Nas guerras do Sul, argentinos, uruguaios e gaúchos de todas as facções tinham um tipo especial de soldado: o degolador. Terminada a batalha, iniciava-se o trabalho de cortar o pescoço dos feridos. Era importante não fazer prisioneiros.
O tempo passa, o tempo voa e a poupança daquele banco já nem mais continua numa boa. Hoje, os feridos não são mortos no final da batalha. Mas, se uma personalidade pública for alvejada, haverá grande probabilidade de sofrer um ataque em conjunto, simultâneo, por jornais, revistas, blogs, colunas, tevê e rádio. Ai de quem se opuser ao lincha-e-relincha: serão apontados como os articuladores da pizza. Nem os juízes escapam: contra eles, levanta-se a velha e autoritária frase de que a polícia prende e a Justiça solta.
Não é um fenômeno brasileiro, apenas. Já houve acontecimentos semelhantes na União Soviética, na época dos Processos de Moscou. Na França, Alfred Dreyfus demorou a encontrar quem tivesse a coragem de defendê-lo. Nos Estados Unidos, opor-se ao macartismo significava enfrentar a poderosa Comissão de Atividades Antiamericanas do Senado. E, naturalmente, houve a Alemanha de Hitler. Como dizia seu ministro de Propaganda, Joseph Goebbels, ‘nós decidimos quem é judeu’.
É importante que os meios de comunicação reflitam sobre seu papel nesses casos. Se acreditam efetivamente na culpa dos atingidos, caso em que se devem manter na luta, ou se apenas estão seguindo os passos da manada.
Muitas vezes o alvo dos ataques é efetivamente culpado – mas, sem dúvida, sua defesa é dificultada. E se não for culpado – como, por exemplo, os deputados Ibsen Pinheiro e Alceni Guerra, vítimas de campanhas violentíssimas? Nesse caso, todos lavam as mãos e fingem que não é com eles.
Quadrilha?
Nesta semana, deve iniciar-se o julgamento da denúncia do procurador-geral da República contra 40 pessoas acusadas de envolvimento no caso do mensalão. A imprensa não está neutra, não: há quem se refira ao ‘julgamento dos quadrilheiros’ – ora, se são quadrilheiros, não há nem motivo para julgá-los, pois já estão condenados pelo crime de formação de quadrilha. Outro texto: ‘o julgamento da organização criminosa liderada por José Dirceu’. Mais um: ‘começa o julgamento dos mensaleiros’.
OK, título tem de caber no espaço, tem de identificar o caso. Mas não pode fazê-lo culpando quem ainda está sendo julgado – e que, no Estado de Direito que dizemos defender, é inocente até prova em contrário.
Quem é quem
Este colunista não tem qualquer identificação política com José Dirceu ou José Genoíno, embora goste de conversar com ambos. Não conhece pessoalmente nem Delúbio Soares nem Sílvio Pereira, nem aprecia suas posições políticas. Mas acha que os perfis que os meios de comunicação vêm traçando desses personagens tendem a demonizá-los. De repente, uma perua Toyota Fielder, carro de classe média, é mostrado como sinal de riqueza. Um repórter se queixa de que José Dirceu não lhe permitiu bisbilhotar os contratos que assinou com clientes. O objetivo é mostrar que todos, embora execrados pela opinião pública – ou, pelo menos, pela opinião publicada – continuam muito bem de vida.
O curioso é que, antes do efeito-manada, não havia acusações a ninguém. Silvio Pereira começou a usar um Land Rover, carro caro, e nenhum repórter achou estranho. Delúbio Soares, professor de profissão, deu uma festa em sua fazenda, para comemorar o aniversário do pai. Dezoito jatinhos levaram alguns dos convidados. Nenhum meio de comunicação se dispôs a investigar o upgrade social de Delúbio. Todos se mexeram só quando Roberto Jefferson fez suas denúncias. E desde quando a imprensa, para funcionar, tem de ser pautada por Jefferson?
Quem fala por quem
O presidente da Philips brasileira, Paulo Zottolo, um dos fundadores do movimento Cansei, andou falando bobagem: disse que não queria que o Brasil fosse uma espécie de Piauí do mundo. ‘Não se pode pensar que o país é um Piauí, no sentido de que tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado.’ Depois de falar bobagem, resolveu botar um baita anúncio nos jornais piauienses, com o logotipo da Philips e o slogan ‘sense and simplicity’ (a última moda ridícula da propaganda é manter os slogans em sua língua original, para dar a impressão de globalização).
Bom, de duas uma:
1.
Zottolo fundou o Cansei e falou mal do Piauí na qualidade de porta-voz da Philips, e nesse caso a situação é séria. Trata-se de uma empresa multinacional intrometendo-se na vida política brasileira e falando mal de Estados brasileiros;1.
Zottolo fundou o Cansei e falou mal do Piauí como cidadão brasileiro, não como presidente da Philips. Nesse caso, o anúncio teria de ser pessoal: não deveria conter nem a marca nem o slogan da Philips.Trata-se de um caso raro: uma personalidade que se desconstruiu sozinha nos meios de comunicação, sem nenhum repórter malvado a induzi-lo.
Dias de hoje
Texto maravilhoso que aqui transcrevemos, a respeito de um crime:
Uma moradora que pediu para não ser identificada disse que não é a primeira vez que ele usa a arma que guarda dentro de casa. Há alguns meses, Castro atirou contra o portão eletrônico do prédio porque ele apresentava defeito. A mesma moradora acredita que o acusado tem dupla personalidade. Segundo ela, Castro é uma pessoa educada e prestativa, porém de pouca conversa. ‘Chega sempre calado. Fora o tiro no portão não tinha percebido nenhum problema com ele’.
Imagine o que o cavalheiro faria se tivesse problemas perceptíveis!
Notícias inesquecíveis
**
‘A viagem aérea de Paris a Munique dura 9 horas e 20 minutos e custa 1.207 euros’.Não é impossível. Mas o avião deve seguir uma rota bem estranha.
O melhor, entretanto, é a combinação de título e texto que envolve obras em aeroportos e nosso ministro da Defesa, Nelson Jobim (a propósito, onde ele terá arrumado aquele uniforme camuflado? Quem será que vende fardas de tamanhos extra-especiais?).
O título:
**
‘Obras em Congonhas se iniciam dia 20’, anuncia JobimO texto;
‘O ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou mudanças no cronograma das obras na pista principal do aeroporto de Guarulhos’.
O texto tem razão: a pista em obras é a de Guarulhos.
E eu com isso?
Os smartphones já são um excelente caminho para os arquivos do computador. Dentro de algum tempo, com o sistema 3G (terceira geração de celulares), haverá smartphones, Ipod-phones, Blackberries e outros aparelhos que permitirão, online, acesso total à internet. Só mesmo assim poderemos, em tempo real, no momento em que a notícia chegar às telas, saber que
**
‘Camila Pitanga lê entrevista de Caetano em restaurante’**
‘Glória Maria faz tatuagem na Grécia’O grande título
Não há competição possível:
**
‘Jobim terá reunião com vítimas de Airbus da TAM’Este colunista não chega a ser um um fã do ministro Jobim. Mas espera que sua reunião com as vítimas do Airbus da TAM só se realize daqui a muitos e muitos anos.
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados