Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A lei do cabo, ao fim e ao cabo

Está aprovada a abertura integral da TV paga para as operadoras de telefonia, seja qual for a origem de seu capital. Houve os protestos de praxe, falando até em preservação da soberania e da cultura do país, feitos principalmente por empresas de TV (nem todas: a Globo, que poderá vender toda a Net ao grupo Claro-Embratel, do mexicano Carlos Slim, é a favor), houve os elogios de praxe, dos beneficiários, falando sobre os novos investimentos que permitirão o barateamento etc., etc., etc. e o acesso da TV a cabo a quem ainda não pode pagá-lo.

Brincadeira, claro; brincadeira de todos os lados. Ninguém vai deixar de ver novela brasileira para assistir às similares mexicanas, como ninguém deixou de ver filmes americanos por causa do cinema nacional. Os sertanejos têm mais seguidores fiéis do que os músicos internacionais. Ou seja, não é por aí. E, quanto a beneficiar as classes de menor renda, vamos falar sério: a internet oferecida por esses mesmos grupos no Brasil é cara, lenta e pouco confiável; a telefonia, embora tenha melhorado muito desde os tempos em que era estatal e tinha serviços pré-históricos, continua muito abaixo do nível internacional. É cara, cheia de zonas de sombra, plena de restrições aos clientes, e só funciona impecavelmente dentro dos presídios – uma daquelas coisas que ocorrem apenas no Brasil.

Esses grupos estrangeiros maravilhosos, cheios de capital para investir, dispostos a oferecer aos brasileiros um serviço de qualidade mundial, não conseguem garantir no Brasil mais do que 10% da velocidade contratada de internet – e isso é legal, oficial, por escrito! Você paga 1 mega e, se a empresa lhe fornecer 100 kb, fique feliz da vida. No apartamento de um leitor desta coluna, a instalação de fibra óptica quebrou sabe-se lá o que e a internet levou mais de uma semana para voltar (a propósito, devolveram o dinheiro pago pelo serviço não utilizado? O caro colega errou: devolveram, sim. Devolveram 55 centavos. Repetindo: cinquenta e cinco centavos por uma semana sem internet).

Mas aqui é Brasil, sil, sil. Tudo aquilo que este colunista aprendeu de economia – por exemplo, que a concorrência é essencial para a boa qualidade dos serviços e a manutenção ou redução dos preços – aqui parece ter sido esquecido. O que se vê na imprensa é que a formação de cartéis, cujo nome tucanado é “consolidação do setor”, é ótima para reduzir preços e ganhar eficiência.

Há um pessoal de Chicago que defende essa tese, sustentando que a globalização, ao permitir a concorrência internacional, força as empresas à eficiência e aos custos mais baixos (e, sendo maior, ganha poder para negociar com seus fornecedores, beneficiando o consumidor final); mas outras correntes do pensamento econômico, cuja posição é oposta, não aparecem nos meios de comunicação. As experiências de “consolidação” – sendo a principal a união de Brahma e Antarctica – não reduziram preços.

A propósito, “o grande grupo nacional”, que competiria internacionalmente com a bandeira brasileira, tem hoje sede em Leuven, na Bélgica.

É esperar para ver o que acontece. E, a julgar pela experiência com esses grupos no setor de telecomunicações, precisaremos esperar com muita calma.

 

A culpa é da imprensa

Um funcionário do Ministério da Agricultura informa que a propina está institucionalizada. Uma firma ligada à área agrícola põe seu jatinho à disposição do ministro. Um lobista sem qualquer cargo no governo tinha um gabinete no ministério e entrava e saía como se estivesse em casa. O cavalheiro que tocava o mMinistério, “o número 2 do ministro”, foi afastado em virtude das suspeitas.

Mas quem derrubou o ministro foi a imprensa, segundo ele mesmo disse. Talvez tenha razão: sem a imprensa para divulgar a gandaia, quem ficaria sabendo dela? É por isso que tem tanta gente querendo “controle social”. Para quem faz o que faz, a situação ficaria bem mais confortável.

 

O todo-poderoso

Ao deixar o Ministério da Agricultura, o ministro Wagner Rossi responsabilizou por sua queda um político capaz de pautar simultaneamente um grande jornal e uma grande revista. E, em cada conversa que teve depois disso, contou sigilosamente aos interlocutores que se referia a José Serra.

É engraçado: normalmente, quando se acusa a imprensa de alguma coisa, é de se dobrar aos poderosos – àqueles que podem oferecer benefícios, incentivos, anúncios, até mesmo notícias. Serra não tem cargo político, perdeu as eleições, seu partido faz o possível e o impossível para marginalizá-lo, seus aliados políticos em São Paulo foram transferidos para cargos na Cesta Seção.

Futuro? Serra já perdeu duas eleições presidenciais e tem de enfrentar dentro do partido tanto o governador Geraldo Alckmin quanto o senador Aécio Neves, que também querem a Presidência. O máximo que lhe oferecem é a candidatura a prefeito de São Paulo (e, como sabe até o fixador dos fios de cabelo do governador Alckmin, ele fará declarações de amor a Serra, mas o candidato que apoiará de verdade é o hoje peemedebista Gabriel Chalita, seu velho amigo).

Agora, informa-se que em plena baixa, Serra manda na pauta de dois dos mais importantes veículos da imprensa brasileira. O ministro que caiu deveria, em vez de criticá-los, elogiá-los por manter a fidelidade a quem nada lhes pode dar em troca.

Mas isso não é importante: o importante é botar a culpa na imprensa.

 

O nome e a profissão

Adolf Hitler era pintor de paredes. Alguém acharia justo escrever algo como “pintor leva o mundo à guerra”? Bashar al-Assad, presidente da Síria, é médico. Seria correta a manchete “Médico manda alvejar manifestantes em Hama”?

Não, não seria. Mas quando uma jovem, provavelmente alcoolizada, joga um jipe blindado na calçada, atropelando e matando um rapaz, os títulos só se referem a ela como “nutricionista”. De repente, a jovem perdeu o nome; e todas as referências ao atropelamento e morte a identificam pela profissão.

Mas como saber de quem se trata se a identificarem pelo nome? Da mesma maneira como se marcou a identidade pela profissão: insistindo. Quando o noticiário negativo envolveu um jornalista, a identificação básica não era “jornalista que matou a namorada”, mas Pimenta Neves, ou simplesmente Pimenta, ou até mesmo “jornalista Pimenta Neves”. Identificar uma pessoa envolvida em noticiário negativo pela profissão que exerce, sem que os fatos de que é acusado tenham relação com essa profissão, é carimbar todos os profissionais da área. É injusto.

 

A profissão e o nome

O publicitário Luís Grottera protesta contra um título inicial (e os demais que se seguirem) no qual o acusado de um crime é sempre identificado como “publicitário”. Eis o primeiro título: “Publicitário é preso por sequestrar garota e levá-la a motel”. E o protesto de Grottera – justíssimo:

“Algum iluminado poderia explicar a ética do jornalismo quando escreve esse tipo de manchete? Quem cometeu a animalada foi um HOMEM. Não um publicitário, médico, engenheiro… Se quiserem adjetivar, que tenham coragem. Chamem-no de escroto, mas não sujem a imagem de uma categoria profissional que nada tem a ver com a estupidez que um doente carrega na cabeça.”

E Grottera entende da coisa: as marcas são sua especialidade. Ele sabe que não é correto, não é aceitável, atribuir a uma categoria profissional um ato cometido por uma pessoa cuja profissão não tem nada com isso.

 

Lula, por Nêumanne

Já está nas livrarias (e tem lançamento em São Paulo na terça-feria, 23/8, na Livraria da Vila, da Vila Madalena, em São Paulo): O que sei de Lula, por José Nêumanne Pinto, chefe dos editorialistas do Jornal da Tarde e comentarista político da Rádio Jovem Pan. Nêumanne conhece Lula desde o tempo em que o então líder sindical usava barba preta desgrenhada, fazia cara feia para as fotos e usava uma camiseta com a frase “Hoje eu não tô bom” (dizem até que, naquela época, Lula era petista). Nêumanne também teve bom relacionamento com uma aliada próxima de Lula, a ex-prefeita paulistana Luiza Erundina, sua conterrânea de Uiraúna, Paraíba – e poucos, como ela, conheceram a trajetória política daquele que seria presidente da República. Deve ser um bom livro: Nêumanne, diferente de outros biógrafos de Lula, não tem por ele aquela reverência que distorce o raciocínio.

 

A cultura na economia

Um dado pouco conhecido: o setor cultural gera 1,6 milhão de empregos no país e envolve 321 mil empresas. É muito? O governo não acha: entre 2003 e 2006, os gastos do Ministério da Cultura jamais ultrapassaram 0,05% do orçamento total da União.

Talvez Economia da Cultura, de Lusia Angelete e Manoel Marcondes Neto, consultores na área de gestão e produção cultural, seja o primeiro livro brasileiro a tratar da cultura como atividade econômica, geradora de emprego e renda. O livro tem lançamento marcado para quarta (24/8), na Livraria Leonardo da Vinci, Avenida Rio Branco, 185, no Rio; e em 20 de setembro na Livraria da Vila da Alameda Lorena, em São Paulo. Estará disponível também em e-book.

 

Como ele fala

Da coluna de Ancelmo Góis, em O Globo:

“O ministro Luiz Sérgio, da Pesca, enrolou-se com o texto (…), num discurso para empresários brasileiros e noruegueses, em Trondheim, na Noruega – e, digamos, pescou letras trocadas. Disse que a baixa produção de pescado aqui se ‘basia’ (ai!) em várias causas, e que é preciso resolver esta baixa ‘taixa’ (aaii!). Além disso, falou ainda em ‘aviãos’ (aaaiii!) e num ‘gordo intervalo de tempo’ (hã?!)”

 

Como ela fala

De uma autoridade, comentando as denúncias de trabalho análogo à escravidão que envolvem a rede espanhola de lojas Zara:

“A tercearização” (…) “a empresa tercearizada”.

 

Como a imprensa fala

O ministro da Educação, Fernando Haddad, aquele que não só aprovou como defendeu aquele livro de gramática cumpanhêra, do “nóis pega os peixe”, se prepara para novos voos: quer ser candidato a prefeito de São Paulo. Este colunista espera que a imprensa não pegue no seu pé. Porque coisas como…

“Senadores aprova novo rito das MPs, ou Açúcar e álcool criou quase metade dos empregos na indústria paulista”

…não estão na gramática cumpanhêra, não.

 

Como…

Da seção de Esportes de um grande jornal:

** “Hoje o número 1 do mundo tem 12.860 pontos no ranking contra 11.770 do segundo colocado, o que obriga Nadal a fazer quase 2.000 pontos a mais que o sérvio, na parte final do ano”.

“Quase dois mil pontos” significa, precisamente, 1.091.

 

…é…

De um grande jornal, descrevendo uma cena de novela:

** “Após pular de helicóptero de um avião que se esborrachou, ele disse: ‘Pronto, morri!’”

“Helicóptero” é o apelido que o jornal dá àquilo que o vulgo chama de “paraquedas”.

 

…mesmo?

Da internet, que nunca nos falha, comentando a vida de David Beckham:

** “Beckham ajuda na amamentação de filha recém-nascida”

É, o mundo está mesmo mudado.

 

Mundo, mundo

Houve época, na imprensa, em que os redatores caprichavam para conseguir um título de duplo sentido. Em seguida, tinham de convencer os editores de que o título não era de mau gosto, não. Certa vez, o grande Renato Pompeu, redator fantástico, pegou uma pequena notícia a respeito de uma galinha que tinha botado um ovo de 160 gramas. Seu título: “E a galinha penou”.

Era um título ótimo, ousadíssimo para a época. Tão ousado que o tio do Renatão, o rígido Hélio Pompeu, subsecretário da Redação, não hesitou em vetá-lo.

Hoje a coisa corre solta, mas com um problema: andam soltando títulos com vários sentidos sem sequer perceber o que está saindo. Alguns bons exemplos:

** “Os partidos e seus membros malditos”

** “Tops brasileiras posam de biquíni e viram programa”

** “‘Sexo não é só bacanal. É muito mais profundo’, diz Erasmo Carlos”

E não é que ele tem razão?

 

E eu com isso?

Assad fica ou não fica? E Kadafi, perde, ganha ou empata? Não: não adianta estar bem informado sobre isso. Para bater um papinho legal, é preciso saber aquelas coisas que emocionam multidões.

** “Sem maquiagem, Galisteu circula com marido”

** “Julia Roberts e a família curtem férias no Havaí”

** “Ex de Latino, Mirella Santos muda status do Facebook para ‘noiva’”

** “Suri Cruise coloca o dedo no nariz durante voo de helicóptero em Nova York”

** “Joana Balaguer é fotografada passeando em Ipanema, no RJ”

** “Dançarina de Mr. Catra exibe boa forma em praia carioca”

** “Grazi Massafera e Cauã Reymond vão à praia juntos”

** “Malvino Salvador e Sophie Charlotte vão à praia juntos no Rio”

** “Com vestido ousado, Nana Gouvêa vai ao Circo da China”

** “Gisele Bündchen é fotografada na praia com filho, pelado”

Que escândalo! O homenzinho já tem um ano e oito meses!

 

O grande título

A safra é boa, mas não há competição possível. O vencedor leva fácil!

Mas vejamos:

** “Veado se esconde em prédio na Bahia”

Curioso: que é que fazia o cervídeo dentro de uma cidade?

** “Administração de Brasília não vai impedir shows de açougue cultural”

Para quem mora por lá, certamente deve ter sentido.

Mas o campeão é uma obra-prima:

** “CEMHS vivencia rodízio de funções na área de Facilities”

Como não diria o Piu-Piu, quer dizer alguma coisa, quer sim.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]