Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A luta pela defesa

O advogado Oliveira Neves, apontado numa reportagem como incentivador da sonegação, entrou na Justiça pedindo direito de resposta. O caso é interessante, independente de quem tenha razão: diante da atual onda de denúncias, muitas vezes sem que o acusado seja ouvido, muitas vezes com sua posição registrada burocraticamente, como garantir na imprensa o direito de defesa? Será preciso recorrer à Justiça para ter sua posição registrada?

A saída jurídica, utilizada por Oliveira Neves, é tão cara e demorada que, quando a resposta efetivamente é publicada, ninguém mais lembra qual a acusação que a motivou. Há a saída do anúncio; mas é caro, não tem a credibilidade de uma reportagem, e traz ainda outro problema, que é beneficiar financeiramente o veículo da acusação. E há a carta à Redação, uma boa solução – mas que sofre limites de espaço (algumas linhas para rebater uma página inteira), só é publicada rapidamente pelos órgãos mais éticos, e provoca, entre os leitores, uma certa irritação, já que ocupa parte do espaço de cartas que lhes seria dedicado.

A melhor solução, claro, seria a reportagem bem feita, que coloque ataque e defesa e ouça com isenção todos os envolvidos. É coisa rara: até quando ouve o outro lado, o que se tem, normalmente, é uma retranquinha burocrática, mais para constar do que para completar a matéria. O cavalheiro é acusado de ter sido condenado por estelionato nos Estados Unidos, prova com documentos que jamais saiu do Brasil e sua defesa sai mais ou menos como ‘Fulano nega as acusações’. De qualquer maneira, é um debate que precisa ser travado. Ou a frase memorável do advogado José Luís Oliveira Lima ao NoMínmo estará correta: ‘Todo jornalista deveria figurar como réu num processo, pelo menos uma vez na vida, para ter noção do que é o direito de defesa’.



Defesa? Que defesa?

Está nos jornais: o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), acompanhado dos promotores que investigam o assassínio do prefeito de Santo André, Celso Daniel, ouviu duas testemunhas que teriam presenciado o momento do seqüestro. A imprensa, que não esteve presente, recebeu apenas as versões oferecidas pelo senador e pelos acusadores. A defesa não foi convidada a participar da conversa e não pôde, portanto, apresentar sua versão dos fatos. Este também é um debate interessante: como deve a imprensa se comportar se é afastada dos fatos e se recebe apenas a visão de um dos lados? Se só a versão dos acusadores é divulgada, como se pode garantir um mínimo de imparcialidade?



Pasteurização

Todos os jornais parecem iguais: os jovens desempregados descendentes de imigrantes muçulmanos, sem perspectivas, começaram a botar fogo em automóveis na França. Será que é essa a verdade? Será que os benefícios sociais, o salário desemprego, a escola pública e gratuita de alta qualidade não têm qualquer efeito sobre a maneira como os jovens incendiários vêem a vida?

Um fato inegável normalmente é esquecido: os imigrantes desempregados na França, por pior que estejam, estão em melhor situação que o cidadão comum dos países de onde vieram, como o Gabão ou a Costa do Marfim – e estão conscientes disso. Será que a onda fundamentalista muçulmana que a Arábia Saudita e o Irã patrocinam nada têm a ver com a revolta? O grito ‘Allah Akhbar’, Deus é Grande, será apenas uma expressão de fé ou a razão básica da revolta?

A propósito, o jornalista palestino Joseph Farah, radicado nos EUA, escreveu no World NetDaily.com um artigo interessantíssimo a respeito da intifada européia. Leia abaixo.

A solução para a França: um estado Paristino

Joseph Farah (copyright WorldNetDaily.com)

Tudo bem, já chega.

Está claro que a França já não controla mais sua população.

Está claro que milhões de pessoas dentro de suas fronteiras estão lutando por liberdade e independência.

Está claro que essas pessoas não estão fazendo tumultos violentos apenas por fazer, eles respondem à opressão por parte das autoridades francesas.

Está claro que seu levante não pode ser respondido com violência por parte do Estado, pois isto apenas levaria a um círculo vicioso de violência.

Está claro que estes ‘combatentes da liberdade’ – que eu apelidei de paristinos – querem seu próprio Estado.

Está claro que a comunidade internacional deve forçar a França a sentar-se numa mesa de negociações com esses que lutam pela liberdade, para iniciar um processo de paz que inevitavelmente levará à criação de um estado autônomo e independente da Paristina.

Se isto é bom para Israel, também é bom para os franceses, que têm sido os líderes do movimento global para forçar o Estado judeu a conciliar com terroristas.

Precisamos parar de nos referir a esta intifada na França como meros ‘distúrbios’. Trata-se de um movimento de autodeterminação. Trata-se de um movimento por independência. Trata-se de um movimento para libertar-se do imperialismo.

A analogia é válida.

O presidente da França é capaz de ver o cisco nos olhos dos outros, mas não a pedra que lhe atiram no próprio olho.

É hora de a França acabar com a hipocrisia.

É hora de a França tomar uma boa dose da medicação que tem receitado para Israel.

É hora de acabar com o apartheid em meio à sua população. É hora de a França parar de tratar aqueles pobres imigrantes muçulmanos como cidadãos de segunda classe. É hora de aceitar a única solução permanente capaz de arrancar a raiz do problema na sociedade francesa: o reconhecimento dos paristinos como parceiros legítimos de negociação.

Chega de balas de borracha!

Chega de repressão policial!

Chega de exigir moderação!

Chega de ameaças!

Antes que este ciclo de violência se espalhe por toda a Europa, a França precisa fazer a coisa certa.

Os franceses vêm falando demais há muito tempo. Se o apaziguamento era a solução no Iraque, também é a solução para a revolta paristina de agora. Se o apaziguamento era a solução para Hitler, também é a solução para a revolta paristina de agora. Se o apaziguamento era a solução para Israel ao lidar com o problema palestino, é também a solução para o atual levante paristino na França.

Se a França tem esse tipo de problemas sistêmicos com sua população muçulmana, então é hora de partilhar o território da França. É hora de criar um Estado muçulmano independente. Afinal, não é isto o que a França e outros países europeus determinaram ser a solução apropriada para Israel?

Esses ataques não são apenas tumultos violentos. Isto é uma intifada – exatamente como a que se iniciou, no ano 2000, dentro de Israel e ao seu redor.
A França e outros países, incluindo os Estados Unidos, têm exigido que Israel reaja aos ataques entregando territórios aos amotinados e homens-bomba suicidas. Esta é a única solução viável, de longo prazo, segundo eles. Alegam que tal violência jamais cessará até que aqueles que são oprimidos por Israel sejam contemplados com um estado próprio, independente e autônomo.

Por que a solução deveria ser de alguma forma diferente na França?

Parem a violência! Agora – não a passo de tartaruga. É chegada a hora de começar a conversar com os paristinos sobre a sua futura nação da Paristina.
 



O presidente

Tem gente que não sabe quando está ganhando e insiste em jogar fora suas melhores chances. O presidente Lula mostrou mais uma vez, na entrevista ao Roda Viva, que é excelente no duelo com os jornalistas. Foi pressionado, especialmente por Heródoto Barbeiro e Augusto Nunes, e saiu-se com brilhantismo. Num programa desse tipo, um entrevistado experiente leva vantagem: Lula pôde, por exemplo, defender sua opção pela compra de um avião novo, sem explicar por que deixou de lado um produto nacional, o Embraer Legacy, que custaria metade do preço, em reais, e ainda faria propaganda da indústria brasileira de ponta. Não é culpa dos entrevistadores: a menos que sejam agressivos a ponto de desagradar o telespectador, o entrevistado leva vantagem.

E por que Lula insiste em negar entrevistas? Em parte, porque não acredita na necessidade de prestar contas; em parte, porque acredita que, falando diretamente ao povo, não precisa da intermediação da imprensa. Um artigo que vale a pena sobre a relação de Lula com os jornalistas é o de Miriam Leitão, em O Globo. Brilhante! Leia abaixo.

Não-amestrados

Miriam Leitão (copyright O Globo, 3/11/2005)

Os jornalistas fizeram perguntas ao presidente Lula sobre Cuba. Lula achou um absurdo que eles não se ativessem à Jamaica, que ele, Lula, considerava ser o assunto oportuno no momento. Chamou os repórteres de mal-educados. Depois eles foram repreendidos por um assessor que disse que o presidente considerava ‘inaceitável’ o comportamento dos jornalistas.

Inaceitável é o comportamento do presidente e do governo dele. Deu apenas uma entrevista coletiva durante três anos, tentou expulsar um jornalista americano, tentou aprovar um conselho para censurar a imprensa e uma agência para ameaçar os meios de comunicação, concedeu uma entrevista com cara de coisa arranjada em Paris, seu então ministro das Comunicações, Luiz Gushiken, disse que jornalistas têm de dar notícias otimistas, multiplicou as publicações e órgãos oficiais, transformou a Agência Nacional em centro de propaganda e demonstra por atos e palavras que não entendeu até agora por que os governantes devem falar com os jornalistas.

Governantes não falam com a imprensa porque gostam dos jornalistas. É aceitável que o presidente Lula não goste. Falar com jornalistas é um dos meios de prestação de contas à sociedade. O governo Lula já pode ser considerado o mais autoritário do período democrático no trato com a imprensa. E disputa cabeça a cabeça com alguns do regime militar.

O presidente João Figueiredo não gostava de jornalistas, em particular, e do povo, em geral – tinha preferência por cavalos – mas sempre respondia a perguntas quando abordado em solenidades do Itamaraty e em viagens internacionais. Na falta de uma rotina democrática de entrevistas, essas abordagens, anárquicas, eram a única forma de entrevistá-lo. Participei de várias dessas entrevistas arrancadas pelos nossos maus modos. Uma das vezes, no Paraguai, tive os documentos retidos pela polícia de Stroessner, que achara meu comportamento, de abordar o presidente Figueiredo, inaceitável. O ex-ministro da Comunicação Social Said Farhat resgatou meus documentos e a noção do que era aceitável ou não.

Tim Padgett, outro dos vencedores deste ano do prêmio Maria Moors Cabot, da revista ‘Time’, num dos debates em Nova York, disse que tem mais facilidade de falar com Hugo Chávez do que com as autoridades petistas.

– Lula não dá entrevista. Na época de (Fernando Henrique) Cardoso, tínhamos mais informação, mas com Lula no governo somos tratados como gringos dos quais querem distância. A ironia é que quando estavam na oposição eram bem acessíveis.

Numa reunião no ‘New York Times’, ouvi referência ao episódio da quase expulsão do correspondente Larry Rohter, como exemplo da dificuldade de atuar na América Latina. Lembrei que essa estranha idéia fora do presidente Lula e dos seus assessores de imprensa, mas que a sociedade brasileira e os jornalistas haviam reagido instantaneamente contra o ato autoritário, forçando o governo a recuar.

Liberdade de imprensa é algo a ser conquistado e ampliado sempre. É uma longa caminhada, onde às vezes ocorrem retrocessos. No ranking do Repórteres Sem Fronteiras, os Estados Unidos caíram vinte pontos, para o 44º lugar, por causa da prisão da jornalista Judith Miller e iniciativas do governo Bush para pressionar jornalistas a evitar coisas como as fotos dos mortos no Iraque. No Canadá também ocorreram pressões judiciais contra jornalistas para que eles divulguem suas fontes, e o país também caiu para o 21º lugar. O temor é que isso inaugure uma era de destruição da prerrogativa do jornalista de manter reservada a identidade das fontes. O direito inclui o dever do jornalista de evitar a manipulação, como a que ocorreu com alguns jornalistas americanos em relação à suposta existência de armas de destruição em massa no Iraque. O Brasil está no 63º posto – também caiu no último ano. Classificações mundiais são sempre bem discutíveis, mas a do Repórteres Sem Fronteiras é feita por 14 instituições de defesa da liberdade de imprensa, que usam informações de 130 correspondentes no mundo inteiro.

No Brasil, há muitas ameaças, além das diversas insinuações autoritárias do governo, à liberdade da imprensa regional, por parte dos grupos de interesse e econômicos locais. O repórter paraense Lúcio Flávio Pinto foi um dos escolhidos este ano para o prêmio International Press Freedom do Committee to Protect Journalists em Nova York, no próximo dia 22. Lúcio Flávio não pode viajar para receber porque está respondendo a 18 processos. A maioria movida pela família Maiorana – ele foi vítima até de agressão física por parte de Ronaldo Maiorana – e outro processo de Cecílio Rego de Almeida, que alega ser dono de uma extensa área na Terra do Meio. O Brasil vai fazer um papelão no Waldorf Astoria, diante da imprensa internacional, se Lúcio Flávio for impedido de ir.

Há muito ainda o que caminhar no Brasil. Nessa caminhada, jornalistas, por vezes, serão considerados mal-educados por governantes que preferem os amestrados. O grande risco é o governante sem a devida educação institucional. Uma jornalista francesa, Adèle Toussaint-Samson, que viveu alguns anos no Brasil no século 19, publicou suas impressões, em capítulos, no ‘Figaro’. Alguns brasileiros acharam os textos inaceitáveis e pediram a D. Pedro 2º que pressionasse o jornal. Ele se negou a fazer isso e explicou que ‘os povos, como os indivíduos, não podem julgar a si próprios’.

Um governante educado!



Delícias

Para este colunista, é o melhor título que um jornal já publicou neste ano:

Suínos podem perder US$ 100 milhões por greve‘.

Outra coisa deliciosa saiu – ou melhor, saíram – numa coluna: a mesma notícia, sem qualquer modificação, foi publicada duas vezes.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados