A revelação, algumas horas antes da abertura dos envelopes, das empresas de publicidade ganhadoras da concorrência da Petrobras, é exemplar por vários motivos. Primeiro, por ter ficado claro, mais uma vez, que o sistema de concorrência pública no Brasil ainda tem furos que permitem o favorecimento de grupos menos competentes ou mais careiros; segundo, porque a Petrobras levou alguns dias para cancelar a concorrência, quando deveria tê-lo feito imediatamente, tão logo se verificou a irregularidade. Terceiro, por ter mostrado que a imprensa, se foi capaz de repercutir a informação de uma revista eletrônica, a Meio&Mensagem Online, não teve fôlego para ir mais longe.
Ou, pior ainda, não teve fôlego para ir mais longe nem imaginação para buscar novas pautas a respeito de um tema tão escabroso. Por que, por exemplo, a Petrobras demorou tanto para cancelar a concorrência, se era público e notório que havia pelo menos uma irregularidade insanável? Qual o perfil das agências que ganharam a concorrência antes da abertura dos envelopes? Qual o relacionamento já existente entre elas e a Petrobras? Como é que uma empresa multinacional, que há pouquíssimo tempo deixou de ser um braço de sua sócia brasileira, de repente ganhou músculos para derrotar concorrentes com muito mais tradição no mercado? E, a partir daí, por que não verificar se nos estados, governados seja por que partido forem, as regras das concorrências têm as mesmas falhas?
Num ano eleitoral, e havendo envolvimento de uma empresa-símbolo do país, como a Petrobras, há o risco de partidarizar as investigações. Isso deve ser evitado: envolvimento partidário só se ficar comprovado que os partidos têm conhecimento das irregularidades, se beneficiam delas, participam da fraude.
Fraude, a propósito, é a palavra que deve nortear as coberturas. Se o resultado da concorrência era conhecido antes da abertura dos envelopes, houve fraude; alguém buscou, por algum motivo, controlar o resultado da concorrência. É difícil de apurar, mas se alguém o conseguir terá uma excelente reportagem nas mãos.
Jornalismo bonzinho
Aquela história de que os bancos só lhe emprestam dinheiro quando você não precisa continua válida; e a cada dia vale para mais setores da economia. Seguro saúde, por exemplo: à medida que o cliente envelhece (e tem sua capacidade de ganho reduzida), as seguradoras apertam mais a corda no seu pescoço, punindo-o pela ousadia de não morrer tão cedo quanto suas estatísticas estimavam.
Mas há abusos bem menos sofisticados do que esse. Uma jovem que mora em São José dos Campos (SP), associada à Unimed Paulistana, precisa fazer uma biópsia no seio – coisa urgente, já que se for problema sério terá de ser tratado imediatamente. A jovem foi à Unimed em São José dos Campos, levando toda a documentação, e nada de receber resposta. Reclamou, e soube que a empresa nem havia encaminhado ainda os documentos à congênere paulistana. Conversou com a Unimed Paulistana e soube que o pedido, quando chegasse, levaria pelo menos três dias para ser analisado. Experimente o caro colega atrasar três dias o pagamento do seguro-saúde (ou, no caso, mais de uma semana, já que houve a retenção em São José dos Campos). O lado de lá do balcão não costuma ter compreensão nenhuma em casos como este.
Resultado (por enquanto): a advogada da jovem registrou boletim de ocorrência na delegacia de polícia e prepara outras providências. E os meios de comunicação? Quietinhos, quietinhos. Não falam sobre problemas sérios, específicos, como este; não falam sobre problemas sérios, crônicos, como o dos aumentos astronômicos para os chatos que insistem em continuar vivos, ousados que são.
Uma amiga deste colunista entrou, há muitos anos, no plano mais caro de um seguro saúde bem conceituado. O seguro quebrou, foi vendido a outro, que quebrou, foi vendido a outra, e o plano dela foi caindo de patamar. Hoje a sede fica fora de São Paulo e o tratamento é analgésico da cintura para cima e elixir paregórico da cintura para baixo. E, embora continuem cobrando pelos planos top, nem os xaropinhos e comprimidos eles estão dando.
Imprensa? Não, isso não vale. Matéria boa é aquela que o promotor já dá pronta, não exige prática nem tampouco habilidade. No máximo, e só para constar, ouvir o outro lado, numa matéria que deverá ser publicada num canto, bem pequenininha. Pesquisar, fazer reportagem? Dá trabalho, e trabalho cansa.
Baixando o nível
Agora, outro caso em que o preço se mantém e o serviço decai. Um associado da Amil, morador em Itu (SP), foi aos laboratórios credenciados da cidade para fazer um teste ergométrico. Foi rejeitado: um se recusou a atendê-lo alegando que não recebia os reembolsos do convênio há um bom tempo, outro preferiu não explicar os motivos da recusa. Procurou então a Amil, para saber o que acontecia. Não teve informação. Insistiu, insistiu, e depois de muito tempo lhe sugeriram que procurasse atendimento em outra cidade. Ou seja, não tinham a menor intenção de liquidar as pendências com os laboratórios por eles credenciados.
Assim fica fácil: os prestadores de serviço não recebem e, quando reclamam muito, são descredenciados e substituídos por outros que acreditam que terão tratamento diferente. Quanto aos clientes, ou pagam ou perdem direito a todo o resto dos serviços. É o famoso jogo do perde-perde.
Meios de comunicação? Pois é: há empresas que são grandes anunciantes. Será que vale mesmo a pena ficar ao lado dos consumidores de informação e arriscar-se a perder anunciantes? A resposta é óbvia – e talvez explique o silêncio.
Não para, não para, não para
Há dez anos, a Marinha brasileira incorporou à sua frota, como navio-capitânea, o porta-aviões São Paulo, comprado da França, onde se chamava Foch. O Brasil acaba de fazer grandes negócios militares com a França: quatro submarinos com motor diesel, o casco de um submarino nuclear, 36 caças supersônicos Rafale (estes ainda não confirmados oficialmente), coisa de bilhões de dólares.
Não seria o caso de fazer alguma reportagem sobre o desempenho do São Paulo? Tudo bem, o porta-aviões era usado, estava mais para Brasília 67 do que para Rolls-Royce zero, mas foi inteiramente reformado antes da incorporação à Marinha brasileira. O fato é que, em dez anos, o navio ficou quatro parado. Uma boa matéria poderia esclarecer se quatro anos parado num total de dez é muito ou pouco, e no caso de ser muito quais as causas de tantos defeitos.
É isso mesmo
Mas não falemos mal das armas francesas. O Brasil já teve outro porta-aviões, o Minas Gerais, comprado da Marinha inglesa. E também não funcionava.
Coisas finas
Imprensa tem coisas boas, sim – não apenas boas como deveriam ser sempre, mas melhores, com um toque de imaginação e bom humor. Esta é de O Globo, informando que, em visita ao Rio, a candidata Dilma Rousseff se encontrou com o ex-governador Anthony Garotinho, que disputa o governo do estado contra Sérgio Cabral, também aliado de Dilma e Lula. Título:
**
‘Com Cabral desde Garotinho’E há uma deliciosa carta de leitor ao Estadão, referindo-se à pesquisa Vox Populi em que o nome do candidato do PSDB, José Serra, aparecia ao contrário na ficha apresentada aos entrevistados:
ilupoP xoV
ilupoP xoV asiuqseP: !adacip ad mif o É’
Hermínio Silva Júnior São Paulo-SP
Como…
Esta é do site de um tribunal, numa cidade paulista das mais importantes:
**
‘Cite-se o réu para, no prazo de 30 (trinta) dias, oferecer eventual contestação aos termos da presente demanda. (…) 10 de dezembro de 2009. (…) Dezembargador Relator’
…é…
De um grande portal noticioso de internet:
**
‘Nascido nos EUA, panda fará aulas de chinês’Na verdade, não é ‘nascido’. É ‘nascida’, já que se trata de uma fêmea. E a notícia não esclarece um fato importante: a Ursa Falante já domina o inglês?
…mesmo?
De um grande jornal:
**
‘Corrida do Empire State reúne mais de 200 competidores’Se este colunista soubesse que o Empire State iria correr, faria questão de assistir à prova.
Esporte para escandalizar
Foi uma semana em que os meios de comunicação capricharam nos títulos de duplo sentido, principalmente na área do futebol profissional. E, o que é melhor, tudo indica que os títulos foram dados inadvertidamente:
**
‘São Paulo vende André Dias e reduz opções atrás’**
‘São Paulo sai do armário e investe em Cléber Santana!’**
‘`Vítima´ dos adversários, Neymar ganha proteção de Ganso!’Justo agora, com tanta chuva e tantas enchentes, o protetor Ganso não correrá o risco de afogar-se?
E eu com isso?
Como você pode calcular a boa vontade de um trator? Simples: depende das atitudes que o trator tomar (e não estranhe: se Herbie, o Fusca do filme, podia agir sozinho, por que um trator bem-educado não teria as mesmas prerrogativas?)
**
‘Trator tenta dar sua ajuda, mas acaba piorando acidente’Na seção frufru das revistas especializadas, pode-se aprender muito. Até como se comportam as pessoas que não estão sendo entrevistadas mas que dão o azar de estar por perto na hora da reportagem.
**
‘Executivo é pego vendo fotos de modelo nua enquanto colega dava entrevista’Uma bela modelo, aliás: a australiana Miranda Kerr. A propósito, que é que este cavalheiro de excelente gosto tem a ver com a reportagem, para ser citado nela? Estava sossegado em sua mesa, ocupado com seus próprios assuntos, cuidando de sua vida, e os enxeridos o fotografaram!
Na área frufru, aprende-se a dar nomes diferentes dos habituais às atitudes de pessoas famosas.
**
‘Noivo de Katy Perry beija e apalpa homem em show em prol do Haiti’Segundo a notícia, o noivo de Katy é o humorista Russell Brand. Ele e um amigo chegado divertiram a platéia num espetáculo explícito de pegação. Diz a informação:
**
‘Sempre excêntrico, o humorista ainda apalpou o traseiro do amigo’.Este colunista é caipira e não acha que essa atitude seja excêntrica, não. Ao contrário, em todas as redações em que trabalhou, havia gente apalpando e sendo apalpada. Mas o nome que se dava a esses folguedos era outro.
E há o frufru propriamente dito:
**
‘Kelly Osbourne leva o cãozinho Sid para fazer compras’**
‘Tessália diz que, se rejeitada, fará plásticas e ficará loira’**
‘Victoria Beckham vai à praia de chinelo e deixa joanete visível’**
‘Sister brinca com Michel no Puxadinho’**
‘Gugu hipnotiza galinha no Jô Soares’**
‘Aranha `armadeira´ pode curar impotência sexual’Grande novidade! Quem poderia ignorar o papel da aranha no desempenho amoroso?
O grande título
Coisas finas: nossos meios de comunicação sempre capricham. Temos, como de hábito, aquele título publicado a tapa, sem revisão:
**
‘Estudo sobre esclarece de Hitler usava drogas ou não’Ou, na mesma faixa,
**
‘Ronaldinho meia nega ter feito festa em Milão’Temos o título excêntrico (no sentido clássico, não naquele que foi usado para explicar o agarramento entre dois artistas):
**
‘Viciada, cobra de estimação fuma dois cigarros por dia’A notícia é de Taiwan. O dono do bicho explica que a cobra se viciou de tanto viver em ambientes cheios de fumaça. Lei Serra lá também!
E o grande título, aquele que com um leve pensamento malicioso fica ótimo:
**
‘Dia mundial das áreas úmidas é comemorado em 2 de fevereiro’Este colunista acha que certas datas, como o Dia da Fraternidade Universal e esta, deveriam ser comemoradas todos os dias.
******
Jornalista, diretor da Brickmann&Associados