Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Caixinha, obrigado

O Congresso em Foco, excelente revista eletrônica editada em Brasília, se tornou imprescindível por fazer o que é básico em jornalismo: buscar informações, verificar se são corretas, comprová-las e divulgá-las. Um Congresso em Foco que fizesse a mesma coisa no Poder Executivo, outro que se ocupasse do Poder Judiciário, outro das estatais, fariam mais pelo andamento correto das contas públicas do que dezenas de operações, centenas de investigações e milhares de manchetes. Os desvios na construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, do juiz Nicolau dos Santos Neto, só prosperaram durante tanto tempo pela falta de um órgão de imprensa que fizesse o serviço do Congresso em Foco.E veículos como esse tornariam muito mais difícil o trabalho clandestino da Turma do Petrolão.

A última do Congresso em Focoé a revelação, numa reportagem de Lúcio Vaz rigorosamente apurada, de que assessores e funcionários de parlamentares contribuem para a campanha – com dinheiro, com trabalho nos dias de folga e nas férias, com esforço redobrado. Sempre, evidentemente, por motivos ideológicos. Qualquer ideologia reconhece a importância de ficar bem com o chefe. O provérbio pode ser um pouco pesado, mas é verdadeiro: “Faça do saco de seu chefe o corrimão da escada da vida”. A lista das contribuições é fantasticamente completa: nome do parlamentar, partido, estado, quantia que recebeu do seu pessoal de gabinete. No total, uns R$ 3 milhões. Os parlamentares – que integram a bancada de 20 dos 28 partidos representados no Congresso – receberam de sua equipe até R$ 90 mil reais.

O pior, caro colega, é que a única novidade no caso é que um repórter, apoiado pelo veículo de comunicação em que trabalha, se deu ao trabalho de buscar informações precisas. Não é fácil: existem leis de acesso à informação, mas mesmo assim muita gente tenta dificultar ao máximo o trabalho jornalístico. Dado o resultado obtido, entende-se a resistência.

Mas por que não é novidade? Porque todos os repórteres da área de Política têm conhecimento de no mínimo outra prática incorreta: a de obrigar os assessores a devolver ao parlamentar, no ato do pagamento, parte do salário que recebem. É quase impossível comprovar essa prática, porque é feita de maneira informal: o funcionário recebe e, imediatamente, entrega uma parte, em dinheiro, ao empregador.

Num caso específico, a assessora recebia salário de R$ 12 mil. Ficava com R$ 2 mil e devolvia o restante à parlamentar, que (ainda bem!) arcava com os descontos. Provar? Não é de interesse do parlamentar, não há registro, apenas acontece assim, e pronto.

E, se um funcionário fizer a denúncia, ficará marcado e fechará as portas de eventual novo emprego. Este colunista, quando cobriu Assembleia Legislativa, tentou muito furar esse cerco. Tinha apoio da direção do Jornal da Tarde, mas não conseguiu prova nenhuma. A matéria simplesmente não chegou a existir.

Mas que a corrupa subterrânea existe, e sem documentos, ah, isso existe.

 

Oooooô, gente chata!

A guerra partidária sempre foi apaixonante: Getúlio x Brigadeiro, Carlos Lacerda x Samuel Wainer, Adhemar x Jânio, Collor x Lula, os Bias Fortes contra os Andradas, chimangos x maragatos (com direito a guerra civil), Tancredo x Magalhães Pinto, Bornhausen x Ramos. Mas a guerra partidária de agora não é apaixonante: é apenas chata. Pelo que se lê nas redes sociais, a Rede Globo, por exemplo, é simultaneamente uma grande adversária do governo e uma grande adversária da oposição ao governo. Distorce as notícias para prejudicar o governo, distorce as notícias para prejudicar a oposição. Este colunista é acusado, nos comentários a suas colunas, de ser simultaneamente petista e antipetista, quando é apenas jornalista. E, como Groucho Marx, jamais entraria num partido que o aceitasse como filiado.

O último lance da Gente Chata aconteceu recentemente, quando William Bonner, o ótimo apresentador do Jornal Nacional, que foi amplamente demonizado porque fez à candidata Dilma Rousseff as perguntas que deveria ter feito, recebeu da Rede Globo o Troféu Mario Lago 2014, entregue no Domingão do Faustão pela esplêndida Fernanda Montenegro.

Mário Lago, ator e autor de primeira linha, compositor de alguns dos maiores clássicos da música brasileira – Ai que saudades da Amélia,Atire a primeira pedra, Nada além, Aurora –, ator de rádio, cinema e televisão, militante comunista, militante do PT (participou, como um dos âncoras, da primeira campanha presidencial de Lula, em 1989), gênio da comunicação. Esteve na primeira lista de cassações em 1964 e perdeu o emprego na Rádio Nacional, estatal. E onde é que foi acolhido? Onde é que trabalhava, nos últimos anos, fazendo sucesso na TV? Exatamente: na Rede Globo.

Pois bem: uma das filhas de Mário Lago, Graça, declarou-se “enojada” com a entrega do prêmio a Bonner. OK, sua opinião. Teve apoio de toda a banda de música engajada da internet, que não gosta da Globo nem de Bonner – e tem todo o direito de gostar ou desgostar de quem quiser, até por motivos partidários, mas não precisa ser chata. Todos esqueceram, a propósito, inclusive a enojada Graça Lago, que Mário Lago deixou cinco filhos. Uma, Graça, foi contra o prêmio. E os outros quatro?

Citando o próprio Bonner, no programa em que recebeu o prêmio: “Os partidos políticos se instrumentalizaram com robôs [de internet] que estão ali para insultar outros partidos e insultar a imprensa, que faz apenas o seu trabalho. A intolerância política e ideológica que nós experimentamos neste ano foi muito ruim e ela esteve muito presente em redes sociais”.

 

A falta que eles nos fazem

A propósito da queixa da advogada Emília Soares de Souza, que comprou uma geladeira Samsung que veio com defeito e que não consegue obrigar nem a empresa nem os vendedores a honrar a garantia, a leitora Liliane Rotenberg reclama (e com razão) da qualidade da maior parte das colunas de defesa do consumidor hoje publicadas na imprensa. Já houve uma coluna ótima, no Estadão, na época de Cecília Thompson; há ainda uma boa seção de reclamações no caderno de Veículos da Folha, aos domingos. Mas é pouco. “O mais irritante”, diz a leitora, “é que o leitor reclama de algo e a resposta da empresa responsável é sempre vaga.” Como, por exemplo, “a situação relatada pelo cliente já foi completamente regularizada”. Foi mesmo? Houve verificação por parte do jornal? Que significa exatamente o “regularizada”? Os prejuízos causados ao consumidor pela demora no atendimento e pela falta de uso do equipamento comprado, pago e inativo serão compensados?

Não é simples curiosidade, não – embora o consumidor de informação tenha direito a esclarecimentos completos. Mas é preciso saber como é que a empresa atende aos clientes que reclamam para saber se é ou não preciso cortá-la de nossa lista de eventuais fornecedores. A função das colunas de reclamações e de defesa do consumidor não é quebrar o galho de quem recorre a elas: é mostrar aos demais leitores quem cumpre seus compromissos, quem os cumpre só pressionado e quem jamais os cumpre.

 

Como…

De um grande portal noticioso, ligado a importante grupo jornalístico:

** “(…) não havia ninguém com a jovem quando ela morreu”

Considerando-se que a jovem foi assassinada, onde estava o assassino no momento do crime?

 

…é…

De um importante jornal econômico, impresso:

** “Os investimentos da mineradora brasileira também serão menores ao longo dos anos. Em 2011, por exemplo, a Vale investiu US$ 16,3 bilhões. Neste ano, a estimativa é de US$ 12 bilhões. Em 2010, cairá para US$ 10,2 bilhões. Em 2019, a estimativa é de investir US$ 4,9 bilhões”.

Considerando-se as datas indicadas, em que ano estamos?

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso, ligado a forte grupo de comunicação:

** “Atacante que imitou porco conta que foi intimado por torcida palmeirense”

Está no título, está no texto, está na chamada de primeira página. Terá a torcida palmeirense recebido poderes para intimar jogadores adversários?

Negativo: provavelmente queriam dizer “intimidado”.

 

Hem?

Textos vagamente estranhos recolhidos nos meios de comunicação:

** “Muita gente usando cabo de vassoura pra trolar o pau do selfie”

** “Feiras fazem cem anos em SP; feirante há 50 mamava e dormia em caixote”

** “Feiras de São Paulo reúnem milhões, alguns desde bebês”

 

Última…

Da seção de Esportes de um grande jornal, que costuma tratar concordâncias, regências e texto com os recursos que notabilizaram Felipe Melo:

** “Ainda cabe recurso a Renzo”

Traduzindo, Renzo ainda pode recorrer.

 

…flor…

De um jornal impresso de boa circulação, noticiando o acidente com a repórter Glória Maria:

** “(…) Glória estaria ao volante de um Tucson preto blindado (…) que, de acordo com a Polícia, a pertence”.

“A pertence” deve ser algo parecido com “lhe pertence”, só que errado.

 

…do Lácio

Da versão on-line de um grande jornal, que já se orgulhou do texto impecável:

** “Justiça requere ‘fatos’ sobre dissolução de cartel”.

“Requere”. Talvez quisessem dizer “requer”. Talvez quereriam requere mesmo.

 

Frases

>> Do internauta P. Faustini: “Chega de intermediários: Renan Calheiros para presidente da Petrobras.”

>> Do jornalista Fernando Albrecht, citando um provérbio alemão: “Um quilo de ouro pesa mais que uma tonelada de Direito.”

>> Do jornalista Sandro Vaia: “Acontece que Dilma consultou Janot e o que sobrou foi isso mesmo.”

>> Do internauta Jaques Sobretudo Gersgorin: “Se muita coisa do passado ainda nos surpreende, imagine as coisas do futuro.”

>> Do jornalista Alex Solnik: “Com um Ministério como esse, quem precisa de oposição?”

>> Do jornalista James Akel: “É a primeira vez que um ministério vai precisar de habeas corpus para tomar posse.”

 

E eu com isso?

Sustentabilidade? Então, tá. Se essas notícias saem no papel, há árvores a derrubar, troncos a moer, água para misturar com a serragem, produtos químicos que transformam a madeira em celulose (e espalham um cheiro horroroso na vizinhança). A celulose vira papel e é transportada em caminhões que emitem poluentes até o local da impressão. Gasta-se então energia para mover as máquinas, os exemplares vão para caminhões que, novamente, emitirão poluentes. Se for no virtual, o impacto ambiental é menor. Mas mesmo assim o processamento da informação exige energia elétrica (hoje, no Brasil, há muitas usinas poluentes).

E só então o consumidor de informação ficará conhecendo os fatos que são realmente importantes:

** “Roberta Miranda publica foto de biquíni e recebe elogios”

** “George Clooney é flagrado em Cabo de San Lucas com a mulher”

** “Bundchen, Hickmann e Ambrósio fazem ioga na praia”

** “William e Kate vão à missa com a rainha”

** “Marco Pigossi e Otaviano Costa fazem careta em selfie”

** “Idris Elba ama o Facetime”

** “Isis Valverde curte as belezas de Minas com Uriel”

** “Quando quer fugir do estresse, Liam Neeson vai pescar”

** “Luiza Valdetaro se diverte em férias na Disney”

** “Kim Kardashian não poderá mais engravidar”

** “Angélica e Luciano Huck jantam com os filhos no Rio”

** “Foto de 1926 mostra casal com ‘pau de selfie’”

** “Gloria Pires curte jacuzzi com toda a família em hotel nos EUA”

** “Britânica rompe silêncio: ‘Eu sou o sol dos Teletubbies’”

** “Borat de Amor & Sexo tem 106 cm de bumbum”

 

O grande título

Fim de ano, e apesar dos jornais fininhos a safra de títulos é ótima. Temos até manchetes nonsense de primeira qualidade:

** “A partir de 2015, gays poderão doar sangue um ano depois do último contato sexual nos EUA”

E se o contato sexual tiver ocorrido em outro país, doar sangue continuará proibido?

Há aquele título clássico, que imita índio de filme americano:

** “Chico revela obsessão em mistura ficção e autobiografia”

Há um tipo de manchete cada vez mais raro, em que tantos elementos se misturam que fica difícil entendê-lo:

“Final do surfe no Havaí

“Palco do possível título de Medina tem galinha na praia e trânsito de SP”

Outra manchete estilo confusão-erudita:

** “Arapiraca (AL) enfrentou com mandioca queda do fumo”

E o grande titulo, daqueles que permitem uma série de interpretações:

“Joia de R$ 55 mi aciona Justiça por salários e deixa Botafogo”

Talvez o título se refira a algum jogador de futebol. Mas quem, no Botafogo de hoje, poderia ser chamado de “joia”?

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação