Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

No limite da repressão

Não, não vamos discutir a decisão da Justiça Federal que determinou a quebra do sigilo telefônico do repórter Allan de Abreu e do Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP). Este colunista acha que é uma decisão equivocada, mas certamente os magistrados entendem melhor a lei. Resta apenas torcer para que a decisão seja derrubada na instância superior.

Lembremos o caso: o objetivo da quebra dos sigilos é identificar as fontes de Allan de Abreu para suas reportagens sobre a Operação Tamburutaca, executada pela Polícia Federal em 2011. O Ministério Público pediu ao repórter que revelasse a fonte, o que lhe foi negado, e pediu à Justiça que abrisse inquérito contra ele, quebrando não apenas o sigilo de seus telefones como também o dos telefones do jornal.

A questão é outra: quem é que se beneficia do segredo da fonte, que até agora ninguém ousou exigir de um jornalista? Não é o jornalista: na verdade, é o leitor. É o público que necessita da informação. E o jornalista, como intermediário entre a fonte de informação e os que dela necessitam, se utiliza da liberdade que o público tem, para ser informado, e vai buscar a notícia onde ela estiver. Violar os sigilos do jornalista, em último caso, significa dificultar o acesso da população em geral às informações que ele poderia obter.

A fonte passa a informação ao jornalista confiando que não será exposta. O jornalista garante à fonte que, conforme reza a lei, não é obrigado a expô-la. Aceitos esses princípios, informações de interesse público são fornecidas ao jornalista, que as repassa à população. O jornalista pode ser processado, pode ser condenado, se não conseguir comprovar o que publicou; mas até agora sua fonte estava a salvo da curiosidade dos outros.

Caso não haja rápida modificação da sentença em instância superior, é muito provável que a fonte do repórter Allan de Abreu seja encontrada e esteja sujeita a sofrer perseguição das pessoas, possivelmente poderosas, afetadas por suas revelações. Isso a curto prazo; a médio prazo, quem se sentirá seguro para transmitir à imprensa e à opinião pública informações de que seja detentor, por mais importantes que sejam?

Carl Bernstein e Bob Woodward são excelentes repórteres, mas sem o sigilo da fonte seu principal informante, “Deep Throat”, provavelmente nem teria entrado em contato com eles. E o caso Watergate, se desvendado fosse, levaria muito mais tempo – tempo suficiente, talvez, para que o presidente Richard Nixon terminasse seu segundo mandato e qualquer revelação que pudesse prejudicá-lo já tivesse perdido a eficácia.

Vale a pena lembrar que a inviolabilidade do sigilo da fonte foi assegurada até pela Lei de Imprensa editada nos tempos da ditadura militar. Ambas, a Lei de Imprensa e a ditadura, não ficaram famosas por posições favoráveis à liberdade de informação e expressão. E mesmo assim foram mais liberais do que a decisão que agora foi tomada.

 

Informação quente 1

Excelente a série sobre corrupção em municípios apresentada pelo Fantástico. O mais impressionante é que os responsáveis por casos escabrosos dão entrevistas numa boa, explicando tudo e dizendo que é bom.

 

Informação quente 2

Excelente também a série da Rede Bandeirantes sobre as más condições das rodovias, com imagens impressionantes dos acidentes provocados por problemas de manutenção, engenharia ou de imprudência dos motoristas.

Embora sejam muito menos frequentes do que gostaríamos, há reportagens magníficas nos jornais, no rádio, em revistas, nas tevês. E artigos muito bons – apesar do trabalho que dá para localizá-los, no meio de muita coisa ruim – na Internet. São biscoitos finos prontos para degustar.

 

Informação quente 3

Volta a crescer o número de ataques com dinamite a caixas eletrônicos, em São Paulo. Sinal de que vale a pena: a rentabilidade é maior que os riscos, que os custos, que a dificuldade da compra da dinamite. E, a propósito, tente o caro colega comprar dinamite: não é um algo que se venda nas lojas, não é um produto que se encontre nas prateleiras. Dinamite exige licença especial e, supostamente, seu comércio sofre estrito controle.

Só que não. Há tempos, na Rede Bandeirantes de Rádio, em excelente série de reportagens, o repórter Agostinho Teixeira localizou um grande fornecedor de dinamite, com escritório numa cela de um presídio de Fortaleza. De lá, o bandido mantinha contato telefônico com seus cúmplices, empregados e clientes; e comandava toda a operação (embora digam que o uso de celulares por presidiários seja ri-go-ro-sa-men-te proibido).

Agostinho Teixeira telefonou para o fornecedor, conversou com ele (tudo foi gravado), informou-se sobre preços e qualidade, a quantidade disponível (ilimitada), soube como seria a entrega: no dia e hora marcados, uma peruinha de lavanderia, com placas de São Paulo, chegaria ao local combinado, onde estaria o comprador. Cada um deveria levar sua equipe de seguranças. A dinamite teria de ser paga em dinheiro, no momento da entrega. A carga seria transferida para o veículo do comprador, e pronto. A dinamite já estaria à disposição para o próximo assalto a caixas eletrônicos.

Que é que aconteceu? Este colunista teve o prazer de ouvir uma reportagem muito bem feita – e só. Ao que saiba, não houve qualquer iniciativa da Polícia, do Ministério Público ou da Justiça contra o fornecedor – mesmo porque não faria sentido prender quem já estava preso. Outros veículos de comunicação devem ter ouvido a matéria, claro, mas nenhum se mobilizou para fazer uma suíte do caso. E os assaltos a caixas eletrônicos continuam a todo vapor. A relação custo-benefício deve ser excelente.

 

Em compensação…

Até Luciano Huck, normalmente um apresentador impecável, acaba um dia escorregando. Outro dia, conversava com Laís Souza, a magnífica ginasta que sofreu um acidente e ficou com graves sequelas, entre elas a insensibilidade nas pernas. Com as pernas insensíveis, Laís Souza fez tatuagens sem sentir dor. Huck: “Tem essa vantagem, né?”

Como não diria Poliana, personagem de Eleanor Porter que criou o Jogo do Contente, no qual se procura sempre o lado bom de qualquer acontecimento, por mais trágico que seja, “shit happens”.

 

…só pensam naquilo

Um grande jornal impresso, noticiando o Petrolão, cita logo no início da matéria o “Ministério Púbico”. Erro de digitação? Poderia ser – mas, pouco depois, o texto informa que, “tanto no Ministério Púbico como na Polícia Federal, a ordem é terminar de apurar os desvios na Petrobras e preparar novas frentes de apuração”.

Claro, podem ser erros repetidos de digitação. Mas parece que o pessoal que fez o texto não é tão insistente assim. Devia estar mesmo é pensando em outra coisa.

 

As cinco perguntas

Há quem considere o livro clássico de Fraser Bond, Introdução ao Jornalismo, uma obra superada. Mais antigas que o livro de Bond são as cinco perguntas, os cinco W, criados durante a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos (as agências, que forneciam noticiário a jornais das mais variadas tendências, tinham de ser o mais objetivas que pudessem; e, como dependiam do telégrafo, as notícias precisavam ser concisas). Em português, o quem, onde, quando, como e por que devem ser esclarecidos em cada lead de matéria noticiosa.

No Jornal da Tarde, sempre inovador, houve tentativas de modificar essa norma. Os problemas aconteceram principalmente na área de Esportes: o jornal descrevia o jogo em textos excelentes, entrevistava a namorada do herói da partida, mostrava a família do craque assistindo ao jogo na TV da casa, com todos os vizinhos na torcida. Tudo ótimo – mas com frequência o resultado não saía. Em alguns casos, acompanhando o texto com cuidado, dava para contar os gols. Em outros, não havia jeito. Resultado: o retorno da “Ficha Técnica”, aquela planilhinha com escalação, gols etc. Em outro formato, as cinco perguntas essenciais do lead.

 

A questão do “onde”

Outro dia, uma boa reportagem sobre Henrique Pizzolato (aquele envolvido no processo do Mensalão, que fugiu do Brasil usando os documentos de seu falecido irmão) informava que ele será julgado em fevereiro, na Itália. E completava: tanto o Ministério Público da Itália quanto o do Brasil acham que, se condenado, deve cumprir pena no país.

Pergunta-se: em qual país? No Brasil ou na Itália?

 

Então é Natal

Uma ótima jornalista e advogada, Emília Soares de Souza, de São Paulo, Capital, leu nesta coluna a saga de um leitor que comprou um aquecedor portátil, usou-o uma vez e não conseguia consertá-lo de jeito nenhum. Publicada a reclamação, referindo-se à falta de interesse dos meios de comunicação na defesa dos interesses de seus clientes, a questão foi resolvida em instantes.

OK, Emília Soares de Souza tem um problema parecido; e, talvez por ter como adversárias no caso algumas grandes anunciantes, não tem conseguido romper o bloqueio da imprensa.

No caso, em abril último comprou nas Americanas uma geladeira Samsung. Veio um modelo menor. Reclamou, houve a troca pelo modelo certo. Mas a mola da porta foi-se em poucos dias. A Samsung mandou um técnico, cujo laudo recomendava a troca por uma porta nova. E acabou: em duas datas marcadas, o serviço autorizado não apareceu. E ainda botou a culpa na Samsung, que teria cancelado a ordem de serviço.

De abril a dezembro, aconteceram duas coisas: a) passaram-se oito meses em que a geladeira, comprada e paga, não funciona; b) as colunas de reclamações de leitores, antes tão eficientes (a do Estadão, nos tempos em que era feita pela Cecília Thompson, funcionava impecavelmente), não se interessaram pelo caso. Leitor paga pouco pelo exemplar. Anunciante gasta bem mais, né?

 

Seria, mas não é

Cinco deputados federais apresentaram à Câmara projeto que acaba com a identidade visual dos maços de cigarro. Todos seriam padronizados, proibindo-se a exibição da marca. O modelo seguido é o da Austrália, que adotou lei semelhante em 2012 e tem obtido bons resultados na luta contra o vício. Uma ideia boa – mas como implantá-la quando o contrabando é livre?

Este colunista tem passado com frequência na região da Estação Marechal Deodoro do Metrô paulistano. Ali há uma estação móvel da Guarda Civil Metropolitana, uma repartição pública e, imaginemos, já que se trata da região central de uma grande cidade, algum policiamento. E mesmo assim há barraquinhas que vendem cigarros contrabandeados a R$ 1,00 o maço. Não estão escondidas, não: ficam na calçada, em frente à estação.

Há um grande jornal com redação ali pertinho. O caminho para outro grande jornal passa pelo local. Uma grande rede de TV tem a sede ali pertinho. E se este colunista, que não está fazendo reportagem e não fuma (portanto, não está ansioso para encontrar quem venda cigarros), sabe onde há cigarros contrabandeados, como é que grandes meios de comunicação, com boas equipes de reportagem, não conseguem descobrir cadê as barraquinhas e quem são seus fornecedores?

De que adianta endurecer a lei se não há quem faça cumpri-la?

 

Bi vice

Nas duas vezes, o título de vice foi obtido fora de casa. Alexandru Solomon, leitor desta coluna, recebeu o segundo prêmio em Poesia, Prosa e Artes Figurativas da Accademia Internazionale Il Convivio, de Giardine Naxos, Itália. Solomon vai agora em busca de novo objetivo: o primeiro lugar.

 

Como…

De um grande jornal impresso, sobre a eleição da Mesa numa Câmara Municipal:

** “Adriano Ventura, Arnaldo Godoy e Pedro Patrus, ambos do PT, disseram que a Mesa eleita se curva (…)”

Certamente houve um engano: segundo se comenta, ambos os três são quatro. E – por que não? – podem até ser cinco.

 

…é…

De um jornal paulistano, discutindo o IPTU cobrado a mais na Capital:

** “Governo municipal pretende restituir cerca de 454 mil contribuintes”.

Restituir 454 mil contribuintes a quem? E como enviar a quem quer que seja quase meio milhão de pessoas?

 

…mesmo?

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “Lucro da (…) despenca 201% (…)”

Considerando-se que, se o lucro cair 100% ficará em zero, como é que se pode falar em queda de lucro de 201%? A menos que venha em seguida outra preciosidade, a de que a empresa teve “lucro negativo”.

 

Frases

>> Da jornalista Maria Luísa Brandalise: “Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo diz que há fortes indícios de corrupção na Petrobras. Ele suspeita também que o Brasil possa ter levado uma goleada da Alemanha na Copa do Mundo.”

>> Do médico venezuelano Luís F. Guarda: “Que coincidência! O anti-imperialismo de Cuba acabou ao mesmo tempo em que acabou o dinheiro da Venezuela.”

>> Do jornalista Fernando Gabeira: “O governo vendeu o pré-sal como o grande passaporte para o futuro. O passaporte pode estar vencido.”

>> Do jornalista Sandro Vaia: “Troca-se rombo fiscal por dois ministérios. Tratar com Renan Calheiros, no Senado.”

>> Do jornalista Gabriel Meissner: “E quando você acha que não se surpreenderá mais com a cara de pau do governo, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, chega e diz que o superávit primário menor é uma boa notícia porque isso significa investimentos em educação, saúde e infraestrutura.”

 

As não notícias

Não é sempre que as notícias saem nos meios de comunicação (exceto as fornecidas por autoridades, que já vêm prontas, redigidas, até com as aspas já colocadas). O pessoal está tão desacostumado com notícias sem chancela que parece ter perdido o pique: quando tem uma notícia, finge que talvez não seja. É a hora do suposto, do condicional – ou melhor, não usemos esse nome, pode lembrar as coisas da Papuda, usemos o nome atual, Futuro do Pretérito. E surgem as seguintes gemas preciosas:

De um dos maiores portais noticiosos do país:

** “Suspeitos explodem caixa de agência em campus da PUC-Campinas”

Ou explodiram a caixa ou são suspeitos. Os dois juntos não dá.

De um jornal impresso de circulação nacional (o que prova que não é só na Internet que se foge da notícia):

** “(…) dois suspeitos em uma moto supostamente roubada foram seguidos por PMs (…)”

Supostos PMs, talvez. Mas, enfim, por que os ocupantes da moto eram suspeitos? Por que se imaginava que a moto pudesse ter sido roubada? Besteira: o “suposto” resolve tudo.

 

E eu com isso?

E agora, pensemos juntos. Papel é caro, exige a derrubada de árvores, exige um trabalho com produtos químicos, exige transporte (e, portanto, gera mais poluição). Notícia sem papel não tem esses problemas, mas exige energia elétrica (hoje em dia, gerada em grande parte por usinas a gás, mais poluentes que as hidrelétricas), exige torres, radiobases, micro-ondas, mais uma série de coisas cujos efeitos ainda não foram bem avaliados. E tudo isso para, no fim, podermos passar ao público notícias como essas:

** “Japonês embrulha presente bem devagar”

** “Mulher de Latino surpreende com top e shortinho”

** “Vanessa Paradis acha que Amber Heard não faz bem para Johnny Depp”

** “Mulher de Galvão Bueno mostra corpo em forma”

** “Kristen Stewart caminha e toma café com amigo”

** “Robinho faz treino funcional em praia do Rio de Janeiro”

** “Filhos de William Bonner curtem passeio com a avó

** “Em Londres, Lindsay faz charme para os fotógrafos”

** “Revista revela a nova cirurgia plástica de Jennifer Aniston”

** “Decotada e com trancinhas, Sabrina Sato cai no samba”

** “Bicho-preguiça faz pose ao ser resgatado”

Como poderíamos viver sem tomar conhecimento dessas notícias?

 

O grande título

Podemos começar nossa série de grandes títulos com uma manchete de que nossa imprensa cada vez gosta mais: aquela que imita índio de filme americano. O assunto é o lateral-esquerdo uruguaio Álvaro Pereyra, titular do São Paulo, mas que pode mudar de time:

** “Álvaro Pereyra poder ir para o rival Palmeiras”

Continuemos no futebol: o Palmeiras contratou o técnico Oswaldo de Oliveira para iniciar a reformulação do time, que por pouco não foi rebaixado para a Segunda Divisão no último Campeonato. Diz a manchete:

** “Oswaldo de Oliveira quer ‘rir melhor’ no Palmeiras”

É o que se chama de frase infeliz: de acordo com o provérbio, ri melhor quem ri por último.

E o grande título, uma preciosidade na área enigmática:

** “Funcionário é flagrado com boi furtado dentro de carro”

Primeira pergunta: e como é que o boi coube no carro?

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados