Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A mídia está muito boazinha

Um brasileiro foi seqüestrado no Iraque. Nos primeiros dias, TV, jornais, rádio, internet, blogs. Hoje, passado pouco tempo – nem dois meses! – não se fala mais no assunto. Para nossos meios de comunicação, ele faz parte do passado.

Um promotor público assassinou sua esposa grávida e foi condenado a 16 anos. Não assistiu ao julgamento. Seu advogado prometeu que ele se apresentaria em 24 horas. Já se passaram mais de mil dias e o promotor assassino continua foragido. Nenhum repórter vai perguntar ao advogado – hoje prócer nacional – se fará algo para que o criminoso se apresente. Ninguém pergunta à polícia como anda a investigação para capturá-lo. Ninguém pergunta ao Ministério Público se, como acontecia até não muito tempo atrás, ele continua recebendo como se estivesse trabalhando. Para nossos meios de comunicação, ele faz parte do passado.

Um juiz foi condenado por assassinar a esposa. Está preso – em cela especial, naturalmente. Continua recebendo seus vencimentos, normalmente. Mantém, tranqüilamente, o cargo que ocupava, embora não possa exercê-lo. O magistrado que faz o trabalho do juiz que está preso não pode ser titular, já que o posto não vagou; é, portanto, substituto. Nenhum repórter quer saber quando é que ele deixa de receber, se é que isso vá acontecer; nem quando perderá o posto que não pode ocupar. Para nossos meios de comunicação, ele faz parte do passado.

O brasileiro, como mostram esses exemplos, nem sempre é bonzinho. Muitas vezes é mau, é feroz. Mas nossos meios de comunicação, exceto nas poucas ocasiões em que decidem perseguir alguém, estes são mesmo muito bonzinhos.



Quem manda

E, por falar em meios de comunicação bonzinhos, por que será que a guerra do presidente Hugo Chávez contra a Coca-Cola venezuelana praticamente não apareceu em nossa imprensa? Até que poderia: é raríssimo que a Coca anuncie em veículos impressos. O grosso de sua verba é gasta em TV. Será que a propriedade cruzada, em que o mesmo empresário é dono tanto de emissoras de TV e rádio quanto de veículos impressos, faz com que jornais respeitem anunciantes de TV?



Como é mesmo?

Falar mal do governo é uma delícia. Falar mal do governo é um esporte nacional. Falar mal do governo, para os jornalistas, é necessário: jornalismo, como ensina Millôr Fernandes, é oposição. Mas é preciso saber falar mal. Sem um mínimo de base, a crítica vira pura fofoca. E haja bobagens!

Um bom exemplo é assinado por quatro jornalistas de fama, críticos dos juros altos, da submissão-ao-FMI-e-ao-capital-especulativo, do imperialismo americano, do desvio-de-rota-do-PT-que-traiu-seus-eleitores, e, naturalmente, no neoliberalismo – seja lá isso o que for. O problema é o crescimento de 5,2% do PIB – um crescimento que, segundo os críticos mais radicais, não poderia ocorrer, por causa dos juros etc., etc. Então, dizem com todas as letras que pelo menos metade do crescimento do PIB se deve ao aumento da carga fiscal.

Nossos colegas resolveram todos os problemas do mundo! Para que a economia cresça, para que sejam criados empregos, para que o bem-estar econômico se generalize, basta aumentar extorsivamente os impostos! Enfim, é a velha história: quando os fatos não batem com a teoria, danem-se os fatos.



Lá e cá

A notícia é clara: representantes de duas grandes empresas anunciaram ao governador do Amazonas, ‘em visita à sede do governo’, que vão se instalar no Pólo Industrial de Manaus. Já a agenda do governador informa que teve a reunião com as empresas não na sede do governo estadual, mas em São Paulo. Nada muito importante: apenas alguns milhares de quilômetros entre uma notícia e outra.



Merchandising

Colegas jornalistas, já está na hora de discutirmos o que é informação e o que é publicidade. O fato é que todos os dias, nas mais diversas colunas, chamam nossa atenção para algum modismo – o fulano que usa uma bolsa estampada com seu retrato, ou um sapato com chifre de unicórnio no contraforte, ou uma balinha que é tiro e queda para emagrecer, feita com esporão de escargôs tailandeses criados especialmente num mosteiro – e, em seguida, vêm o nome, endereço e telefone de quem vende o estranho produto. Antigamente, isso se chamava ‘malho’. Hoje, naturalmente, deve ter um nome mais científico, em inglês.

Que saudades do tempo em que o anúncio era cercado por fios! Hoje, o anúncio é amplo, geral e irrestrito.



Mas é Carnaval

Uma coisa fantástica aconteceu no Carnaval. Jornalistas conhecidos eram abordados pela reportagem das emissoras de TV e tinham de responder a alguma pergunta. Não importava a pergunta, vinha a resposta: ‘Antes de responder, eu gostaria de mandar uma saudação ao Dr. Fulano, meu cirurgião plástico, uma figura humana maravilhosa!’ Ou, ‘boa noite aos telespectadores e um abraço à Dra. Fulana, da Clínica X, que foi ótima quando estive lá para fazer uma lipo’. E lá vai mais merchandising.



Frases brilhantes

** De um portal eletrônico dominado por tradutores nem sempre fiéis, referindo-se às críticas americanas às polícias estaduais brasileiras: ‘EUA denunciam abusos cometidos por governos estatais no Brasil’.

** De um fabricante de bolos e biscoitos, num anúncio que merece ficar na História, uma frase que é mais ou menos a seguinte ‘A porta de nossos fornos está esperando por você’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação