Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A história e a história de C.B.

Uma parte que está passando despercebida no caso César Benjamin é que nele há dois fatos: o primeiro, o relato de Benjamin sobre a história contada pelo candidato Lula a um grupo de pessoas na campanha de 1994; o segundo, se o fato narrado pelo então candidato aconteceu de verdade ou, como disse o cineasta Silvio Tendler, testemunha dos fatos e costumeiramente correto, foi apenas uma brincadeira do hoje presidente. Um fato pode ser verdadeiro (o candidato Lula pode ter contado a história) sem que o outro o seja (a história seria apenas uma brincadeira, algo inventado para passar o tempo).

Ao que tudo indica, houve a reunião citada por Benjamin (e confirmada não só por Sílvio Tendler como também pelo publicitário Paulo de Tarso), e nesta reunião Lula contou uma história, mencionada por Benjamin, confirmada por Tendler e da qual Paulo de Tarso não se recorda.

Também segundo as indicações disponíveis, a história contada pelo presidente era apenas uma brincadeira. Não entra em discussão, no caso, se foi de bom ou mau gosto: isto varia conforme o nível de relacionamento entre os participantes, as brincadeiras que costumam fazer uns com os outros, as piadas que se habituaram a contar. César Benjamin, com aquele senso de humor típico dos mais radicais, pode perfeitamente ter passado batido no caso e acreditado que era tudo verdade.

Um amigo deste colunista esteve preso numa cela ao lado da de Lula, e nunca soube da suposta tentativa de abuso. O senador Romeu Tuma, do PTB, um grande especialista em prisões políticas (e, aliás, carcereiro de Lula), lembra que naquela cadeia não havia condições para avanços não-detectados, já que os presos nunca ficavam sozinhos. Se um preso atacasse outro, fosse qual fosse o motivo, todos os demais ficariam sabendo no mesmo momento.

E, o fato mais relevante, jamais se soube de um caso em que Lula tenha buscado algum tipo de relacionamento homossexual. Se houvesse algo a esse respeito, já saberíamos o nome da pessoa, sua reação, sua avaliação de desempenho. Conhecemos até histórias, digamos, de sexo rural, contadas pelo próprio Lula numa famosa entrevista a Playboy, em 1979. Sexo com homem, nunca.

O problema de tudo isso é que o relato de uma história contada de brincadeira por um participante de uma roda de homens, há 15 anos, não tem a menor importância, mesmo que este participante seja hoje presidente da República, O Cara, O Guia Genial dos Povos Petistas e Não-Petistas, Astro Supremo do Firmamento e dos Filmes da Família Barreto. Não vale um artigo de jornal. A história só é importante se for verdadeira. O jornal deveria estar mobilizando todas as suas forças para confirmá-la ou desmenti-la de vez, e publicar o resultado.

 

Falar e ouvir

O caso Lula, a propósito, trouxe de volta a mais antiga verdade sobre comunicação: comunicação não é aquilo que se transmite, é aquilo que se recebe. Cesar Benjamin jamais se apresentou como vítima de Lula; mas, como disse que quando foi preso era menor de idade, já houve radicais que acusaram o hoje presidente de abusar de menores. Aliás, mesmo que a história do ‘menino do MEP’ fosse integralmente verdadeira, Lula não teria abusado dele: segundo o relato de Benjamin, teria havido uma tentativa de abuso, frustrada pela reação do rapaz.

Outros radicais reclamam desta coluna, por não ter feito críticas ao filme sobre o presidente. Na opinião deste colunista, se o filme foi uma iniciativa de propaganda, parabéns aos propagandistas: fizeram uma bela jogada publicitária dentro dos limites da lei. O outro lado que tente demonstrar que o filme viola a lei de alguma maneira ou procure criar algo tão eficiente quanto ele.

Só não esperem que este colunista veja a fita. De filmes sobre líderes providenciais, Os Dez Mandamentos foi o suficiente.

 

O nome do jogo

O Pão de Açúcar comprou as Casas Bahia, naquilo que hoje se chama de ‘consolidação do mercado’. Antigamente se chamava ‘concentração de mercado’, ‘truste’ ou coisa semelhante. O mais importante, entretanto, não é a novilíngua: é a reiterada história em que a imprensa sempre acredita, de que com os ganhos de produtividade (‘as sinergias’) haverá queda de preços. Não, não haverá: queda de preços só existe quando há concorrência. Menos concorrência, preços mais altos. Está em qualquer manual de economia. Se ‘concentração de mercado’ baixasse preços, ninguém conseguiria preços mais baixos do que um monopólio. O Brasil já teve, por exemplo, monopólio estatal de telefones. Havia poucos telefones e a preços muito altos. Para que eficiência se não há concorrência?

 

O grande Elmar

Elmar Bones é um excelente jornalista de um estado que costuma gerar excelentes jornalistas: o Rio Grande do Sul. Trabalhou na Veja, no Estadão, na Gazeta Mercantil, na IstoÉ; mas destacou-se principalmente em duas iniciativas sem apoio empresarial, o Coojornal e o .

é um jornal pequeno, com aproximadamente cinco mil exemplares de circulação e muitos prêmios, entre eles o mais importante de todos, o Prêmio Esso. Aliás, foi um jornal pequeno, com aproximadamente cinco mil exemplares de circulação. A euforia das indenizações por danos morais o atingiu de tal maneira que o jornal precisou parar de circular. Em 2001, noticiou um tremendo prejuízo aos cofres públicos, envolvendo a família Rigotto. A reação foi econômica: em vez de processá-lo criminalmente, a família preferiu o caminho de colocar preço na sua honra, inviabilizando a sobrevivência do jornal. E, considerando-se o poderio político da família, ao mesmo tempo a publicidade foi minguando, até que não sobrou alternativa para , exceto parar de circular.

Bobagem da família Rigotto: o caso, até então restrito a Porto Alegre, base da circulação do jornal, se espalhou por todo o país. O jornalista Luiz Cláudio Cunha, o brilhante repórter que desvendou o caso do sequestro dos uruguaios Universindo Díaz e Lilian Celiberti durante a ditadura, que desvendou boa parte da Operação Condor, que envolvia a cooperação entre as polícias políticas dos países sul-americanos, está empenhado na campanha pela volta do . Chega de censura: estamos com Luiz Cláudio Cunha, estamos com Elmar Bones. O sufocamento de um pequeno jornal é o sufocamento de toda a imprensa livre [ver, neste Observatório, ‘O jornal que ousou contar a verdade‘].

 

Adeus, Lombardi!

Uma amiga deste colunista, produtora de cinema comercial de São Paulo, fez um tremendo sucesso há alguns anos, quando a secretária eletrônica se popularizou: quem atendia a seu telefone era ele, Lombardi. Não havia qualquer identificação, qualquer pista: bastava a voz para que todos soubessem de quem se tratava. Quantas outras pessoas puderam ser identificadas apenas pela voz, nas poucas palavras da mensagem eletrônica? Quantas outras pessoas conseguiram se destacar tanto quanto o próprio Sílvio Santos no Programa Sílvio Santos?

Lombardi morreu dormindo na semana passada, aos 69 anos. Teve ampla cobertura até na Globo, que normalmente evita glorificar concorrentes. A Globo chegou a mostrar o logotipo do SBT, algo raríssimo. Lombardi mereceu.

 

Dines por Dines

O Papel do Jornal, livro clássico de Alberto Dines, foi lançado na segunda-feira no Rio, é lançado nesta quarta em São Paulo, na rua Fradique Coutinho, 915 – Livraria da Vila, a partir das 19h30. Muito já se falou do livro; falta falar um pouco do autor.

Que o próprio Dines fale sobre o que é (texto transcrito de uma entrevista com a jornalista Daniele Gross, do Núcleo José Reis de Divulgação Científica, da Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo, ECA-USP):

‘Jornalista. Agora, jornalista é uma profissão que é muito maior do que você escrever para jornal. O jornalista é um observador da vida, é um participante da vida. Ele atua dentro da vida. E procura melhorar as pessoas através daquilo que ele faz. Em suma, então, quando eu digo: `Eu sou Alberto Dines vírgula jornalista´, precisa também ver o que é esse jornalista, que é um pouquinho mais do que trabalhar no jornal.’

 

Velho Jota, para todos

Um belíssimo livro, que até agora só existia para os amigos e não havia entrado no mercado, finalmente está à disposição de todos: O Velho Jota, histórias de João Vitor Strauss contadas por seus amigos. João Vitor, jornalista de primeiro time, caráter impecável, merece a homenagem – e o difícil foi, entre seus tantos amigos, cada um com muitas histórias a seu respeito, escolher os que o retratariam (este colunista se orgulha de participar do livro). É uma leitura emocionante para os que o conheceram; e um livro importante sobre o Brasil e a comunicação para os que não o conheceram. O Velho Jota (título escolhido por outro jornalista de primeiro nível, Ricardo A. Setti) está disponível na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, ou no site da livraria.

 

Esplendor e sepultura

Um grande jornal, querendo informar que as negociações ficaram mais difíceis, disse que ‘as negociações recrudesceram’ (o que significa, na verdade, tornar-se mais intensas). Um pouco à frente, ‘se verem o filme’, em vez de ‘se virem o filme’. Em outro grande jornal, ‘EUA enviam mais trinta mil tropas ao Afeganistão’. Tropa, em português, é coletivo. No caso, é má tradução do inglês, que se refere a 30 mil homens, ou 30 mil soldados, ou 30 mil militares.

 

Mesas, não

Churchill conta que, na aristocrática escola em que iniciou os estudos, o professor tentou ensinar-lhe a declinar ‘mensa’ – mesa, em latim. Empacou no vocativo. O professor explicou-lhe que o vocativo seria usado quando se dirigisse a uma mesa. Churchill replicou-lhe que não pretendia conversar com mesa nenhuma. Acabou sendo expulso por insubordinação e fez seus estudos numa escola comum. Resolveu que não estudaria bobagens e se dedicaria ao inglês. Deu certo: o brilhante primeiro-ministro tinha um texto primoroso, agradabilíssimo. Seus livros podem ser lidos por puro prazer, como se fossem bons romances.

Não adianta ser pós-graduado em japonês arcaico, ou em mecânica biológica de lepidópteros aquáticos, com especialização, naturalmente, na Espanha, sem conhecer ao menos o básico da língua que se usa. Já não basta a estranha linguagem Windows para corromper a última flor do Lácio?

 

Sim, é verdade 1

Um grande portal noticioso publicou a morte da atriz Leila Lopes na seção ‘Entretenimento’.

 

Sim, é verdade 2

Outro grande portal noticioso publicou a morte do locutor Lombardi na seção ‘Diversão’.

 

A cachaça e a imprensa

O publicitário Chico Santa Rita, produtor da excelente pinga ‘Dona Carolina’, separou um lote especial para comemorar o aniversário do Corinthians. A ‘Corinthiana’, com o glorioso símbolo do Corinthians no rótulo, existe em três versões, prata, ouro e premium, a preços que variam entre R$ 30 e R$ 65. Um grande jornal, noticiando o lançamento, diz que a ‘Corinthiana’ tem teor alcoólico de 90%. Está errado, claro: uma cachaça forte tem pouco mais de 40%. O absinto, a mais forte das bebidas alcoólicas, tem 54%. Cachaça a 90% mataria o cliente. Ou, se consumida por um jornalista, poderia levá-lo a cometer esse tipo de erro. Uma cachaça de alta qualidade, como a ‘Dona Carolina’, especialmente o reparte especial ‘Corinthiana’, fica em 40%.

 

Como…

Obviamente, é um erro, uma falha de digitação. Mas acabou saindo engraçado. Do twitter do deputado federal José Eduardo Martins Cardozo, do PT paulista, em 1º de dezembro: ‘Boa tarde, tuitteiros. Estou dando na Escola Paulista de Direito’.

 

…é…

De um portal noticioso especializado em Esportes:

** ‘Feiticeiro faz trabalho para quebrar C.’

No caso, ‘C.’ é a abreviatura de Cristiano Ronaldo, o ótimo atacante português do Real Madrid, cujo nome não cabia no título.

 

…mesmo?

De uma revista de celebridades:

** ‘Cláudia Rodrigues faz plástica nos cabelos’

Não, não se espante: é apenas o nome dado a um tratamento com xampus num cabeleireiro destes caríssimos. Não tem nada a ver com determinado político que fez um implante de cabelos de nylon e ganhou o apelido de Barbie: o cabelo era de plástico e ele era boneca.

 

E eu com isso?

Há histórias magníficas escondidas no meio do frufru diário. Esta, por exemplo:

** ‘Casal faz filmes pornográficos para pagar cerimônia de casamento’

O casal inglês vive junto há um tempão, tem quatro filhos, mas a moça (que, a propósito, é feia de doer) sempre quis um casamento tradicional, com vestido de noiva, véu e grinalda, uma bela festa. Vão-se casar em Cancun, uma bela praia mexicana. E, para levantar o dinheiro, ambos participam de filmes pornográficos. Três filmes renderam o suficiente para a festa.

Há boas histórias sobre o lado exótico do comportamento humano:

** ‘Homem invade casa, toma banho e diz que `Obama deixou´’

** ‘Polícia usa helicóptero para prender peladão em rodovia nos EUA’

O cavalheiro, naturalmente, estava bêbado. Deve ter tomado aquele álcool puro que um jornalista confundiu com cachaça da boa.

** ‘Entenda por que as mulheres se `camuflam´’

E há o puro e simples frufru, tema bom para bater papo no intervalo da novela.

** ‘Gisele Bündchen para de voar e se prepara para o parto’

** ‘Kate Moss aparece com bolsa de franjas’

** ‘Solange Couto estica o rosto para se casar com jovem’

** ‘Filho de Michael Jackson dá golpes de caratê no ar’

** ‘Otávio Mesquita prepara ceia de Natal em casa com amigos’

** ‘Victoria Beckham terá de operar joanetes’

** ‘Daniel Filho vai de sunga vermelha a coquetel’

E daí? O senador Suplicy foi de sunga vermelha ao Senado, e por cima do terno. Tinha certeza de que era o Superman!

 

O grande título

Há um imbatível: além de não caber no espaço e ter sido enfiado assim mesmo, cria um novo país no mapa do mundo.

** ‘Brasil encara a Coréia do Norte e Corta do Marfim; siga’

‘Corta do Marfim’. Em inglês, a ‘Ivory Coast’ viraria ‘Ivory Cut’. E o nome original do país, em francês, ‘Côte de Ivoire’, como ficaria?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados