A imprensa é criticada e merece muitas das críticas que lhe fazem. Mas é insubstituível: nesse caso do metrô paulista, por exemplo, apesar da cobertura preguiçosa de antes do acidente, os meios de comunicação acordaram e deram voz aos cidadãos cujas casas sofrem danos, à família dos que morreram, aos peritos cuja análise, talvez por exigir gastos não-previstos, estava destinada à gaveta.
O caso das soldas malfeitas numa estrutura provisória, revelado pela TV, foi devastador; e obrigou o governo paulista, até então indeciso quanto a seu papel numa obra turn-key, porteira fechada, a intervir e suspender os trabalhos, até que tenha a certeza de que tudo está seguro.
Outro caso interessante é o da festa do PCC, também revelada pela TV e, em seguida, complementada pelo maior jornal regional do país, o Diário do Grande ABC. A primeira matéria revelou a tranqüilidade do bando criminoso, capaz de fazer festas, com muita cocaína e maconha, nas barbas da polícia, no centro nervoso da economia brasileira. A segunda foi mais longe: mostrou que, quando a PM ocupou a região da favela, por 40 dias, os traficantes se recolheram e a população teve segurança. Quando a PM retirou suas tropas, prometendo instalar ali um posto policial, a tranqüilidade acabou. O posto, naturalmente, jamais foi instalado. Outros sinais da presença do Estado, tais como escola, posto de saúde, saneamento básico, essas coisas, nem foram cogitados. E a única polícia que passa por lá, segundo o Diário do Grande ABC, é a que vai buscar o que é dela.
Há mais coisas acontecendo e que só ganharam repercussão porque a imprensa insiste no assunto. Há ataques a homossexuais em São Paulo e no Rio; há a insistência de grupos nazistas, que defendem a supremacia branca, em atacar pontos de reunião de negros, de nordestinos, de judeus. Será preciso que morra alguém (e, em outras ocasiões, já morreu muita gente) para que os governos se mexam?
A imprensa temos defeitos. A gente tentamos influir na eleição presidencial. Mas temos qualidades. Ao contrário do que diz o rock, a gente não somos inútil.
Sossega, leão
A propósito, o caro colega que quiser criticar o uso deliberado do plural errado, tipo ‘a gente tentamos’, saiba que não há erro, não. Há uma silepse de número, é português castiço. Telefonem primeiro para o grande Eduardo Martins.
TAM, tam, tam, tam
A TAM, empresa aérea a que o comandante Rolim Adolfo Amaro deu um padrão excepcional de qualidade, viu multiplicar-se a crítica à medida que os serviços pioravam. Numa tentativa de reverter a situação, publicou anúncio informando que vários canais de comunicação estavam abertos ao público.
É verdade; só que não funcionam. Este colunista teve uma mala arrombada num trajeto da TAM (nada foi roubado, mesmo porque nada havia para roubar. As cuecas são enormes!). Usando o canal ‘Fale com o Presidente’, contou o caso, disse que não estava pedindo nada, apenas informando, para que a empresa pudesse verificar se havia algo errado em sua operação.
A resposta que recebeu foi uma obra-prima: dizia que, como não houve reclamação no próprio aeroporto, não poderia ser aberto processo de indenização. Que indenização, cara-pálida? O funcionário nem leu a mensagem e botou a resposta-padrão – com assinatura do presidente da empresa. De que adianta, desse jeito, abrir canais de comunicação?
Indignação…
A morte do menino João Hélio, preso ao carro, do lado de fora, pelo cinto de segurança, despertou profunda emoção – emoção que os meios de comunicação trataram de capitalizar, mandando apresentadores de telejornal entrevistar a família, fazendo editoriais indignados, caprichando nas caras e bocas e exigindo providências.
Aí é que a coisa pega: que providências? Este colunista, talvez por falha de pesquisa, não viu ninguém perguntar ao governador nem ao secretário da Segurança como é que é possível arrastar um corpo por sete quilômetros, numa área populosa do Rio, sem que um único policial percebesse o que acontecia. E isso, não esqueçamos, num momento em que a polícia fluminense recebeu o reforço da Força Nacional de Segurança.
Mas não toquemos nesse assunto. O caso é trágico demais e não pode terminar em piada.
…de momento
Este colunista recebeu uma lista de jovens assassinados nos últimos tempos, juntamente com o que aconteceu aos assassinos – em geral, nada. Não teria sido possível, em meio à indignação com a terrível morte de João Hélio, lembrar alguns dos outros casos, em que também houve indignação e tudo não passou disso?
A norma anormal
Parece que todo mundo esqueceu como começou o apagão aéreo: começou com a decisão dos controladores de vôo de aplicar as normas de sua profissão, sem gambiarras, sem jeitinhos. O tráfego de aviões entrou em colapso.
Agora vemos nos meios de comunicação, como se fosse um fato absolutamente normal, as ameaças de vários setores de iniciar uma operação-padrão. Essa operação, que significa obedecer às normas nacionais (e até internacionais) que regem o exercício de uma profissão, provoca sempre o caos no setor.
Alguém precisaria dizer, na imprensa, que o significado disso é grave: significa que todo o país funciona na base do improviso, do jeitinho, do deixa que eu chuto. Na hora de trabalhar como se deve, a coisa não funciona.
Como diria qualquer consumidor de notícias do Primeiro Mundo, norma é norma e existe por algum motivo. Deixar de observá-la é uma transgressão (que, conforme o caso, pode chegar a ser crime). Pergunta aos meios de comunicação: em quais outros setores, além da polícia, além dos funcionários de aeroportos, além dos controladores de vôo, a operação-padrão significa paralisia?
Questão de clima
O atento leitor Marcelo Cukierman, da Universidade do Texas, voltando ao tema das modificações no clima e do pensamento único no noticiário da imprensa, comenta:
‘A grande manchete do clima global ninguém publicou. É que o nível dos mares vai subir apenas 43 centímetros até 2100. Isto porque a previsão anterior era de 2 metros. Quanto será o nível de crescimento no próximo estudo?
‘Outra manchete não mostrada na imprensa é que existem 10% de possibilidades de que não seja o homem a causa do aquecimento global. Ah… mas isto é 90% de certeza, certo? Então deixa eu te perguntar o seguinte: vou te colocar na frente de uma porta. Você não sabe o que tem atrás. Existe uma chance de 90% de ter US$ 10 milhões e uma chance de 10% de ter uma pessoa com uma arma que vai te matar. Você abriria a porta?
‘O Cato Institute fez uma análise muito boa sobre o aquecimento global, com o resumo disponível aqui.
‘E se você tiver tempo, escute o Podcast do Cato Institute sobre o assunto, aqui.
Boa leitura
Aureliano Biancarelli, excelente jornalista, acaba de lançar um livro-reportagem que merece ser lido: Assassinatos de mulheres em Pernambuco. O subtítulo é ‘Violência e resistência em um contexto de desigualdade, injustiça e machismo’.
Por que Pernambuco? Porque lá existe o Observatório da Violência contra a Mulher, que monitora o tema. E tem trabalho: morrem mais de 300 mulheres por ano, vítimas de violência. É, proporcionalmente à população, um número 50% maior que o de São Paulo.
A pesquisa é boa. E o texto de Biancarelli deixa o livro muito agradável.
Como, esquecer?
O leitor Marcio Parra selecionou uma nota deliciosa:
‘Os italianos, por sua vez, comemoram a volta à liderança depois de mais de 13 anos. A última vez em que a `Azzurra´ esteve no topo foi em novembro de 2003, apenas três meses depois de o ranking ser criado pela Fifa’.
E pergunta: ‘Para ser jornalista, precisa esquecer a Matemática?’
Claro que não, Márcio. A gente só esquece algo que sabia. No geral, o pessoal da profissão não faz muita diferença entre milhão, bilhão ou mil, nem entre toneladas e quilos. Há alguns anos, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão, os Estados Unidos bloquearam, em represália, as remessas de trigo.
Saiu no jornal que o embargo atingira uma tonelada de trigo. Este colunista chamou o redator e lhe perguntou se não achava uma represália meio pequena para evento tão importante. Ele disse que não sabia o quanto de trigo pesava uma tonelada.
Tudo bem, ele não sabia. Mas uma represália que podia ser transportada numa Kombi?
É a glória!
O texto abaixo saiu num jornal dos Açores, o Diário Insular. Informava que um ucraniano havia morrido depois de brigar com um português, numa festa. O ucraniano levou um soco, caiu, bateu a cabeça numa quina e morreu, segundo o jornal, de ‘traumatismo ucraniano’.
E eu com isso?
Este colunista é natural da Franca, cidade paulista que produz o melhor café do mundo e excelentes calçados. Seu avô, Jacob Brickmann, foi um dos responsáveis por levar à cidade seu primeiro estabelecimento especializado em curtição de couros, o Curtume Carioca. E, como diria o Faustão, é do tempo em que curtir era o que se fazia logo depois de esfolar o bicho.
O sentido da palavra mudou com o tempo. Mas precisava exagerar? Os dois títulos saíram no mesmo dia:
1.
Rachel Weisz vai curtir temporada na Ilha de Caras2.
Fernanda Vasconcelos vai curtir Carnaval em OlindaO grande título
Nesta semana, a disputa é forte. Começa por uma daquelas montagens que, à moda do Jogo da amarelinha, de Cortázar, admitem várias formas:
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‘Câmara Congresso Benefício para crime hediondo limitado Leis tentarão afastar menores do crime’Há também um título misterioso, que convida o leitor a descobrir o que efetivamente acontece no mundo dos famosos:
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‘Atriz é pivô de entre Lindsay Lohan e sua assistente’Um grande título da área médica parece indicar uma nova descoberta científica:
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‘Dano cerebral ajuda a parar de fumar’Mas, na opinião deste colunista, nada supera um título simples, sem firulas, da Editoria de Ciências:
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‘Nova pesquisa lança luz sobre matéria escura’******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados