Há insultos e agressões em lugares públicos e nos meios de comunicação, o ex-presidente Lula disse que o MST é um exército que pode ir às ruas, há manifestações marcadas para daqui a menos de duas semanas pelo impeachment da presidente, as provocações se sucedem. Muito bem: quem está se movimentando e em que sentido?
É fácil e cômodo, para os meios de comunicação, decretar que os grupos mais radicais se movem independentemente das forças políticas. Caso isso fosse verdade, teriam menos força, seriam capazes apenas de promover agitações pontuais, nada mais sério, e não haveria líderes de peso com quem conversar. Mas, se esses grupos não têm ligação com dirigentes políticos, como explicar a declaração de Lula sobre “o exército do Stédile”? Como explicar as seguidas atitudes do prefeito petista de São Paulo, Fernando Haddad, entregando boa parte do programa habitacional da cidade ao MTST, Movimento dos Trabalhadores sem Teto, de Guilherme Boulos?
O comando de uma parte do programa habitacional permite ao MTST trabalhar com candidatos à casa própria absolutamente obedientes a seu comando: ganha mais pontos, e melhora sua posição na planilha, quem for a mais manifestações e passeatas.
Enfim, é uma questão a ser discutida pelos meios de comunicação. Quem é quem, quem tem o comando, quais suas tendências políticas; qual a posição de seus adversários, e que providências pretendem tomar para não ser sufocados por manifestações do outro lado. A propósito, quem comanda os adversários? Quais suas tendências? Que é que pensam?
Houve época em que os meios de comunicação informavam seus consumidores dos nomes, posições e atividades de todos os políticos envolvidos com o ativismo e, o que então era importante, dos militares em posição de comando, ou com liderança entre seus pares. Não havia Google, não havia internet, as comunicações eram extremamente difíceis (falar de São Paulo com Porto Alegre por telefone exigia demora mínima de 24 horas), trabalhar com arquivos era bem mais complicado do que hoje, mas as informações e análises eram abundantes. Nas duas ocasiões em que militares da Aeronáutica tentaram depor o presidente Juscelino Kubitschek, sabia-se quem era quem e o que pensava cada um dos insurgentes; e a decisão do presidente Juscelino, após vencer os revoltosos, de anistiá-los, foi amplamente exposta e esclarecida.
Falta muita coisa no noticiário de hoje. Por onde anda José Rainha, por exemplo? Sabe-se que o comando absoluto do MST é exercido por João Pedro Stédile, mas Rainha acabou, lidera uma dissidência, comanda uma parte do movimento? Os black-blocs têm alguma ligação com os movimentos dos sem-terra e dos sem-teto ou atuam em outra faixa? E o Movimento Passe Livre, é de alguma forma ligado a esses outros movimentos? Caso não seja, aceita trabalhar em conjunto com algum deles, mesmo apenas eventualmente, ou faz questão de movimentar-se com independência?
Num momento de tensão, como este, é importante que o público tenha uma noção clara de perfis, posições, capacidade de mobilização. E há repórteres totalmente capazes de, sem tomar partido, fazer um quem é quem.
O carro na represa
A carcaça de um carro abandonado numa das represas do sistema Cantareira, em São Paulo, serviu como indicador do nível de água. Nas primeiras fotos, estava em solo rachado, seco; nas fotos de alguns dias depois, já estava parcialmente encoberta por um fundinho de água na represa.
Houve quem lembrasse (inclusive esta coluna) que se perdeu a oportunidade de remover esse tipo de lixo da represa, aproveitando a seca.
Mas foi um repórter fuçador, João Bussab, que mesmo aposentado sempre está em busca da notícia, que levantou a questão mais importante: a quem pertence a carcaça abandonada na represa? No tempo da TV a lenha, alguns lendários chefes de reportagem e pauteiros quebravam a cabeça para encontrar o ângulo que faria com que seu veículo se diferenciasse dos concorrentes. Um exemplo, lembrado por Bussab: descobrir modelo, marca e número de chassi, pesquisar no Detran e outros órgãos policiais, especializados em localizar carros desaparecidos, e identificar o proprietário. Podia não dar em nada; mas podia ser um carro roubado. Poderia estar num cenário de homicídio. Quantas vezes já não fomos informados de que alguém foi assassinado, posto no carro e levado para uma represa? Mesmo depois de muito tempo submersa, a carcaça pode guardar indícios que bons policiais e peritos sabem ler.
Pode ser tudo, pode não ser nada. Mas valeria algum esforço. A propósito de uma investigação, os repórteres poderiam fazê-la. E a polícia deveria.
Gugu, lição de entrevista
As chamadas foram cansativas, demoradas. Mas a entrevista de Gugu Liberato com Suzane von Richthofen, mandante do assassínio de seus pais, foi uma beleza. Gugu, estreando seu novo programa (e batendo a Globo em audiência durante um bom período) não gritou, não pressionou, não foi indelicado em nenhum momento; nem esqueceu que tinha à frente uma assassina, e tratou-a com frieza e profissionalismo. Soube extrair de Suzane histórias que até hoje ela não havia contado. E conduziu com precisão um tema delicado, o relacionamento entre Suzane e Sandra. Não houve baixaria, não houve nada exceto bom jornalismo. Gugu provou que não é preciso brigar com o entrevistado. Basta criar condições para que ele se revele.
E a história de que a Rede Record não deveria dar espaço para esse tipo de matéria não se sustenta: A Sangue Frio, obra-prima de Truman Capote, conta a história de assassinos de quatro pessoas da mesma família. E, se formos mais longe, a Odisseia,de Homero,é a história de Menelau, rei de Esparta, que, para vingar os chifres que levou de sua belíssima esposa Helena, promove uma guerra de dez anos, para a qual mobiliza uma esquadra de mil navios. Alguém dirá que a Odisseia é uma história de baixo nível?
Foi um belo trabalho, uma excelente entrevista – e mostrou como pensa, doze anos depois de planejar e participar do assassínio de seus pais, a protagonista do drama. Uma grande história, muito bem contada.
É fantástico
Há uma frase de Suzane von Richthofen em sua entrevista a Gugu que merece ser lembrada: lamenta que, ao contrário das demais detentas, não recebe a visita dos pais – a quem mandou assassinar – na prisão.
Como…
De uma coluna de grande prestígio, publicada num portal noticioso dos mais importantes, sobre os adversários de Eduardo Cunha, que venceu as eleições para a Presidência da Câmara:
** “(…) Falta-lhes o prestigio e os meios necessárias ao restabelecimento das conecções (…)”
Este colunista é o tempo em que “prestígio” e “meios” eram masculinos. E em que “conecções” certamente se escrevia de outra maneira.
…é…
De um portal de notícias ligado a um grande grupo de comunicação:
** “Uma criança de dois anos foi jogada do 12º andar de um prédio (…) Ainda não há informações sobre a causa da morte da criança”.
Alguém imaginou que a queda pode ter sido a causa mortis?
…mesmo?
De uma grande rede de TV:
** “Dois milhões de pessoas estão nas ruas do Recife, no Galo da Madrugada”
Beleza! Só que a população inteira do Recife é de 1,6 milhão de pessoas. Isso inclui bebês, velhinhos, doentes, pessoas que dificilmente estariam pulando num bloco, e gente que não gosta de carnaval. Turistas? Sim – digamos que pelo menos 500 mil pessoas precisariam ter chegado ao Recife para o Galo da Madrugada, inteirando os dois milhões. Qual foi o meio de transporte para tamanha multidão? E onde se hospedaram?
A mania pegou: na Avenida Paulista, SP, onde caberiam no máximo 600 mil pessoas, se não houvesse nada nas calçadas, sempre dizem que há dois milhões. Vai ver que é um número bonito.
Frases
>> Do cineasta Zelito Vianna, explicando sua mudança do elegantíssimo bairro carioca do Cosme Velho para Ipanema: “Os bandidos venceram.”
>> Do jornalista Palmério Dória: “A Folha é uma Veja que se imagina Washington Post.”
>> Do jornalista Jarbas de Barros Domingues: “Tem gente que dá tapinha nas costas só pra ver onde a faca entra mais fácil.”
>> Do jornalista Sandro Vaia: “A prisão de um líder opositor é problema interno da Venezuela. A condenação de um traficante pela Indonésia é problema da Dilma.”
>> Do ex-ministro Delfim Netto: “Os empresários acham que Dilma é comunista e Dilma acha que os empresários são uns ladrões gananciosos. Nenhum dos dois está certo.”
>> Do jornalista Fred Navarro: “Dilma disse que não aumentou o preço dos combustíveis. Quando a coisa sai de controle, até os preços aumentam sozinhos.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Juiz que anda com Vale TransPorsche está transitando em julgado?”
>> Do internauta Wagner Homem: ”Usar o Porsche do Eike é fácil. Difícil é usar o Ray Ban do Cerveró.”
>> Do internauta Uatá Lima: “Suzane Richthofen defendendo a importância da família. Lula discursa no ato em defesa da Petrobras. Tá difícil.”
E eu com isso?
É verdade: não temos nada com isso. Mas bem que gostaríamos de ter: passear com a família na praia, escolher o figurino para embarcar em belas viagens de férias, namorar muito, ir a bons restaurantes e a belas festas, ser íntimo de gente importante (e, conforme o caso, muito íntimo). Ê, vida boa!
** “Filho de William Bonner e Fátima beija namorada durante passeio em família”
** “Kylie Jenner quer comprar mansão de US$ 2,7 milhões”
** “Fiuk vai à festa do meio-irmão após antigas farpas com Mari Alexandre”
** “Florinda Meza desembarca em São Paulo”
** “Ex de Paolla Oliveira sai de casa e busca apartamento perto da Globo”
** “Celebridades curtem festas pós-Oscar nos Estados Unidos”
** “Belo e Gracyanne Barbosa posam de roupão”
** “Casaco de pele da filha de Kim Kardashian custa R$ 14 mil e foi feito sob medida”
** “Cássio Reis não desgruda do celular durante passeio com o filho”
** “Ben Harper agora é um homem casado”
** “Jaque Khury enche o filho de beijos dentro da piscina”
** “James Franco já deu em cima de Selena Gomez”
** “Bruno Gagliasso tira a camisa e exibe boa forma durante gravações de Babilônia”
** “Ryan Gosling não gosta da comida de Eva Mendes”
** “Jennifer Lawrence passeia com seu cachorrinho mesmo na neve”
O grande título
Há nesta semana uma boa colheita de manchetes raras. Não é que estejam erradas; mas, do jeito como aparecem, ficam meio esquisitas. A primeira:
** “Mulher morre em voo e avião pousa em Confins”
A segunda, no mesmo estilo:
** “Rapaz surdo é morto com o jantar para a namorada em mãos”
E o grande título, daqueles bons mesmo:
** “Política de uma roda só”
A matéria trata de bicicletas. Cujo nome, a propósito, significa “duas rodas”.
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação