Um grande jornal informa que um ex-ministro não tinha sido intimado para depor na Operação Lava Jato porque estava desaparecido. Há um sutil subentendido: a de que, para evitar a intimação, o ex-ministro se escondera.
Só que não. O ex-ministro, tão logo se informou que seria intimado, conversou com uma repórter do mesmo jornal, que não teve a menor dificuldade em localizá-lo. Ele informou a ela que estava em Brasília, no seu apartamento funcional, e que ainda não tinha sido notificado da intimação.
E de onde surgiu a história de que estava desaparecido e não tinha sido localizado? O jornal deu a seguinte e notável explicação: a repórter que o tinha encontrado trabalha na Sucursal de Brasília, mas não foi a Sucursal que elaborou a matéria. Quem a fez foi o correspondente do jornal em Curitiba, que não sabia que Brasília já havia falado com o ex-ministro, e por isso deduziu que, já que ele não o encontrara, é porque estava desaparecido. Como diria o Pelé, entendje?
Acredite, caro colega, mas quando este colunista começou a trabalhar havia nos jornais uma pessoa responsável pelo noticiário: o editor, ou subsecretário. As informações passavam por ele, evitando que aquilo que pagamos pensando ser um jornal fosse apenas um amontoado de retalhos de notícias descoordenadas. A explicação de que Brasília sabia e Curitiba não, e que a matéria publicada foi exatamente a de quem não sabia, é inaceitável. Não existe conversa com um repórter: conversa-se com um representante do jornal. Informação transmitida ao repórter é, sem dúvida, informação transmitida ao meio de comunicação. E não se pode jogar no lixo a reputação de uma pessoa por conta da desorganização interna do jornal.
Imaginemos uma situação semelhante. Seu carro novinho não tem freios e bate assim que sai da concessionária e entra na rua. A fabricante explica que o funcionário que estava encarregado de montar os freios tinha ido tomar um copo d’água na hora da montagem e que o outro, que ocupou seu lugar, nem sabia que ali era preciso colocar freios, o caro consumidor que nos desculpe o incômodo. Que é que a imprensa diria se ocorresse um caso como este?
E não é o único caso. Numa dessas operações da Polícia Federal, uma empresa comercial foi catalogada como empreiteira. Nenhum problema: para a empresa, tanto faz. Mas para a informação correta há problemas, sim. Empreita é empreita, comércio é comércio. Uma empreiteira não faz câmbio, um banco não constrói uma ponte, uma olaria não faz pão, uma padaria não produz iates de alto luxo. O detalhe é que, desde o início da operação, os meios de comunicação insistem em afirmar que a empresa comercial é empreiteira, embora empreiteira não seja, embora todos já tenham recebido a informação correta. Nenhum, aliás, duvidou da correção da informação, tanto que não mandou verificá-la; apenas a ignorou, como se não existisse, ou como se essa história de precisão fosse só frescura.
Outro caso extremamente comum é o falso “ninguém da empresa foi localizado”. Há várias maneiras de chegar à informação inverídica, desde a incapacidade de achar um telefone até a deliberada distorção da verdade. Por exemplo, telefona-se a uma empresa depois do horário comercial, com os escritórios já fechados. Atende o vigia e anota o recado, que entregará no dia seguinte. E já sai no jornal que “uma pessoa, dizendo-se vigia, atendeu ao telefone e prometeu informar os responsáveis. Até o horário do fechamento desta edição, a empresa não havia retornado o telefonema”.
Vem então a pergunta (com múltiplas respostas possíveis): por quê? Preguiça, eventualmente. Ou, comentam alguns, até má-fé, para agradar a quem faz as acusações e odiaria vê-las refutadas na mesma edição. Talvez.
Dúvidas, dúvidas…
Dilma foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras durante muito tempo, de 2003 a 2010 – na época, por exemplo, da compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Foi substituída no posto pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que se manteve até há poucos dias.
Deve ser um cargo importante, a julgar pelo pagamento: cada conselheiro da Petrobras recebe, por reunião, R$ 8.246,00 (Itaipu paga ainda melhor: R$ 19,1 mil). Não estaria na hora de fazer uma boa reportagem, mostrando exatamente quais as atribuições e responsabilidades, inclusive no âmbito criminal, dos membros do Conselho e de seu presidente? A CVM, Comissão de Valores Mobiliários, pode ser uma excelente fonte de informações.
Não é segredo que empresas estatais federais e estaduais costumam abrigar políticos que perderam eleições e reforçam seu orçamento com os jetons dos conselhos, sem precisar cumprir horário e aproveitando o tempo livre, pago pela estatal, para fazer política.
Uma reportagem desse tipo seria ótima para garantir a transparência do funcionamento das empresas estatais. Afinal de contas, a atuação dos conselhos de administração é importante (e, nesse caso, como explicar a nomeação de pessoas absolutamente alheias à vida empresarial?) ou não é (e, nesse caso, como justificar os gastos com sua manutenção?)
Não é pouca coisa: em 2012, Dimmi Amora levantou para a Folha de S.Paulo o montante dos jetons de 93 empresas estatais controladas pelo governo federal. Era algo como R$ 1,2 milhão por mês. Muito dinheiro para que, na hora em que se descobre alguma irregularidade, ninguém tenha nada com isso e aliás nem saiba como é que pode ter ocorrido.
…e mais dúvidas
Outro bom tema é a abrangência dos ministérios e das secretarias estaduais. No caso do cartel do metrô e dos trens metropolitanos de São Paulo, há até hoje a tentativa de culpar uma só pessoa por todas as irregularidades: o hoje ministro do Tribunal de Contas do Estado Robson Marinho. Primeiro, pode-se dar como certo que num bom caso de corrupção não há um só envolvido: é preciso ter uma série de cúmplices para que a roubalheira se torne viável. Segundo, porque existe em todo o governo uma série de mecanismos para evitar que servidores mal-intencionados assaltem o Erário. Qual o papel dos secretários de Estado na busca da eficiência e do menor preço? Se houve problemas nos contratos, não será o caso de se perguntar ao secretário da Justiça por que ocorreram as falhas? As coisas correm, no entanto, como se tudo estivesse nos eixos porque houve a descoberta de um único corrupto.
Alô, pauteiros! Que tal entrar um pouco mais fundo para descobrir quem é quem, quem faz o que e quem deveria fazer algo e não o faz?
Os jogos da paz
O maior evento esportivo do mundo, em número de atletas, é a Olimpíada. O segundo, os Jogos Mundiais Universitários. O terceiro está neste livro: a Macabíada. O evento reúne em Israel atletas de 70 países (só do Brasil, mais de 500), a cada quatro anos; e é o tema do livro do fotógrafo Sérgio Schvaicer e do escritor e cineasta Márcio Pitliuk, Macabíadas, os Jogos da Paz. O objetivo dos autores é documentar a participação dos brasileiros nos Jogos; mas se amplia para contar a história das Macabíadas desde sua primeira edição, em 1932, dezesseis anos antes da criação de Israel. As fotos mostram os atletas em cenários impressionantes: mares, desertos, montanhas, ruínas de cidades milenares, cidades de arquitetura moderníssima.
Schvaicer e Pitliuk promovem a noite de autógrafos na quinta-feira (19/3), das 20 às 23h, na Hebraica de São Paulo: Rua Hungria, 1.000.
Sábato, não dá pra não ler
Um grande intelectual, com interesses nas mais diversas áreas (e conhecedor de teatro como poucos). Um grande jornalista, de belíssimo texto. Educadíssimo, gente fina. Simpático, afável, prestativo. Sempre fez com que nós, os focas – e perto dele quem não era foca? – se sentissem grandes profissionais.
Sábato Magaldi reaparece em grande estilo: numa bela edição do SESC São Paulo, coordenada por sua esposa, a escritora Edla van Steen, é lançado o livroAmor ao Teatro. Não deve ser perdido por quem quer que goste de teatro, de leitura, de cultura. Dia 24/3, no SESC Consolação, Rua Dr. Vila Nova, 245, São Paulo, a partir das 19h.
Como…
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “(…) proporcionando-o uma longa estadia (…)”
Pois é. Antigamente, quando se aprendia regência, seria “proporcionando-lhe”. Ou, eventualmente, “lhe proporcionando”. Proporcionando-o deve ser uma forma moderníssima, tão moderna que só um ou outro a conhecem.
…é…
Título de um jornal regional de internet:
** “Homofobia mata um e uma tentativa em Santo André e outro caso em São Bernardo do Campo”
Embora não tenha sentido, talvez dê para entender. Mas, como ensina Caetano Veloso, talvez não.
…mesmo?
De um portal noticioso da internet:
** “‘Nunca um homem me agarrou nas áreas privadas em público’, diz Dr. Rey”
Há certas frases tão dúbias que mais parecem atos falhos.
Frases
>> Do jornalista Rolf Kuntz: “A inflação exacerbada, tanto quanto o desastre da Petrobras, resulta de um estilo de política.”
>> Do jornalista Sandro Vaia: “Mais um fracasso da oposição: ela quer destruir a Petrobras, mas quem está conseguindo é o governo.”
>> Do então ministro da Fazenda Guido Mantega, em outubro de 2014: “Se alguém apostar na valorização do dólar, vai quebrar a cara. Somos poderosos nessa área.”
>> Do jornalista Ricardo Kotscho: “ Tem alguém investigando quem é o responsável por estes vazamentos seletivos de partes dos processos que corriam sob segredo de Justiça?”
>> Do jornalista Palmério Dória: “Sérgio Motta vivia pedindo que FHC não se apequenasse. Ele nunca atendeu.”
>> Da internauta Bel Malta: “Que porra de partido democrático é esse que não aceita oposição?”
>> Da jornalista Marli Gonçalves: “Dilma diz que Dilma não merece o impeachment.”
>> Do tuiteiro @crywoolf: “O maior programa de distribuição de renda é o Vaia Dilma. É só vaiar que, automaticamente, você passa a fazer parte da elite burguesa!”
>> Do tuiteiro Alex Paim: “A Dilma é a única mulher que conseguiu ser vaiada por homens da construção civil.”
>> Da internauta Walcélia Verardo: “Tenho curtido, compartilhado e escrito tanto amém pra santos e anjos que estou com a impressão de que em algum momento até o impossível vai dar certo.”
E eu com isso?
Vamos lá: o governo que nomeou os diretores que enfiaram a mão na Petrobras promove uma passeata em defesa da Petrobras. No noticiário frufru isso não acontece: aqui as coisas às vezes são mágicas, mas sempre têm sua lógica. As pessoas se encontram, namoram, brigam, passeiam, paparicam os filhos, fazem academia, testam penteados e roupas, lançam moda. E ninguém assalta empresa nenhuma. Fiquemos aqui, pois!
** “Wanessa não dá sal para os filhos e conta com ajuda de mãe e sogra”
** “Reese Whiterspoon nega intenção de abrir hotel”
** “Léo Moura posta selfie e prova que amor e bom gosto não têm nada a ver”
** “Macaulay Culkin fuma cigarro enquanto circula por Nova York”
** “Reynaldo Gianecchini se diverte em Orlando”
** “Miley Cyrus não desgruda do celular durante almoço”
** “Alinne Moraes passeia de mãos dadas com o marido pelas ruas de Ipanema”
** “Taylor Swift está sem tempo para o cinema”
** “Mari Gonzalez passa a tarde cuidando da beleza”
** “Franklin David retoca o bronzeado”
** “Ex-mulher diz que cantor Luciano ‘é muito homem’”
** “Rita Ora aparece com cabelo ‘blonde power’”
** “Gisele Bundchen visita galeria de arte em Nova York”
** “Nicki Minaj ensaia novo clipe com ex-namorado de Jennifer Lopez”
** “De casamento marcado, Roberto Justus e Ana Paula Seibert vão a exposição”
** “Mateus Solano escolhe o nome do 2º filho”
O grande título
Há manchetes caprichadas, nesta semana. Uma delas, por exemplo, reverte uma tendência de várias décadas, de políticos reclamarem que certas notícias que seriam de seu interesse só chegaram a seu conhecimento pela imprensa:
** “Aldo soube depois da imprensa que integraria articulação”
Nem pela imprensa ele soube! Mas o ministro Aldo Rebelo não precisa se preocupar: Dilma até que disse que ele faria parte da articulação política do Governo, mas ele dificilmente enfrentará esse problema. Como é que alguém pode fazer parte de algo que não existe?
E um exemplar notável de como uma manchete pode dizer coisas absolutamente verdadeiras, corretas, mas que não têm nada a ver uma com a outra:
** “Há mais de três décadas na TV, Inezita Barroso morre aos 90 anos”
É tudo verdade. Mas se Inezita não estivesse há mais de três décadas na TV, quantos anos teria?
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação