Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A imprensa à frente

A revelação de todos esses problemas começou com Veja, que publicou a história de Maurício Marinho, funcionário público que embolsou um bolo de notas na frente de uma câmera oculta. Prosseguiu com Renata Lo Prete, que publicou na Folha de S.Paulo duas explosivas entrevistas com Roberto Jefferson. Logo depois, Leonardo Attuch, em IstoÉ Dinheiro, ouviu a secretária de Marcos Valério, Karina Somaggio. E Época desta semana conseguiu um feito histórico, ao publicar entrevista com Valdemar Costa Neto, o deputado federal que renunciou para evitar o risco da cassação: o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, atrasou em três horas e meia o início de seu discurso para tomar conhecimento, antes de falar, do conteúdo da reportagem.

O fato é que a imprensa descobriu mais coisas que as CPIs. Teve suas falhas, teve seus descuidos, teve acusações apressadas, teve injustiças. Mas a CPI também apresentou esse tipo de problema. E os jornalistas, mesmo não dispondo dos poderes especiais de magistratura que revestem os parlamentares da CPI, continuam disputando a dianteira e ganhando com muita freqüência.

Há horas de tristeza e depressão. Mas há momentos em que dá muito orgulho de ser jornalista.



Questão pessoal

A Rádio Bandeirantes, em memoráveis reportagens, fiscalizou locais públicos de São Paulo e cobrou o cumprimento da lei que permite o acesso a deficientes. São vagas de estacionamento mal dimensionadas, portas que não podem ser abertas por uma pessoa em cadeira de rodas, falta de rampas, banheiros inadaptados a quem tiver problemas físicos. A Rádio Bandeirantes não se limitou a verificar: ouviu os responsáveis por shopping centers, casas de espetáculos, supermercados, gravou suas promessas e, mais tarde, voltou aos locais, para ver se a situação tinha melhorado.

A Prefeitura de São Paulo se mostrou surda a essas reportagens (embora, quando a mesma Bandeirantes elogiou o bom atendimento dos albergues municipais, tenha ouvido tudo direitinho). Mas bastou que uma secretária municipal tivesse um problema pessoal para que a prefeitura agisse. Problemas gerais, que afetam a todos, são ignorados; problemas pessoais são mais importantes.

A história começou quando Mara Gabrilli, deficiente física e secretária das Pessoas com Deficiência, chegou atrasada a um espetáculo da Tom Brasil. Foi levada a um local onde, segundo a direção da casa, teria ampla visão do palco, o melhor que lhe poderiam conseguir sem prejudicar os espectadores que já estavam instalados assistindo ao show; ou, segundo ela, foi enfiada num cantinho. Diante do problema pessoal, a secretária determinou o fechamento da casa.

Nossos jornais, revistas, emissoras de TV e de rádio deveriam dedicar-se com ênfase ao assunto. Será que um contratempo pessoal vale mais que um problema coletivo? E os estabelecimentos flagrados pela Rádio Bandeirantes, continuarão impunes?



Amigos, brasileiros, cidadãos

Se todos são iguais perante a Lei, por que os parlamentares exigem o tratamento de Vossa Excelência? Não poderiam, como os demais cidadãos – que os elegem e encaminham à Câmara e ao Senado – ser chamados de ‘senhor’? Ou, como os revolucionários franceses, de ‘cidadão’?

E o pior é o que as Vossas Excelências de lá fazem com a língua portuguesa. Agora que assistimos às reuniões da CPI, ouvimos um festival de ‘as provas já chegou’, ‘eu te disse a Vossa Senhoria’. Uma leitora atenta, e conhecedora do idioma, cita uma pérola: ‘Eu queria pedir a Vossa Excelência CPI (…)’ Agora a CPI tem pronome de tratamento! E a frase continuava: ‘(…) a quebra do sigilo das contas que Vossa Excelência Duda Mendonça disse (…)’ Terrível. E, o tempo todo, Suas Excelências misturam os pronomes de tratamento. Tratam a língua portuguesa como defendem os interesses de seus eleitores – a tapa.

Às vezes, há desvios linguísticos que não são propriamente erros, mas regionalismos. É comum no Nordeste, por exemplo, usar o indireto ‘lhe’ em vez do direto ‘o’. Frases como ‘eu queria lhe convidar’, em vez de ‘eu queria convidá-lo’, ou ‘eu vou lhe desmentir’, em vez de ‘eu vou desmenti-lo’, são regionalismos. Combinar segunda e terceira pessoas, como fazem os gaúchos, é regionalismo: ‘Tu vai almoçar agora?’ Mas ‘seje’ e ‘esteje’ não são regionalismos, não. Pertencem a outra categoria, os analfabetismos.

E, a propósito, por que chamar os parlamentares de Excelência? Tirando uns vinte, e olhe lá, quem é que é tão excelente assim lá no Congresso?



Os modismos

A propósito, que quer dizer ‘sistêmico’? Os parlamentares adoram o ‘sistêmico’. Adoram também a ‘transparência’, os ‘apaniguados’ e o ‘pontual’. Já as testemunhas dizem ser ‘muito sinceras’. A frase, a propósito, não tem sentido: a pessoa pode ser ou não sincera. Não há gradação. E note que ninguém pede para falar nada: preferem ‘fazer uma colocação’. Este colunista, como boa parte de seus leitores, adora fazer uma colocação. Mas não na frente de todo mundo.



A grande injustiça

Lembra daquele filme que circulou muito na internet, com uma entrevista engraçadíssima de Severino Cavalcanti? O presidente da Câmara, depois de dizer que a Casa trabalha muito, começou a dar exemplos. Deu-lhe um branco, o homem embatucou, não lembrou de nada, acabou reclamando do repórter e a entrevista foi interrompida. Pois bem: por causa dessa entrevista, a diretora da TV Câmara, Sueli Navarro, foi demitida. Alguém pode informar a este colunista qual a culpa que ela tem do branco que deu na memória de Sua Excelência?

O repórter não pode ser demitido, porque fez concurso. Mas está na geladeira.



Delícias da imprensa

1. Na foto, um crioulão. Na legenda, ‘Duda Mendonça’.

2. Na foto, um cartaz: Judenrein. É uma expressão nazista, em alemão, que significa ‘livre de judeus’ (era usada, na Alemanha de Hitler, para designar os locais onde todos os judeus tinham sido assassinados). Hoje, os colonos que resistem à evacuação de Gaza usam a expressão para acusar o governo israelense de imitar os nazistas, ao tornar a região ‘judenrein’. Tradução publicada: ‘judeus que colaboraram com o nazismo’. O redator deve ter achado o termo parecido: o judeu que colaborou com o nazismo é conhecido como ‘kapo’.

3. A matéria se refere a um partido extremista israelense, o Kach, ou Kah. Mas escreve ‘Kack’. Tradução: cagada. Se bem que, no caso, não há muito erro.



Combate à ganância

O jornalista americano Chuck Lewis criou um Fundo para a Independência do Jornalismo, com o objetivo de arrecadar 30 milhões de dólares e proteger os profissionais contra a indústria da indenização por dano moral. Lewis é produtor do programa 60 Minutes, da CBS, e vem acompanhando a ganância com que determinadas personagens, auxiliadas por advogados de má-fé, se lançam à busca de danos morais, tentando locupletar-se às custas de uma lei criada para proteger o cidadão comum contra os abusos da imprensa. A Justiça americana já foi pródiga em conceder indenizações milionárias por conta de supostos danos morais, mas tende agora a verificar com mais cuidado se os atingidos querem alcançar a reparação, o que seria justo, ou pretendem apenas enriquecer facilmente.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados