Há, em todos os veículos de comunicação, uma norma a ser cumprida: é preciso ouvir todos os lados. Há, em boa parte dos veículos de comunicação, uma norma que muitas vezes não é cumprida – a de ouvir as pessoas ou empresas atingidas por denúncias (empresas, diga-se de passagem, de pequeno porte: se são maiores, irão ouvi-las; se são muito maiores, nem as denúncias serão ouvidas).
Há várias desculpas e muitos truques. Um deles, usado especialmente por repórteres que caíram nas boas graças de promotores que amam entrevistas, é o telefonema tardio: ligam depois do expediente, para divulgar que não foi possível encontrar ninguém para dar a resposta. Outro é a desculpa da pressa: na correria para fechar a matéria, nem lembraram de ouvir os acusados (embora o tempo tenha sobrado, muitas vezes dias a fio, para ouvir os acusadores). Há um jeitinho especial: o de publicar a denúncia inteira e, diante das explicações da outra parte, que muitas vezes matam o assunto, é divulgado apenas que o fulano, ou a empresas, ‘negou as acusações’, sem qualquer argumentação a apoiar a frase.
E há a prepotência pura e simples: os acusados não são ouvidos, as reclamações não são aceitas, as cartas e notas enviadas à Redação não são divulgadas.
Essa última tática, diga-se, é usada quando os jornalistas que comandam o veículo visado estão convencidos da verdade do que divulgaram. Se eles estão dizendo a verdade, os acusadores têm razão; e os acusados que se calem. Não lhes ocorre que, se estão dizendo a verdade, o outro lado não conseguirá convencer a opinião pública, e com isso reforçará a acusação. A ordem é impor o silêncio.
É importante, para a sobrevivência do jornalismo, lembrar que ouvir o outro lado não significa dar-lhe razão; significa apenas reconhecer-lhe o direito de se manifestar. E, se não é para haver manifestação, para que haverá jornalismo?
Os novos deuses
Um assunto à parte é a aliança entre alguns jornalistas amestrados e alguns promotores que não podem ver câmeras sem dar entrevistas. Parte da imprensa acredita que, se o promotor disse, é automaticamente verdade; e se comportam como se o promotor fosse juiz.
Promotor não é juiz e o Ministério Público não faz parte do Poder Judiciário. Está vinculado ao Poder Executivo. E, se promotor só falasse a verdade, aquele Igor Ferreira da Silva, que matou a esposa grávida e foi condenado a 16 anos e 4 meses de prisão, teria se apresentado à Justiça, conforme prometeu seu advogado (que, a propósito, era o hoje ministro Márcio Thomaz Bastos). Não estaria foragido há mais de três anos.
O Surubão
Jornalismo de insinuação pode ser divertido, às vezes. ‘Há um caso de amor entre um grande empresário, casado, e uma executiva em alta no mercado de trabalho’ (para que ninguém faça perguntas: o fato citado aconteceu de verdade, há uns três anos, e não deu em nada). Este tipo de notícia tem seu lugar – nas colunas, geralmente, ou nos blogs. E tem sua hora. A hora, definitivamente, não é agora, quando o país enfrenta uma crise. Insinuar em grandes veículos de comunicação que há festas com prostitutas em centros do poder do país não é correto: ou se dá a notícia com nomes e provas (e eventualmente se derruba o governo) ou deixa-se a fofoca longe dos meios de comunicação.
No caso atual, em que Jeany Mary Corner é apontada como cafetina, já se publicou tudo quanto é fuxico. Mas ninguém informou, até agora, qual o nome da senhora em questão (é impossível que ela se chame, em inglês, Maria Joana da Esquina). Se nem isso se descobre, como é que vamos acreditar que um parlamentar baixinho, barrigudo e barbudo foi fotografado inteiramente nu, mas fumando um charuto cubano?
Os modismos
Na semana passada, esta coluna comentou o estranho idioma falado pelos nobres parlamentares das diversas CPIs. Mas não são só eles que falam uma língua esquisita, não. Nós, jornalistas, aderimos gostosamente à campanha para enterrar o português. A última flor do Lácio, inculta e bela, está perdendo de goleada.
Uma jornalista de primeiro time, Rosi Mallet, lembra alguns casos. Hoje em dia, tudo é ‘blindado’ – a economia e as reputações, sem contar o carro. E as pessoas não chegam mais atrasadas por causa da chuva: é ‘por conta’ da chuva. A propósito, que quer dizer ‘agenda positiva’? E ‘ação afirmativa’? Ou, voltando aos hábitos parlamentares que se espalharam pela imprensa, que diabos quererá dizer ‘urgência urgentíssima?’ E por que a velha e boa ‘pergunta’ passou a chamar-se ‘questionamento’?
That’s english
A força do inglês tem levado a algumas mudanças no português, especialmente quando usado por quem não sabe português nem inglês. As pessoas que se sentiam à vontade agora têm de ‘sentir-se confortáveis’; e não vão mais direto ao assunto, mas ‘direto ao ponto’. Antigamente, dava-se prioridade a um trabalho para que fosse colocado à disposição de todos. Hoje, ‘há que priorizá-lo para que seja disponibilizado’ as soon as possible – desculpe, o mais rápido possível.
Mas a culpa nem sempre é do inglês. Até o espanhol nos vem dando as cartas. Mosteiro, por exemplo, vira ‘monastério’. Já pensou, Monastério de São Bento?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados