No dia 29, mensagens de congratulações pelo Dia do Jornalista. Dizem (mas não é certeza) de que é uma homenagem ao grande José do Patrocínio, um dos líderes da campanha abolicionista. Mas houve também 24 de janeiro, data dedicada ao padroeiro católico do Jornalismo, São Francisco de Sales; e 16 de fevereiro, Dia do Repórter; e 7 de abril, dedicado a Líbero Badaró; ou 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, data escolhida pela ONU; ou 1º de junho, dia da fundação do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, editado em Londres por Hipólito José da Costa.
Talvez Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça seja o patrono ideal da imprensa brasileira: nasceu em território uruguaio (que, na época, era parte do Brasil); tinha, como todo brasileiro deveria ter, o sobrenome Furtado; vítima da censura, foi obrigado a trabalhar fora do país e transportar seu jornal para o porto do Rio nos navios a vela do início do século 19. E, é triste dizer, acabou levando algum do governo para ficar bem mais moderado.
Mas isso é questão de opinião: o fato é que a profissão de jornalista ainda hoje não tem sequer um dia definido, nem um patrono aceito por todos. Até a TV, muito mais recente, tem Santa Clara como padroeira. Já o jornalismo, que nos trouxe as histórias da Suméria e da Babilônia, nos deu a Bíblia, nos narrou a Guerra de Tróia, nos contou a saga de Ulisses e do cão que se lembrou dele, nem se sabe bem o que é. E não se diga que os jornalistas que narraram os primórdios da História escrita jornalistas não são, já que seus relatos misturam fatos, crenças, opiniões, adaptações de antigas histórias, eventos que não presenciaram. Basta ler um texto sobre um assunto de que se entenda para descobrir que esses antigos vícios permanecem até hoje. E como o pessoal das antiquíssimas gerações escrevia bem!
Há quem conteste até a mais precisa definição profissional, de que jornalista é aquele que recolhe os fatos e os transfere de forma inteligível aos consumidores de informação. Para estes, nenhuma definição é mais completa do que uma ampla, caríssima, vistosa, múltipla variedade de diplomas nas mais diversas línguas.
Mas, enfim, há um fator essencial ao jornalismo: o exercício da liberdade de expressão. Líbero Badaró foi assassinado por sua oposição ao imperador D. Pedro 1º. Ao cair, vítima de tiros de bacamarte, teve tempo de dizer: “Morre um liberal, mas não morre a liberdade”. Se não o disse, o repórter que registrou o fato criou uma belíssima frase. A Província de S. Paulo (hoje O Estado de S.Paulo) e o Diário Popular (hoje Diário de S. Paulo) nasceram para lutar pela abolição da escravatura e pela proclamação da República. Por discordar da ditadura de Getúlio Vargas, Júlio de Mesquita Filho e boa parte da família tiveram de buscar asilo na Europa. Samuel Wainer, que tinha montado um império jornalístico espalhado pelo país, perdeu tudo ao defender o presidente João Goulart, deposto, e teve de se exilar. Carlos Lacerda se opôs a Getúlio Vargas (em seu mandato de presidente constitucional) e foi baleado.
É difícil entender como jornalistas podem se opor à liberdade de expressão; mas isso continua existindo, sob os mais variados pretextos, evitando-se ao máximo usar a palavra “censura”, politicamente incorreta. É difícil de entender; mas sempre houve jornalistas dispostos a defender sua própria liberdade de expressão e a censura rigorosa aos colegas que se opusessem à sua verdade.
Outros patronos do jornalismo já mostravam facetas diversas da profissão. José do Patrocínio, vítima da pressão do governo, não pôde continuar na imprensa, já que não lhe permitiam defender suas ideias. Seu jornal foi fechado e o marechal Floriano Peixoto o exilou no Alto Rio Negro, num lugar até hoje de difícil acesso. Ao morrer de tuberculose, seu maior interesse era a nova fronteira do conhecimento, a aviação (a primeira hemoptise, o sinal de que estava condenado à morte, surgiu exatamente quando discursava em homenagem a Santos Dumont). Hipólito José da Costa era um personagem mais complexo: viajou para a Inglaterra a serviço do governo português, lá editou um jornal de oposição, alguns anos depois fez um acordo (ah, Jornalismo, quanto o presente se parece com o passado!) com o governo de Portugal, que em troca de sua moderação compraria um bom número de exemplares de cada edição, e acabou sendo nomeado cônsul do Brasil em Londres. Morreu antes de assumir.
Enfim, todo dia é Dia do Jornalista. Sempre que há uma reviravolta autoritária no país, os ditadores de plantão dedicam o primeiro dia de sua gestão aos jornalistas: nunca lhes falta uma grande lista de profissionais para perseguir, prender, exilar e matar.
Nós no meio
Notícia é aquilo que alguém não quer ver publicado.
Por isso jornalista não ganha nenhum concurso de popularidade. Na atual safra de protestos, cinco jornalistas já foram atingidos pela Polícia Militar e um foi agredido pelos black-blocs que queriam depredar um monumento perto do Parque Ibirapuera. Cinco a um, certo; mas quem disparou o rojão que matou um jornalista foram os black-blocs. Este é um problema sério: atingir jornalistas (e de propósito, como parece) é o fim do mundo.
Papel aceita tudo 1
Na cobertura do caso do promotor federal argentino Alberto Nisman, que investigava os atentados que há vinte anos mataram 85 pessoas em Buenos Aires, foi várias vezes divulgado que ele seria cremado no cemitério judaico. Falha de informação: em cemitérios judaicos não há cremação. E, efetivamente, Alberto Nisman foi enterrado – perto das vítimas do atentado, longe da área destinada aos suicidas. Para as autoridades religiosas, a tese do suicídio do promotor está afastada. É o mesmo que aconteceu no Brasil, no caso do assassínio de Vladimir Herzog: a posição das autoridades religiosas foi de firme negativa das teses de interesse dos governantes.
Papel aceita tudo 2
Esperar que o balanço da Petrobras trouxesse informações precisas sobre prejuízos causados por desvios de recursos? Difícil: isso exigiria que alguém quantificasse quais foram os prejuízos. E como fazê-lo sem revelar o conhecimento profundo das entranhas do monstro?
Deve haver alguma fórmula de estimar aproximadamente esse tipo de prejuízo, mas sem garantia de exatidão. Frase de um antigo executivo do mercado financeiro, dita a esta coluna: “É simplesmente impossível fazer um ajuste preciso em função dos sucessivos malfeitos praticados nos últimos anos. Rever contratos desde a aquisição de papel higiênico a plataformas e eliminar os impactos das irregularidades praticadas é mais difícil do que limpar as estrebarias do rei Áugias. Haja Hércules! Como identificar superfaturamentos com precisão, como corrigir depreciações de ativos inflados e seu impacto na conta de resultados e no recolhimento de tributos?”
É provável que o relacionamento com os acionistas se resolva por acordos diversos. E não se pode esquecer o pensamento de Jean Paul Getty: o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada. O segundo melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo mal administrada. A Petrobras sem dúvida voltará à sua posição habitual, mais dia menos dia, e problemas que hoje parecem praticamente insolúveis serão bem mais fáceis de resolver.
Respirando
Neponotícia: é nepotismo mesmo, já que o diretor da galeria Gravura Brasileira é Eduardo Besen, meu sobrinho (e é nepotismo justo, já que tem feito um excelente trabalho). No dia 7/2, das 11h às 14h, abre-se a exposição Entre o brilho da pele e o esforço do amor, de Sandra Lapage e Carlos Pilaggi. A exposição foi desenvolvida em residência artística na NARS Foundation, em Nova York, no segundo semestre de 2014. Entrada grátis. Na Galeria Gravura Brasileira, Rua Dr. Franco da Rocha, 61, EM São Paulo.
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional, que já se orgulhou da qualidade de seu texto:
** “(…) em razão do mal tempo na Costa Leste (…)”
Retornemos à velha lição: o contrário de bom é mau; o contrário de bem é mal. Não é tão difícil assim, é?
…é…
Do mesmo grande jornal impresso:
** “O promotor Nisman será sepultado perto das jazidas das vítimas do atentado (…)”
Antigamente, havia dicionários que ensinavam a diferença entre jazigos e jazidas. Hoje é mais fácil: há dicionários virtuais no próprio computador.
…mesmo?
Também de um grande jornal impresso, de ampla circulação:
** “A estratégia vai de encontro à utilizada pelos advogados de outros executivos (…)”
Pois é. Mas, lendo o texto, não é bem assim: a estratégia é a mesma dos advogados dos outros executivos. Portanto, vai “ao encontro”. Ir “de encontro” é discordar. Nada muito grave, apenas o contrário.
As não notícias
A ideia, originalmente, não era ruim: em vez de o repórter transformar qualquer suspeito em criminoso, passou a usar a expressão “suspeito”, ou “acusado”, ou coisa parecida. Acabou virando muleta:
** “Policial suspeito de matar surfista também é acusado de torturar outro jovem”
O “suspeito” é matador confesso, estava com a arma do crime, contou tudo. E o próprio texto discorda da suspeição: “o soldado da PM que esta semana matou, com dois tiros, o surfista (…)” Suspeito? Então, tá.
** “No ano passado, o mesmo PM teria agredido e ameaçado de morte outro rapaz”
Houve um ano para investigar o caso e fazer a reportagem, e ainda não se sabe se agrediu ou não, se ameaçou de morte ou não?
** “Refém japonês do Estado Islâmico supostamente diz que tem ‘apenas mais 24 horas’ para viver”
Afinal de contas, disse ou não disse?
Frases
>> Do jornalista Sandro Vaia: “A Academia Sueca está em dúvida entre conceder o Prêmio Nobel de ficção ao discurso de Dilma na reunião ministerial ou ao balanço da Petrobras.”
>> Do tuiteiro Carlos Cunha: “Incrível a vaca continuar tossindo. Nesse Governo o que não falta é xarope.”
>> Do senador Cristovam Buarque, do PDT de Brasília: “Geraldo Alckmin é a primeira pessoa que se afogará na falta de água.”
>> Do tuiteiro Daniel Guth: “Em tempos de pau de selfie, a frase ‘pega no meu pau e bate uma pra mim’ é politicamente aceitável.”
>> Do deputado federal Onyx Lorenzoni, DEM gaúcho, louvando o desempenho de seu partido, que elegeu um único deputado federal (ele mesmo) numa bancada de 30: “Submetido a uma situação de estresse, o DEM sai fortalecido.”
>> Do jornalista Palmério Dória: “Sinal dos tempos de Alckmin: a Musa do Verão paulistano é a Crise Hídrica.”
>> Da tuiteira Gabriela Valente, comentando os problemas da Petrobras: “Com 88 bilhões, dava para reabastecer a Cantareira com água Perrier.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Protestam na avenida Paulista por 50 centavos: hummm, engraçado, achei que era pelos 88 bi roubados da Petrobras.”
>> Do jornalista Alex Solnik: “Previsão do tempo no sistema Cantareira: pode não chover a qualquer momento.”
E eu com isso?
Seca (desculpe, estresse hídrico)? Falta de energia (desculpe, restrição geracional)? Promessas não cumpridas (desculpe, prazos deslizados para a frente)? Recursos não-contabilizados? (desculpe, isso é do escândalo anterior).
Esqueça: se você, caro leitor, acha que aquele é o mundo real, puxe uma conversa com seus vizinhos e amigos. Vão dizer o habitual sobre seca, promessas, falta de luz (algo como “tudo ladrão”, “só pensam neles”, “se cortar o salário dos deputados vai sobrar dinheiro”), e chega. Agora comente o mundo mágico do frufru: a conversa vai fluir fácil, informações serão trocadas, novas amizades surgirão de uma hora para outra:
** “Livian Aragão capricha na maquiagem”
** “Courtney Love vai com a filha à estreia em festival”
** “Viviane Araújo participa de ensaio na quadra”
** “Kate Hudson ousa em look em desfile Versace”
** “Daniela Mercury e Malu Verçosa dividem as mesmas roupas”
** “Selena Gomez tem encontro romântico com namorado”
** “Namorados, Lorena Bueri e Diego Cristo trocam declarações de amor”
** “Jennifer Lopez é flagrada sem maquiagem nas ruas de Nova York”
** “Taylor Swift mostra foto rara de biquíni”
** “Paula Cassim ensina a reconquistar o ex sem apelar para a macumba”
** “Justin Bieber se diverte com Hailey Baldwin em sua casa”
** “Juliana Alves, musa da Tijuca, faz ensaio especial”
** “Ruth Wilson não confirma suposta relação com Jake Gyllenhaal”
** “Carol Celico mostra local do primeiro encontro com Kaká”
** “Beckham diz que filha caçula o chama de ‘gordinho’”
O grande título
A seca (desculpe, a retração pluviométrica) talvez seja a responsável por títulos mais picantes do que o habitual. Dois são ótimos:
** “Famosas chupam pirulito com planta proibida para emagrecer”
Um deles, notável:
** “Placas proíbem sexo em rua de Ponta Grossa”
Nas avenidas, será permitido?
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados