Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A entrevista de Romário à Folha

A Folha de S.Paulo lavrou um novo tento ao puxar para a capa da edição de segunda-feira (20/6) a entrevista-bomba de Romário [ver abaixo]. O craque-deputado não vacilou, não fez firulas: chutou forte em cima do governo e da CBF ao declarar que “só Jesus Cristo salva a Copa no Brasil”.

A entrevista tornou-se um fato político, seus desdobramentos vão desenrolar na esfera política e mesmo que o PSB, partido de Romário, faça parte da base governista, suas advertências vão sacudir o plenário da Câmara do Deputados e não apenas na bancada da oposição.

A tabelinha Romário-Folha tornou irreversível a transferência do noticiário da Copa para as páginas de escândalos e, se ninguém tomar providências, acabará na seção de polícia.

Antes e depois

Discutir o sigilo em público acaba com o segredo, derruba qualquer embargo noticioso. Setores do governo e o grosso da cartolagem nacional e internacional não queriam que a cidadania acompanhasse o processo de licitação para as obras da Copa, mas como estamos numa democracia, a meia-censura acabou escancarada quando se divulgou a aprovação da medida provisória que determinou o segredo.

Futebol é incompatível com mordaças, Copa do Mundo exige transparência, todos querem assisti-la – antes, durante e depois dos jogos.

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ENTREVISTA / ROMÁRIO

Só Jesus Cristo salva a Copa do Mundo no Brasil

Filipe Coutinho # reproduzido da Folha de S.Paulo, 20/6/2011

 

Só há uma chance de a Copa-2014 acontecer sem obras atrasadas, orçamentos extrapolados e outros problemas: se Jesus Cristo descer no Brasil nos próximos três anos. A conclusão é do ex-jogador e agora deputado Romário (PSB-RJ), autor do convite para que Ricardo Teixeira, presidente da CBF e do COL (Comitê Organizador Local) vá à Câmara dos Deputados explicar as denúncias de cobrança de propina e o aumento do custo dos estádios.

Muitos acreditavam que Romário, por ser ex-jogador da seleção, seria mais um a atuar nos bastidores a favor da CBF na chamada “bancada da bola”, que contou com o apoio do governo para frear a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar Teixeira e a próxima Copa.

Mas Romário avisa: “Não é nada pessoal, mas, se ele [Teixeira] não responder às denúncias, vou manter minha assinatura para abrir uma CPI e trabalhar para que outros deputados assinem”.

Para o deputado, surge a cada dia uma nova denúncia sobre a Copa no Brasil, como a reportagem da Folha que mostrou, há uma semana, integrantes da Fifa e do COL fazendo lobby em favor de patrocinadores do Mundial.

“Quando a Copa foi anunciada, eu disse duas coisas: o Brasil tinha não só condições de sediar o Mundial como ia fazer a maior Copa de todos os tempos. Continuo com a primeira ideia. A segunda eu retiro”, declarou Romário.

Para ele, “seria uma boa ideia” que Teixeira deixasse a organização da Copa. O presidente da CBF não quis dar entrevista à Folha.

Cotado para ser o candidato do PSB à Prefeitura do Rio em 2012, Romário afirma que vota a favor do governo inclusive em situações em que não votaria. Foi a favor da flexibilização das licitações para as obras da Copa-2014, projeto que abre brecha para aumentos de preço sem limite e orçamentos sigilosos.

Como o senhor avalia a organização da Copa?

Romário – Lá atrás, quando foi anunciada a Copa no Brasil, a gente comemorou bastante. Eu disse duas coisas: o Brasil tinha não só condições de sediar a Copa do Mundo como ia fazer a maior de todos os tempos. Continuo com a primeira ideia. A segunda eu retiro.

Por quê?

Romário – Porque, pelo que estou vendo, as coisas não vão acontecer. Vai ter a Copa, mas infelizmente teremos problemas e não vai ser a melhor de todos os tempos. Vou te falar uma verdade: os evangélicos acreditam que Jesus vai voltar. Só ele para fazer com que o Brasil faça a melhor Copa. Se ele descer nos próximos três anos, aí será possível.

Por comandar o COL e a CBF, Ricardo Teixeira acumula poderes?

Romário – Existem pessoas no Brasil bastante competentes para fazer esse papel de comandar o COL, mas ele se acha nesse direito. Mas, até mesmo por conta da idade dele [64], não é bom para ele. Eu colocaria outra pessoa, como é o caso do Henrique Meirelles [ex- -presidente do Banco Central] para a Olimpíada [do Rio, em 2016]. Seria um desgaste muito menor.

Mas ainda dá tempo de uma “solução Henrique Meirelles” para a Copa?

Romário – No meu modo de ver, como estamos a três anos da Copa, o senhor Ricardo Teixeira e seus assessores, se chegarem à conclusão de que ainda cabe outra pessoa para que ele saia de foco, seria uma boa ideia. Mas, às vezes, as pessoas têm vaidades que atrapalham. Não sei se é o caso dele, mas pode ser.

Por que convidar Ricardo Teixeira para prestar depoimento na Câmara?

Romário – Nós estivemos em cinco sedes da Copa-2014 e vamos às outras. Existia um orçamento no começo da preparação que, no mínimo, dobrou. Segundo o que ouvimos das cidades-sedes, eles fizeram um planejamento que não conseguem cumprir. A Fifa passa para o COL uma recomendação, e o COL faz virar uma obrigação. O Ricardo Teixeira é presidente do COL, presidente da CBF e é da cúpula da Fifa. Não tem ninguém no Brasil e no mundo que possa responder sobre o que realmente está acontecendo como ele. Do jeito que a coisa está, os estádios vão chegar a R$ 15 bilhões, e isso é um absurdo.

E em relação às denúncias de cobrança de propina?

Romário – Se ele vier e explicar, serei o primeiro a tirar a assinatura para uma CPI e pedir o mesmo para outros deputados. Mas, desde que houve o pedido de CPI, a cada dia aparece uma nova denúncia, e a coisa vai ficando mais estranha. Definitivamente não sei se vai dar tempo para a Casa levantar tudo. Eu, no lugar do presidente Ricardo Teixeira, viria e responderia. Mesmo que não seja o responsável por uma ilegalidade ou lentidão em alguma obra, ele é o cara do Brasil na Copa e tem que dar as caras.

E se Teixeira não esclarecer?

Romário – Se ele não responder a contento, não só vou manter minha assinatura para abrir uma CPI como vou trabalhar para que os outros deputados assinem também. Não é nada pessoal.

Quem é contra a CPI afirma que pode atrapalhar a organização da Copa…

Romário – Ser grato ao Ricardo Teixeira por conta da Copa não significa que ele seja a Copa. Entendo que existam fatores políticos que podem prejudicar a Copa, mexendo com uma pessoa do poder dele. Sou do PSB e tenho votado sempre a favor do governo, inclusive em situações que não votaria. Mas eu também ando na rua e sei o que as pessoas cobram de mim.

O que explica tanto tempo de Ricardo Teixeira no poder do futebol brasileiro?

Romário – Esta foi uma das melhores perguntas que ouvi nos últimos tempos. Mas vou fazer diferente: responda você. Eu infelizmente não posso te dizer isso. Mesmo que as denúncias sejam verdadeiras, a gente não pode tirar o mérito dele de trazer a Copa para o Brasil. Mas, infelizmente, de lá para cá, não consigo responder por que tanto poder, por tanto tempo e por que aparece tanta coisa. Eu juro que gostaria de responder, mas não sei.

O senhor rachou com o Ricardo Teixeira?

Romário – Nunca fui amigo dele, sempre tivemos uma relação cordial. Não tenho nada pessoal contra ele e estou torcendo para que ele consiga se defender das denúncias. Quero que a parte do Brasil que o vê como uma pessoa “do mal” possa reconhecê-lo pela Copa. Agora, se alguma das denúncias for verdadeira, não posso tirar meu nome da CPI. Por eu jogar futebol, isso não significa que eu seja a favor do que é errado. Não vim para Brasília para fazer graça. Engordei 11 kg em dois meses, quase perco minha mulher, deixei de fazer coisas que amo, como jogar pelada, sair na noite para ouvir funk, tomar meu refrigerante e às vezes um champanhe. Foi um sacrifício que fiz. Desculpe a expressão, mas não devo porra nenhuma a ninguém e tenho o direito de falar e colocar as coisas claras para quem votou em mim.

Como classifica a gestão do futebol brasileiro hoje?

Romário – Quando as pessoas falam hoje de máfia e futebol, não sei se felizmente ou infelizmente, o nome de Ricardo Teixeira é sempre ouvido. Mas da minha boca não vão ouvir, pois não tenho provas. Mas, definitivamente, existe uma quadrilha no futebol.