais do que se gasta é ótimo, mas sacrificar a qualidade para manter a margem de lucro costuma ser o caminho ótimo para a crise. Como Conceição, de Dunga e Jair Amorim, sucesso extraordinário na voz de Cauby Peixoto, muitos meios de comunicação abandonam seus princípios para crescer. Mas, para o jornal, o rádio, a TV, o portal noticioso, como no caso de Conceição, se subiu, ninguém sabe, ninguém viu. O que se vê, com extraordinária frequência, é quem, tentando a subida, desceu.

Os exemplos estão aí. Há um caso clássico na área de entretenimento. Uma emissora de TV acertou em cheio em determinada novela. Foi um sucesso tão surpreendente, numa área em que os fracassos se acumulavam, que o comando artístico promoveu uma série de reuniões para discutir os motivos do êxito. Ignoraram o óbvio: um excelente autor, novelista de sucesso contínuo; atores de grande reputação; produção esmeradíssima; direção de alto nível. Preferiram as pesquisas de opinião, que mostraram que o tema da novela tinha muito a ver com São Paulo – a cidade onde se apuravam os índices de audiência.

Decisão da cúpula? Já que o tema escolhido era a chave do sucesso, o orçamento da novela foi cortado, as gravações externas reduzidas. A produção passou a ter limites rígidos de gastos. A audiência despencou. O autor de sucesso não quis mais trabalhar por lá. E a boa posição alcançada jamais se repetiria no futuro.

Se contas de somar e subtrair fossem a solução, jornal não precisaria de jornalistas. Um garoto no quarto ano do ensino fundamental resolveria todos os problemas; e todos os empreendimentos jornalísticos seriam um sucesso.

É besteira, claro. E como é que se explica que hoje, depois de tantos exemplos, haja ainda quem escolha o jornalismo papel-de-padaria e queira ter êxito?

 

A alegria do suicídio

As demissões recentes mostraram que o fundamentalismo ideológico que avassalou parte dos jornalistas é hoje, para eles, mais importante que seu próprio futuro. Ficam felizes quando vagas são fechadas, quando veículos fazem cortes, quando colegas que pensam diferente são demitidos – sem pensar que a demissão por pensar diferente é uma arma clássica das ditaduras, e que jornalistas, sejam de que tendência forem, só terão empregos se as vagas não forem cortadas.

Um belo comentário (que este colunista subscreve) do jornalista Charles Magno Medeiros, sob o título “Jornalistas contra o jornalismo”:

“Pobre democracia na qual ‘jornalistas’ nanicos, ‘jornalistas’ de aluguel e ex-jornalistas festejam a demissão de jornalistas que exercem com independência, inteligência e integridade sua missão, como Eliane Cantanhêde. Um site jornalístico chapa-branca chegou a dizer que Eliane se notabilizou por fazer críticas ao PT, como se isso não fosse função do jornalismo. E mentira deslavada, pois ela criticava também outros partidos e o governo. O Brasil é a única democracia na qual ‘jornalistas’ acham que a Imprensa deve aplaudir o partido e o governo que defendem.”

 

Quem quer…

Duas dúvidas:

1. Por que os defensores da regulamentação, regulação, controle da imprensa usam o nome em espanhol – na verdade, portunhol – da lei que defendem, Ley dos Medios?

2. Já que querem usar a língua estrangeira, que devem achar mais chique, por que não a aprendem? Ley dos Medios não seria Ley de Medios?

Se a atenção dada às providências previstas na lei é a mesma com que leram seu nome, até que ponto é possível confiar em suas informações e análises?

 

…ser controlado

Um grande jornalista, Ricardo Sérgio Mendes, que por mais de 40 anos cobriu a Assembleia paulista para O Estado de S.Paulo, foi meu primeiro guia naquele estranho mundo parlamentar. A primeira coisa que lhe perguntei foi como lidar com dezenas de projetos cifrados, do tipo “no inciso IV do parágrafo 3º do artigo 98 da Lei nº 54447, inclua-se a palavra que”. Era absolutamente impossível pesquisar todas as leis modificadas dessa maneira (e numa época em que não havia sequer computador, quanto mais Google). O Ricardo me ensinou: leia quem assina o projeto. Se for gente séria, fique tranquilo. Se for da pesada (uma bancada de bandidos perfeitamente organizada, com líder, vice-líder e tudo), vá pesquisar a lei que você vai encontrar bandalheira. Perfeito: nunca falhou.

Uma segunda lição: sempre que havia alguma modificação na lei trabalhista, ele buscava a posição da Fiesp, que reúne os industriais paulistas. Isso lhe poupava um trabalhão: se a Fiesp fosse a favor, isso significava que o projeto iria ferrar o assalariado (aliás, “ferrar” não era bem a palavra que costumava usar). Então, ele era contra. Se a Fiesp fosse contra, isso significava que o projeto era bom para o assalariado. Logo, ele era a favor.

O caso da regulação dos meios de comunicação pode ser analisado assim. Veja quem está a favor e quem está contra. Quem é que costuma criticar a liberdade da imprensa burguesa, atacar quem quer que critique seus ídolos: os favoráveis ou os contrários à medida? Também vale ao contrário: quem é que defende a liberdade de expressão, mesmo que não concorde com a posição do adversário? Essas pessoas estão a favor ou contra a regulação?

A partir daí, definido quem é quem, fica mais tranquilo formar sua própria opinião, sem precisar mergulhar nos circunlóquios que disfarçam as reais intenções dos autores do projeto, e sabendo quem serão os aliados e os adversários.

 

Los vecinos

Cristina Kirchner é totalmente favorável a uma lei desse tipo. Hugo Chávez era, Nicolás Maduro é. Nos Estados Unidos a propriedade cruzada dos meios de informação é proibida em determinados limites territoriais – mas como é que isso funciona hoje, em que a internet eliminou a barreira da distância e uma emissora de rádio na Lapônia atinge sem problemas a Patagônia? Na Inglaterra, na esteira do escândalo do News of the World, há uma lei severa de regulamentação de propriedade da imprensa, mas vem sendo contestada com muita energia. A lei está sendo aplicada, mas há possibilidades de que acabe sendo revogada.

 

Que venha o debate

De qualquer forma, a discussão sobre o tema da difusão de informações é importante, desde que não sirva como máscara para submeter os veículos ao poder estatal. Quais as consequências, por exemplo, de exigir que as emissoras regionais tenham determinada porcentagem de programas produzidos na região? Isso será bom ou ruim? Um texto do pernambucano Ariano Suassuna, produzido no Rio pela equipe do pernambucano Guel Arraes, pode ser considerado pernambucano? Qual a porcentagem de atores da região deveria ser exigida? É um debate longo, e difícil.

Quando este colunista dirigiu o telejornalismo da Rede Bandeirantes, uma das batalhas perdidas foi a de conseguir que os apresentadores de cada emissora afiliada mantivessem o sotaque local. A resistência era dos próprios apresentadores e da direção das emissoras regionais: acostumados à Globo, gostavam mesmo de se esforçar para apresentar o mais legítimo sotaque carioca.

O principal problema será, com certeza, a outorga de concessões a políticos. Este tipo de troca ocorre há muitos e muitos anos e ajuda a perpetuar dinastias regionais. Mas o governo outorga essas concessões em troca de apoio. Irá lutar para proibi-las e perder essa imensa alavanca que ajuda a mover seus aliados?

 

E os sócios, senhores?

O livreiro Sílvio Lefèvre está furioso com o fechamento do Diário do Comércio, seu jornal preferido, e totalmente desinformado pela Associação Comercial de São Paulo sobre as providências que precisa tomar. Ele narra seu problema:

“Sou um desses ‘assinantes’ (revoltados!) do DC.

“Tive de associar minha empresa na marra na Associação Comercial só para ter acesso ao Serviço Central de Proteção ao Crédito. A anuidade é bem cara, mas tinha de ser e cobria todas as consultas ao SCPC.

“Ai o SCPC passou para uma empresa externa e os pobres pequenos comerciantes como eu tiveram de passar a pagar à parte a ela pelas consultas ao SCPC. Pensei então em nos desligar da Associação Comercial, mas o Diário do Comércio era tão bom que não fiz isso só por causa dele. 

“De repente eles encerram o jornal e ainda por cima de uma forma enganosa para os ‘assinantes’, porque só disseram no comunicado que o DC passou a ser digital mas em nenhum lugar disseram que não teria mais a edição impressa (a suposição normal seria que, como todos os grandes jornais, tivessem um portal digital mas nem por isso parassem de ter a edição impressa).

“Tentei me comunicar com eles pelo ‘fale conosco’ do novo jornal digital mas ele não tem um botão de ‘enviar’ as mensagens…. só aceita mensagens pelo Facebook, Yahoo e outras alternativas que eu não uso. 

“Ou seja, é digital, mas não permite interação pelo próprio portal!

“Um escândalo, isso sim! Assim que eu tiver um tempo para me desgastar ao telefone vou cancelar a nossa filiação à AC e quero ver se aceitam devolver o dinheiro pelo tempo que resta. Duvido… E aposto que muitos pequenos empresários farão como eu. De repente eles vão perceber que o que segurava a AC era o DC.”

 

Dica de pauta

Em 1989, quando Guilherme Afif Domingos foi candidato à Presidência da República pelo PL, montou uma pequena equipe que sempre se manteve unida. O núcleo duro foi formado por dois de seus amigos, Gilberto Kassab e Rogério Amato. Desde então este grupo trabalhou junto, apoiando as candidaturas do Kassab e por pouco não conseguindo, há oito anos, eleger Afif para o Senado. Juntos criaram o PSD. E sempre mantiveram o controle da Associação Comercial, vencendo todas as eleições que por lá disputaram.

Pois bem: agora, quando Rogério Amato é presidente da ACSP e fechou o Diário do Comércio, um dos protestos mais duros foi o de Guilherme Afif. Foi duro e responsabilizou a administração – comandada por seu aliado Rogério Amato – por um erro grave. Esta é a pauta: terá rachado um dos grupos mais duradouros da política nacional? Que é que isso significa para o PSD, para Kassab, para o ministro Afif e para a aliança que mantêm com o governo Dilma?

 

As faces da princesa

Acostumado a saber, da princesa Isabel, apenas que foi quem assinou a Lei Áurea? Pois há mais, muito mais: Regina Etcheverria, ótima jornalista e biógrafa (autora de Furacão Elis), lança dia 17/11, a partir das 18h30, A História da Princesa Isabel amor, liberdade e exílio. Normalmente, a qualidade das obras de Regina Etcheverria é indiscutível. E a princesa Isabel, injustamente lembrada apenas por uma lei – embora da maior importância – merece ser conhecida. Na Livraria da Vila, rua Fradique Coutinho, 915, São Paulo.

 

O humor e o traço

Que desenhista! Que humorista! Paulo Caruso é chargista, faz histórias em quadrinhos, é músico (fez parte, com seu irmão gêmeo Chico Caruso e o escritor Luis Fernando Verissimo, da engraçadíssima Muda Brasil Tancredo Jazz Band, é o ilustrador do programa Roda Viva). E é o autor de Desenhando Longe, Cadernos de Viagem – EUA, Copa 94. Lançamento neste dia 11/11, terça, na Livraria da Vila, rua Fradique Coutinho, 915, São Paulo.

 

Como…

De um jornal regional importante:

** “Homem come planta e morre com R$ 200 em moedas no corpo”

E que é que tem a planta a ver com os três quilos de moedas, uma ou outra ferramenta de metal e algumas pedras que estavam em seu corpo?

 

…é…

De uma revista importante, famosa pela habitual precisão de seu noticiário:

** “OAB-SC entra contra julgamentos secretos do Fisco”

Tudo bem – só que era a OAB de São Paulo, não a de Santa Catarina.

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso, a respeito do tratamento de Michael Schumacher:

** Primeira página: “Família já gastou mais de R$ 1,5 milhão para tentar recuperar o ex-campeão da Fórmula 1”

** Página interna: “Família gasta mais de R$ 1,5 milhão por mês (…)”

 

Frases

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Quem nasceu com estrela é isso: mal saiu da cadeia, Dirceu já roubou a cena.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Aécio diz que vai liderar exército da oposição. O Clube Militar fecha com ele até a última fralda geriátrica.”

>> Do jornalista Alex Solnik: “Para não chorar, vamos rir: ainda bem que não moramos
num país onde o presidente pode mentir.”

>> Do jornalista Sandro Vaia “A gente faz o diabo na eleição. Depois, pede pra desmontar o palanque.”

 

E eu com isso?

Guerra entre PT e PSBD? Aqui, no mundo maravilhoso que mistura espetáculo com fantasia, nem sabem direito o que é isso. Brigar por política? Muito melhor ir à praia, fazer um passeio, experimentar novas roupas, trocar de namorada. E dar material para os fotógrafos, quer coisa melhor para se manter em evidência?

** “Deborah Secco ensina a comer brigadeiro e se manter magra”

** “Thalía deixa dieta de lado e devora comidas calóricas”

** “Mariah Carey leva a filha para escolher presente”

** “Look de Rosana Jabotá deixa barriga à mostra”

** “Juliana Paes passa férias em família no Caribe”

** “Site diz que namorada de Chris Brown está grávida”

** “Nanda Costa toma sol à beira-mar”

** “Kim Kardashian usa ‘tabelinha’ para controlar sua fertilidade”

** “Sophia Abrahão e Cláudia Leite cantam juntas em programa”

** “Robert Downey revela nome da filha recém-nascida”

** “Claudia Rodrigues passa a tarde em salão de beleza”

** “Zac Efron e a nova namorada não se desgrudam”

** “Ouvindo música, Rômulo Neto embarca no Rio de Janeiro”

** “Kevin Costner dá beijão na esposa ao sair de aeroporto”

** “Ricardo Tozzi embarca sorridente no Rio de Janeiro”

** “Amanda Bynes é encontrada dormindo em shopping de Los Angeles”

** “Geisy Arruda usa vestido curto no SP Fashion Week”

 

O grande título

A publicidade está ajudando muito com seus títulos criativos. Um bom exemplo é o anúncio de recipientes para guardar alimentos:

** “Tampa de vidro – não enferruja”

A tecnologia avança!

Há títulos absolutamente precisos:

** “Chuva obrigou as pessoas a usarem guarda-chuvas”

E outros absolutamente imprecisos:

“Produtor afirma que Bob Dylan, Beatles e Stones quase gravaram juntos”

Esqueceu de dizer que, se nesse encontro que não houve estivesse o Suplicy, ele também quase cantaria com seus ídolos.

E há títulos inesquecíveis:

** “Transexual morta aplicou silicone sozinha”

De onde se conclui que pessoas falecidas devem tomar cuidado com a autoaplicação de silicone.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados