Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Olimpíada, no jornal e na vida real

Lembre, não faz tanto tempo: de acordo com os meios de comunicação de todos os países, apoiados em estudos científicos absolutamente inatacáveis e em entrevistas com os mais renomados especialistas do mundo, o ar poluído de Pequim iria prejudicar muito o desempenho dos atletas. Ninguém é de ferro: como atingir a máxima performance respirando aquele ar que dava para cortar com faca?

Pois é: esqueceram de avisar o Usain Bolt e o Michael Phelps. Quem tinha o que mostrar, mostrou; os recordes mundiais caíram em penca. E, talvez por ter procurado nos meios de comunicação com menos atenção do que seria desejável, este colunista não viu uma notícia sequer dizendo onde é que a imprensa tinha errado. Será que a poluição de Pequim não é tão forte quanto se imaginava, será que os efeitos da poluição sobre atletas bem treinados são menos graves do que se pensava? Cadê as entrevistas com os mesmos especialistas da catástrofe ambiental, desta vez a respeito da chuva de recordes mundiais?

O regime comunista chinês tem problemas em quantidade: a falta de liberdade de expressão, a maciça aplicação da pena de morte, a ditadura de partido único, o caso do Tibete, o apoio a um regime, como o sudanês, que massacra seus próprios cidadãos. São inúmeros defeitos, são defeitos graves, são defeitos criminosos. Para criticar a China, basta citar os defeitos que existem. Não é necessário, nem ético, inventar defeitos que não existem.



Gravar, não: analisar

O promotor Rodrigo de Grandis disse à imprensa que não existe Estado policial no Brasil, ‘porque há juízes, advogados e Judiciário devidamente constituídos’. A imprensa tem obrigação de noticiar, tanto em respeito ao entrevistado como ao público, que precisa saber o que pensam as pessoas a quem paga salários. Mas, se internet e rádio divulgam simplesmente a notícia, cabe aos jornais e revistas uma tarefa que, no caso, não foi desempenhada: colocar a informação no contexto. Mostrar, por exemplo, que na época da ditadura militar o Brasil era um Estado policial e tinha juízes, advogados e Judiciário devidamente constituídos. Na União Soviética de Stalin havia juízes, advogados e Judiciário devidamente constituídos. E um promotor soviético, Andrei Vishinsky, ficou famoso em todo mundo por sua atuação nos Processos de Moscou.



Recordando

O mesmo promotor Rodrigo de Grandis disse que é preferível o Estado policial ao Estado marginal.

Há duas possibilidades: ou os meios de comunicação publicaram errado (e, neste caso, este colunista terá o maior prazer em publicar na íntegra o desmentido do promotor) ou as declarações de Rodrigo de Grandis são essas mesmo. Neste caso, jornais, revistas e blogs não podem deixar de contextualizar o que ele disse. Primeiro, porque a opção não é esta: é entre civilização e barbárie. Segundo, deve-se ouvir gente de alto nível sobre o tema. Por exemplo, os promotores Hélio Bicudo e Djalma Barreto. Ambos combateram o Esquadrão da Morte, nos tempos da ditadura. Certamente têm muito a dizer sobre este tipo de pensamento.



A opinião de quem sabe

Este colunista foi buscar uma opinião abalizada, de uma pessoa, há anos falecida, que nada tem a ver com os acontecimentos recentes: o desembargador Sylvio Barbosa, até hoje lembrado como juiz severo e homem de grande seriedade. Sua frase: ‘Há dois tipos de juiz, o justo e o justiceiro. O justo condena um cidadão a 30 anos de prisão e chora. O justiceiro condena o cidadão a 30 anos de prisão e se regozija. Cuidado com os justiceiros!’



O estádio do Corinthians

Todos os dias, nos mais variados meios de comunicação, há notícias sobre o futuro estádio do Corinthians, a ser construído por um consórcio que, como pagamento, irá explorá-lo durante alguns anos. Discute-se a parte jurídica, as garantias, o tempo de construção. Mas este colunista não viu na imprensa, até agora, uma questão da maior importância: como é que se pensa em construir um estádio numa via congestionada como a avenida Marginal do Tietê, longe de qualquer tipo de transporte de massa? Se a Marginal é quase intransitável hoje, como ficará ao receber 40 ou 50 mil torcedores? Que pensam os especialistas em trânsito e transportes a respeito da construção de um estádio numa das avenidas mais congestionadas de São Paulo?

O mundialmente famoso Estádio de Wembley fica bem longe do centro de Londres. Mas, a seu lado, está uma linha de trem que leva direto à Victoria Station, uma das principais estações de metrô, trem e ônibus da cidade. Wembley fica vazio em 30 minutos e pouquíssima gente vai de carro para lá.



Robusto, potente, caro

Quem levantou a lebre foi o portal AutoInforme, de Joel Leite: nos últimos sete anos, o preço dos carros subiu 75% no Brasil, contra 51,9% da inflação. A coisa passou despercebida por dois motivos: primeiro, porque as empresas estão aumentando os carros em porcentagens pequenas, em intervalos também pequenos; segundo, porque os meios de comunicação costumam tratar de carros em termos de beleza, design, conforto, velocidade, e esquecem o preço. Até engolem as histórias do ‘sem juros’ – como se os bancos, que financiam a festa, dessem dinheiro sem juros, taxas, emolumentos e honorários, só para facilitar as vendas.



O preço do combustível

O governo brasileiro está segurando o preço dos combustíveis já há uns dois anos, de um lado para conter a inflação, de outro para alegrar a classe média. Só que isso distorce o mercado: carros com motores cada vez maiores, e mais gastadores, levam vantagem sobre os modelos comuns. Nos Estados Unidos, onde a gasolina segue as flutuações do petróleo, os SUV – os jipões – estão em queda, No Brasil, sua participação de mercado tende a crescer.

Para a imprensa automobilística, isso não conta: é como se a gasolina fosse continuar eternamente barata, independente do mercado mundial. E quando subir, que é que vamos dizer aos nossos consumidores de informação?



Como…

Do noticiário sobre o incêndio no Teatro Cultura Artística, no centro de São Paulo:

1. ‘Apenas afresco de Di Cavalcanti saiu intacto do incêndio que durou mais de quatro horas em SP’

Afresco é uma pintura sobre gesso ou argamassa. A obra monumental de Di Cavalcanti é um painel, um mosaico, feito de pastilhas. Pode ser tudo, menos afresco.

2. ‘(…) os dois pianos Steinway, que viviam no teatro’.

O fogo, infelizmente, fez com que os dois pianos viessem a óbito.



…é…

Texto de um blog político:

** ‘(…) Governo Federal entra com a verba e a prefeitura (…) com o `trololó´’.

A última vez em que se tinha falado de verba e ‘trololó’ deve ter sido naquele caso dos dólares na cueca.



…mesmo?

O portal de um grande jornal, noticiando o acidente de avião de Madri, informa que um bebê de oito meses perdeu o pai e teve a mãe, em estado gravíssimo, internada num hospital. O parágrafo final da notícia informa que o bebê de oito meses ‘perguntava insistentemente por seus pais’.



Notícia que falta

Um importante portal noticioso relata a morte de um brasileiro recém-casado no acidente de Madri. O portal traz uma entrevista com sua irmã, dá a data do casamento, revela até o nome de sua esposa. Mas não informa se ela estava no avião. Uma pesquisa no espanhol El País mostra que ela estava, sim. Quem redigiu a notícia para o portal brasileiro poderia ter feito a mesma pesquisa.



Notícia que faltava

Ari Cunha, veterano da fundação de Brasília, colunista e vice-presidente do Correio Braziliense, acaba de lançar um blog. Nele, amplia o noticiário de sua tradicional coluna ‘Visto, Lido e Ouvido’, e inclui vídeos e podcasts. Cunha admite que por muito tempo resistiu ao computador. Mas, ao verificar que ganharia condições de informar melhor, com som e imagem, mergulhou de cabeça. O blog tem uma garantia: poucos conhecem Brasília como Ari Cunha.



Coisa feia

Antônio Imbassahy, candidato do PSDB à prefeitura de Salvador, conseguiu da Justiça que censurasse a rádio Metrópole e a proibisse de citar seu nome. É ruim: mesmo quando fazia parte do esquema de Antonio Carlos Magalhães, Imbassahy era bem-visto pelos adversários. É pior: Imbassahy, quando o atual prefeito João Henrique tentou censura idêntica contra a mesma rádio, criticou-o duramente – e suas críticas estão gravadas.



And what about me?

Um assíduo leitor desta coluna, Isu Fang, manda uma notável coleção internacional de notícias que, com certeza, terão alguma importância para alguém. Começa com o caso de um advogado que, explica o título, ‘acidentalmente processou a si mesmo’. Em seguida, um título já antigo: ‘Jolie grávida de Brad Pitt’. Na foto, a barriga de um homem gordíssimo – que, concedamos, se homens ficassem grávidos, ficariam exatamente daquele jeito.

Notícia de jornal: ‘Um veículo no valor de US$ 74 mil desapareceu, depois que foi camuflado’. Nada de maldade: não foi naquele país que o caro colega está pensando, não. Foi na Austrália. Os ingleses adoram contar piadas de australianos.

Outra notícia de jornal fala do grande campeão de golfe (um detalhe: em inglês, o significado destas palavras é o mesmo que em português):

** ‘Tiger Woods joga com suas próprias bolas, diz a Nike’

Ainda bem!



O grande título

Com a colaboração de Isu Fang, ficou complicado escolher o melhor título. São todos muito bons!

** ‘Prefeitura gasta US$ 250 mil para anunciar que há falta de fundos’

Este é especial:

** ‘Voluntários procuram velhos aviões da Guerra Civil’

Vão procurar muito tempo. A Guerra Civil americana acabou em 1865. Santos Dumont fez seu vôo pioneiro com o 14 Bis em 1906.

** ‘Centro de Controle de Venenos de Utah recomenda a todos que não tomem venenos’

E, como diria o governo brasileiro, quem desobedecer à recomendação estará sujeito a severas punições.

** ‘Agentes federais invadem loja de armas e encontram armas’

Os dois melhores títulos vêm agora:

** ‘Estatísticas mostram que a gravidez na adolescência diminui significativamente após a idade de 25 anos’

Aos 50 anos, a gravidez na adolescência cai praticamente a zero.

E este vai em inglês, para não perder o sabor especial:

** ‘DOE to do NEPA’s EIS on BNFL’s AMWTP at INEEL after SRA protest’

Este colunista pode informar que o título tem algo a ver com um estudo ambiental sobre um incinerador de resíduos nucleares. Não ficou mais fácil?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados