Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A overdose de bola

Este colunista adora futebol, já fez a cobertura de uma Copa – a de 1986, no México (não perguntem o resultado) – e, pela primeira vez, terá a chance de torcer para o Brasil e também para a Argentina, em cuja seleção brilham Carlitos Tevez e Javier Mascherano. Mas, mesmo gostando de futebol, é duro agüentar os meios de comunicação durante uma Copa do Mundo!

Futebol é uma coisa; discutir a unha encravada do Ronaldinho Gaúcho, a família do Ronaldinho Gorducho e o cabelo pintado do Ricardinho é outra, muito mais chata. Mas o que é que pode fazer o exército de repórteres acampado nas portas do hotel da seleção, além de publicar diariamente uma Caras do futebol?

Cobrir a seleção de verdade é dificílimo. O acesso aos jogadores e dirigentes está longe de ser ilimitado. Há as entrevistas diárias; as mesmas para todo mundo, e delas raramente se pode extrair um bom lead. Claro: a Comissão Técnica procura esconder o jogo e os craques, como de hábito, prometem desempenhar a função que lhes foi designada pelo professor e manter o grupo unido.

Mais difícil do que fazer a cobertura é acompanhá-la, como leitor, ouvinte ou telespectador. Este colunista já teve o prazer de assistir a um longo debate sobre os estranhos hábitos dos cidadãos de Weggis, que não se preocupam a mínima com a segurança e deixam as chaves do hotel em cima do balcão, sem ninguém que tome conta. Já foi informado de que na cidade, de três mil habitantes, não há vida noturna. Os cidadãos estão entusiasmados com a presença de tantos astros.

Como em todas as Copas, há aqueles brasileiros que passeiam e, ao ver as câmeras, desfraldam as bandeiras, pulam feito doidos e gritam ‘Brasil, Brasil’ e ‘Hexacampeão’. E, veja, este é só o início da cobertura!



Planejamento

Há muitos anos, em outra Copa, um jornal resolveu planejar toda a cobertura. Alugou automóveis, reservou hotéis, escolheu os repórteres com um ano de antecedência. Nenhum – não houve sequer uma solitária exceção – se preocupou em aprender a língua do país, ou pelo menos algumas frases. Naqueles bons tempos, o jornal até pagaria o curso de quem quisesse se preparar melhor para a Copa. Na última hora, tiveram de recorrer a brasileiros que moravam por lá para que servissem de intérpretes, ou o pessoal não conseguiria sequer escolher o jantar.



Vitória garantida

1. O Brasil ganhou a Copa de 1994. Antes, havia ganho a de 1970. Somando 1994 com 1970, dá 3.964.



2. A Argentina ganhou as Copas de 1978 e 1986. Somando, dá 3.964.



3. A Alemanha ganhou as Copas de 1974 e 1990. Somando, dá 3.964.



4. O Brasil ganhou as Copas de 2002 e 1962. Somando, dá 3.964.

Com esses dados, dá para saber quem vai ganhar a Copa de 2006. Basta subtrair 2006 de 3.964. Dá 1958. Somando 1958 com 2006, dá 3.964. E quem ganhou a Copa de 1958? Podemos começar a festejar!

Este colunista entrou no clima de cobertura da Copa. Esta informação acima não é absoluta e perfeitamente inútil?



Agora, a notícia séria

É importante registrar que quem publicou a primeira lista dos policiais assassinados na rebelião dos bandidos do PCC não foi nenhum jornalista: foi um publicitário. A lista apareceu em primeira mão num anúncio emocionante do Banco Santander. Deve ter sido a primeira vez na história da comunicação, em qualquer país do mundo, em que a reportagem é furada por um anúncio.



Uma coisa é uma coisa

O respeitado portal eletrônico Migalhas, destinado ao noticiário jurídico, publicou uma nota que deve nos fazer pensar: estaremos cumprindo nosso compromisso de buscar a objetividade e de ser tão imparciais quanto seja possível?

‘É hora de rever alguns conceitos. Os matutinos, invertendo frases, provocam um verdadeiro pandemônio na vida das pessoas. E tudo isso apenas para parecer mais sangrento, mais exclusivo, mais verdadeiro. Abstraídas as partes envolvidas, os jornais dizem: ‘A Daslu continua a trazer mercadorias de forma irregular para o país’. Lendo a matéria, conclui-se que o Ministério Público Federal denunciou a grã-fina butique por importar mercadorias de forma irregular. Coisas bem diferentes, na qual esta poderá vir a ser aquela. Mas, por enquanto, são coisas distintas.’

E tente-se eliminar a tendenciosidade da notícia! Pode até ser divulgado um desmentido, mas as notícias seguintes continuarão tendenciosas.



Outra coisa é outra coisa

Mas, de vez em quando, acontecem coisas que nos levam a acreditar que a profissão vale a pena. O excelente blog Política & Cia., dirigido por Ricardo A. Setti, profissional de primeira linha, cometeu uma injustiça com o governador paulista Cláudio Lembo. No dia seguinte, desculpou-se – não com Lembo, mas com os leitores, que tinham sido induzidos a erro. Não buscou justificativas, nem tentou brigar com os fatos: publicou o desmentido, admitiu o erro e ponto final.

‘Esta coluna pisou na bola ao ironizar o governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL) por ter supostamente solicitado ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a transferência de vários presos de alta periculosidade para ‘um presídio federal’ – quando não existe, ainda, nenhum presídio federal de segurança máxima concluído.

‘A assessoria de Lembo entrou em contato com Política & Cia. para esclarecer que o que ocorreu durante encontro entre o governador e o ministro, na noite de 18 de maio, foi, isto sim, uma oferta do ministro de vagas nos futuros presídios – o primeiro dos cinco prometidos, em Catanduvas (PR), será inaugurado no mês que vem – e não um pedido de Lembo que, por sinal, estava ciente de que os centros prisionais ainda não estão operando.

‘Como a coluna não tem compromisso com o erro, registra a mancada e tira do ar a nota anterior, que levava o título, equivocado, de ‘Lembo queria presos em presídio que não existe’’.



Seguindo o exemplo

Uma leitora habitual desta coluna, Flora Martinelli, faz uma correção na nota da semana passada, em que foi citado o filme Casablanca. ‘Quem fala do início de uma bela amizade em Casablanca são Humphrey Bogart e Claude Rains, o chefe da polícia. Paul Henreid vai embora com Ingrid Bergman’. A coluna atribuía a frase final do filme a Henreid, não a Rains.

Corrigido. E Flora Martinelli passa a integrar, com Rubens Ewald Filho, Adilson Laranjeira e Fernando Morgado, minha equipe de gurus cinematográficos. Eles são fantásticos: basta descrever-lhes uma cena que eles dizem qual foi o filme, com quem, dirigido por quem. E lembram até o nome do filme em inglês.



E eu com isso?

Há certas notícias fantásticas: como é que poderíamos viver sem conhecê-las? Aliás, como é que pudemos viver até hoje sem saber que:



1. Nicolas Cage compra ilha particular nas Bahamas.



2. Patrícia Pillar e Ciro Gomes são flagrados namorando no Rio. (Incrível: são marido e mulher, ela mora no Rio. Por que não?)



3. O ator Hugh Jackman revelou que sua mulher o faz vestir o uniforme de seu personagem Wolverine, de ‘X-Men 3’, no quarto do casal, para ‘dar uma apimentada’ em sua vida amorosa. (Aquelas unhas, com certeza, devem ser ardidas como pimenta.)

 



Tradução!

E há notícias sem as quais não podemos viver e que foram publicadas. Mas como é que se faz para entendê-las? Nesta semana, o governo bate o recorde:

‘Ministério das Relações Exteriores escolhe Simpress para outsourcing de impressão’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados