São muitas as explicações que tentam dar conta das mudanças importantes que estamos assistindo na capacidade de influência direta da grande mídia na percepção política e no comportamento eleitoral da população brasileira. Depois da primeira eleição presidencial após o período autoritário, realizada em 1989, pesquisas de opinião vêm registrando um lento – às vezes contraditório, mas sempre progressivo – descolamento da opinião dominante na grande mídia da opinião da maioria da população. Esse fato coloca em questão, por exemplo, o poder dos ‘formadores de opinião’ tradicionais e tem obrigado analistas e ideólogos a verdadeiros malabarismos teórico-explicativos.
Em tempos de tantas inovações tecnológicas, um dos fatores que certamente tem contribuído para essas mudanças é o crescimento avassalador do acesso de nossa população à internet, um meio de comunicação com características radicalmente distintas da velha comunicação de massa: interatividade versus unidirecionalidade.
Registre-se que o aumento da renda e avanços importantes na escolaridade de camadas significativas da população são pressupostos para que cresça o acesso à internet. E esses pressupostos estão, de fato, ocorrendo (ver, neste Observatório, ‘TSE & Escolaridade do eleitor: Obra-prima do jornalismo apressado‘).
Há de se considerar também que a inclusão digital é uma área onde as políticas públicas têm sido efetivas e têm provocado resultados positivos. Exemplos conhecidos são o programa ‘Computador para Todos’ e os telecentros dos ‘Pontos de Cultura’. Em 2007, pela primeira vez, a venda de computadores (10,5 milhões de unidades) ultrapassou o total de aparelhos de televisão comercializados no país.
Classe C plugada
Os últimos dados conhecidos sobre o avanço da internet no conjunto da população brasileira são realmente impressionantes.
Em dezembro de 2006, o Ibope/NetRatings divulgou informações referentes ao terceiro trimestre de 2007 que davam conta de que 39 milhões de brasileiros, acima de 15 anos, tinham acesso permanente à internet em diferentes ambientes – residência, trabalho, escola, cybercafé, bibliotecas, telecentros etc. Esse número significava um aumento de 21% em relação ao mesmo período de 2006.
Há poucos dias, a Associação de Mídia Interativa (IAB Brasil) revelou que 40 milhões de brasileiros já tinham acesso à internet e que a estimativa para dezembro de 2008 é de que o número chegará a 45 milhões – o que representa um crescimento de 15% em relação ao ano de 2007. Segundo Paulo Castro, presidente do IAB Brasil, ‘esse crescimento (…) consolida a internet como a segunda maior mídia de massa do país’. A primeira é a televisão (ver aqui).
Há, no entanto, um dado ainda mais interessante: quem são os brasileiros que acessam a internet? De acordo com o IAB Brasil, 37% dos internautas no ano passado eram da classe C. Cinqüenta por cento eram das classes A e B e 13% das classes D e E. Em 2008, a expectativa é que o segmento da classe C alcance 40%.
Multiplicação capilar
Para muitos observadores e analistas de mídia, a penetração impressionante da internet na população brasileira é um dado da realidade que ainda não foi totalmente ‘digerido’ e compreendido em todas as suas dimensões. Esse crescimento, por exemplo, ocorre simultaneamente a uma relativa estagnação da mídia impressa (à exceção de algumas revistas populares) e, sobretudo, dos principais jornalões da grande mídia.
Isso significa que, do ponto de vista do poder de influência da grande mídia e, sobretudo, dos seus ‘formadores de opinião’, os dados recentes indicam que algumas hipóteses já avançadas por ocasião da análise dos resultados das eleições de 2006 parecem se confirmar.
Parcela importante de nossa população (inclusive da classe C), historicamente excluída do acesso à mídia impressa, estaria hoje em condições de multiplicar as mediações das mensagens recebidas diretamente da internet e por intermédio de suas lideranças (que se utilizam intensamente da internet).
Na medida em que aumenta o acesso a fontes diferentes de informação e também o feixe de relações sociais ao qual o cidadão comum está interligado, diminui o poder de influência que a grande mídia tem de agir diretamente sobre a sua audiência (ouvintes, telespectadores e leitores) e se fortalece a mediação exercida pelas lideranças intermediárias.
Os ‘formadores de opinião’ tradicionais parecem estar sendo paulatinamente substituídos por ‘líderes de opinião’ locais que se utilizam cada vez mais da internet onde, inegavelmente, existe mais diversidade e pluralidade na informação.
O atual sucesso de alguns blogs em amplas camadas da população – e a capacidade incrível de multiplicação capilar de informações e análises – certamente é uma das conseqüências mais visíveis desse auspicioso processo.
Que assim seja!
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P.S. – A radicalização política disfarçada de jornalismo repete soluções ilustrativas que não só insultam presidentes democraticamente eleitos em seus países mas, sobretudo, agridem e desrespeitam a inteligência de leitores e leitoras. Um exemplo: as capas das edições 1174 de 23/10/2002 e 2051 de 12/3/2008 da revista Veja.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)