Não faz muito tempo. Respondendo a um grupo que se sentia discriminado pela publicação de uma foto tendenciosa, o então diretor de Redação de O Estado de S.Paulo, Sandro Vaia, disse com toda a propriedade: ‘Nunca ouvi falar de foto tendenciosa’.
Passou-se pouco tempo, e hoje existe a foto tendenciosa (como aquela do foguete iraniano, que transformava um lançamento fracassado numa demonstração de força). Existe a foto que modifica a realidade – e esse tipo de foto já foi levado aos tribunais.
Um grande jornal foi condenado a indenizar um advogado por identificá-lo, na foto, como homossexual. Na imagem, dois homens se abraçavam, e a reportagem os identificava como gays ‘ainda no armário’, que se fingiam heterossexuais e marcavam encontros clandestinos pela internet. Mas parece que os dois cavalheiros eram apenas bons amigos que se encontraram num bar, ambos acompanhados pelas respectivas esposas, apagadas da foto pelo enquadramento. A imagem foi trabalhada para ficar mais escura, mas o tratamento falhou: mesmo escura, a foto permitia identificar os personagens. Um deles entrou na Justiça.
Outro caso interessante é o do bebê que caiu do terceiro andar e foi salvo pela fralda, que se enganchou numa cerca. Na foto original, captada com felicidade pela Folha de Pernambuco, do Recife, a fralda estava suja de cocô. Nas imagens que os jornais do país inteiro publicaram, a fralda estava limpinha, limpinha. É o tradicional princípio de que muita gente lê o jornal tomando o café da manhã, e imagens que possam provocar nojo não são boas, ao menos para a primeira página. Um grande jornal nacional foi fundo: a fralda limpinha na primeira página, a mesma fralda, agora suja, nas páginas internas.
Nada contra o processamento da foto, nem contra preservar o leitor de imagens possivelmente desagradáveis – desde que a informação seja dada com clareza, algo como ‘imagem processada, com alterações’, ou ‘fotomontagem’. E, claro, que não seja naquela letrícula minúscula utilizada para a assinatura das fotos. A informação, para ter valor, deve no mínimo ser legível (e, a propósito, por que usar letrinhas tão pequenas para a assinatura das fotos? Por que o repórter fotográfico não merece assinatura do mesmo tamanho do usado para o repórter de texto? Cartas para esta coluna).
Bom-humor em baixa
Uma jornalista fez a crítica do espetáculo de Caetano Veloso e Roberto Carlos lamentando que eles tocassem baixinho, para pouca gente. Criticou também Caetano por, talvez influenciado pela presença de Roberto, não ter arriscado nenhuma dança enquanto cantava. Outro jornalista disse que ambos não acrescentaram nada e que o show era antigo. Algumas perguntas:
1.
Num show comemorativo de 50 anos de bossa-nova, com dois cantores que fazem sucesso há mais de 40 anos, que é que o público esperava? Novidades?2.
– Dançar com o banquinho e o violão? Ou, quem sabe, ressuscitar os Beach Boys, dos tempos do Alegria, alegria, e colocá-los para tocar e cantar no lugar de Caetano, enquanto ele dançava o Samba de uma nota só?3.
Aumentar o volume e arranjar uma banda dessas que tocam em casamento, já que o colunista parece estar meio surdo?Tem gente que odeia ópera. Há algum sentido em escalá-los para irritar-se a noite inteira e, logo em seguida, escrever seu comentário sobre a Tosca?
Religião obrigatória
Alguns fatos importantes estão passando despercebidos pelos nossos meios de comunicação. Basicamente, violam a concepção de Estado leigo e democrático que está consagrada na Constituição. A imprensa não pode ignorá-los.
1.
O juiz que concedeu liberdade condicional a Vilma Martins Costa (aquela senhora de Goiás que seqüestrou o bebê Pedrinho e criou-o como seu filho) determinou-lhe que passe a freqüentar entidades religiosas de formação cristã. Epa: estará o meritíssimo dizendo que as religiões cristãs são melhores do que a budista, a muçulmana, a xintoísta, a hindu? Aliás, estará o meritíssimo dizendo que o ateu, ou agnóstico, ou o não-cristão, é um seqüestrador em potencial? E ninguém o entrevistou até agora, perguntando por que a preferência por entidades cristãs?2.
O promotor Victor Maurício Fiorito Pereira, em artigo que divulgou no site da Associação do Ministério Público do Rio, diz que o Estado, ‘com base no princípio da maioria, pode optar, quando necessário for, por determinada crença’; que pode elaborar sua legislação ‘tomando como base as orientações doutrinárias de um determinado credo, nisso incluindo questões polêmicas como aborto, uso de células de embriões humanos e união homoafetiva’.Então, para que Constituição? Bastará um visitador do Vaticano para determinar nossas leis? E o princípio da laicidade, básico numa sociedade como a nossa, onde fica? O cidadão tem todo o direito de seguir a religião que bem entender, ou de não seguir nenhuma, ou de estabelecer para si normas de relacionamento com a Divindade; mas daí a transformar isso em lei há uma grande diferença. O pior é que, em ambos os casos, quem defende essa tese é gente da qual depende nossa liberdade. Um pode pedir nossa prisão, o outro decretá-la.
O limite da liberdade
A revista Playboy foi proibida de reeditar exemplares com fotos da atriz Carol Castro, nua, de terço nas mãos. A Justiça considerou que houve vilipêndio de símbolo religioso católico. Vale o debate: até que ponto está havendo, agora, vilipêndio da liberdade de expressão? No limite, não estaremos reeditando, no Brasil, a sentença de morte do aiatolá Khomeini contra o escritor Salman Rushdie, cujo livro Versos Satânicos foi considerado ofensivo ao Islã?
É claro que nenhum adepto de nenhuma religião aprecia o uso de seus símbolos sagrados em fotos profanas. Mas nenhum adepto de nenhum político aprecia reportagens com críticas a seus preferidos, e ninguém se preocupa demais com isso. Como compatibilizar o necessário respeito às religiões com a liberdade de expressão?
A morte anunciada
Uma grande e respeitada agência de notícias cometeu aquele engano trágico: alguém pegou no obituário a ficha errada e acabou saindo a morte de Steve Jobs, criador, presidente e motor da Apple. Jobs tem um tipo especialmente agressivo de câncer, no pâncreas, mas a notícia de sua morte foi grandemente exagerada.
O pior é que notícias desse tipo são publicadas, já foram publicadas, serão publicadas. Não há como evitar que uma conjunção de erros leve a uma conclusão infeliz. Certa vez, com Tancredo Neves muito doente, correu o boato de que tinha morrido. Três grandes repórteres se puseram em campo e confirmaram a notícia. Por sorte, alguém conseguiu descobrir que as fontes de cada um acabaram caindo na mesma pessoa, que acreditava na morte do presidente eleito. Mas por pouco o obituário de Tancredo não saiu duas semanas antes.
A melhor história desse tipo aconteceu com o papa Paulo 6º. Alguém, numa agência noticiosa, soltou por engano a notícia de que o papa tinha morrido. Uma grande rádio paulista interrompeu a programação e um de seus melhores locutores, voz impecável e emocionada, foi lendo o obituário. A folhas tantas, alguém na agência percebeu o erro e informou os assinantes. A notícia chegou ao locutor, que se corrigiu no mesmo instante: ‘Lamentamos informar que, infelizmente, o papa não morreu’.
A grande reportagem
Normalmente, os editores têm razão: matérias muito grandes, mesmo que interessantíssimas, tendem a ser guardadas para leitura posterior – que nunca acontece. Mas há exceções: a reportagem sobre escravidão moderna nas fazendas de cana de São Paulo, publicada por Mário Magalhães no caderno ‘Mais!’ da Folha de S.Paulo (25/8/2008), é absolutamente notável. É uma reportagem imensa, que se lê de um só fôlego. E mostra como, mesmo numa das regiões mais ricas do Brasil, o capitalismo ainda não chegou.
Por que discutir?
Nos blogs, nos comentários, há briga a respeito das declarações de Hugo Chicaroni, acusado de tentar subornar delegados da Polícia Federal. Há jornalistas xingando uns aos outros, acusando-se, brigando; um disse que o outro, que publicou em primeira mão o depoimento, quer desconstruir a imagem do delegado Protógenes Queiroz – o que prendeu Daniel Dantas na Operação Satiagraha.
Acontece que as declarações de Chicaroni não precisam ser discutidas: há como prová-las ou desmenti-las, apenas fazendo reportagem. Chicaroni disse que é amigo há muitos anos do delegado Protógenes Queiroz. Isso deixa sinais: era comum serem vistos juntos? O telefone de um registra muitas chamadas para o do outro? Não é difícil encontrar esses sinais (e, no caso, Chicaroni terá razão) ou não encontrar indícios da amizade (e, nesse caso, Chicaroni estará mentindo).
Boa notícia
Uma editora de dez anos de idade, fundada e dirigida por um grupo de jornalistas, é uma das grandes finalistas do Prêmio Jabuti 2008: é a Terceiro Nome, com cinco títulos entre os indicados para o prêmio pela Câmara Brasileira do Livro. Os cinco são As flores do jardim de nossa casa, de Marco Lacerda (ex-JT, ex-Estadão, ex-Playboy, hoje apresentando o programa cultural FrenteVerso, na Rádio Inconfidência de Belo Horizonte); O homem dentro de um cão, de Fernando Portela (ex-JT, ex-Estadão, ex-Fiat, um caminhão de prêmios de reportagem); O Brasil visto do mar sem fim, de João Lara Mesquita (ex-Eldorado, ativo militante da preservação do meio ambiente); Alfredo Mesquita, um grã-fino na contramão, de Marta Góes, jornalista e dramaturga premiada, que conta a vida de um dos principais nomes do teatro brasileiro; Giramundo e outros brinquedos e brincadeiras dos meninos do Brasil, de Renata Meirelles, especialista internacionalmente reconhecida em brincadeiras infantis.
A Terceiro Nome só edita livros de temática e autores brasileiros.
Má notícia
Claro, deve ser falta de pesquisa, ou pesquisa deficiente. Mas o fato é que este colunista encontrou pouquíssimo noticiário sobre a prisão de Gorki Aguila, em Cuba, e sua libertação poucos dias depois. Aguila é um artista famoso entre os cubanos, vocalista da banda Porno para Ricardo, e foi detido sob a acusação de ‘periculosidade’ – seja lá isso o que for. A definição legal de ‘periculosidade’ é comportamento contrário aos padrões da moral comunista, e a pena poderia chegar a quatro anos. Diante da repercussão internacional – menos no Brasil – o governo cubano libertou Aguila, sem maiores delongas.
A liberdade de um artista cubano valerá menos, para nossos meios de comunicação, que a de artistas de outras nacionalidades? Por que tão pouca notícia?
Estádio do Corinthians…
Os meios de comunicação continuam dando grande espaço e tempo ao futuro estádio do Corinthians: aparecem empresas interessadas em construí-lo, e dá-lo ao clube em troca de suas receitas por determinado período; aparecem lindos projetos; há discussões e mais discussões no clube sobre cada um dos projetos, todos tratados como se fossem coisa séria.
Não são: não se constrói um estádio como se fosse um simples prédio. Um estádio mobiliza multidões, e é preciso oferecer-lhes transporte; é preciso planejar para evitar que um jogo de futebol paralise a cidade; é preciso fazer com que o público tenha conforto ao dirigir-se ao estádio. Se isso não é feito, o projeto é só uma maneira de ganhar publicidade, sem que haja a intenção de realizá-lo.
…um factóide
Em fevereiro deste ano, uns três projetos de estádio atrás, o professor Jorge Hori, leitor assíduo desta coluna e diretor de um blog intelectualmente requintado, o Inteligência Estratégica, lembrava:
‘(…) O manual da FIFA para a construção dos estádios não se limita à arquitetura e engenharia do estádio, mas o capítulo inicial é o da sua localização.
‘Que deve ter facilidade de acesso viário, rede de estacionamentos para os carros particulares e proximidade a um sistema de transporte de massa, seja o metrô ou veículo leve (sobre pneus ou sobre trilhos)’.
Hori lembrava também que os terrenos onde supostamente se localizaria o estádio estavam do lado errado da Avenida Marginal do Tietê, longe do metrô e do trem suburbano.
Traduzindo: mesmo que alguém se dispusesse de verdade a tocar o projeto, não conseguiria aprovação da prefeitura, pelo impacto no trânsito. Factóide, pois, e nada mais do que isso.
Quem quiser ler o artigo de Hori na íntegra, deve procurar em seu endereço antigo, dia 21 de fevereiro deste ano, sob o título ‘Mais um sonho irrealizável’.
Pobres ouvidos
Está certo, está certo, campanha eleitoral é campanha eleitoral. Mas ninguém vai comentar o jingle de Marta Suplicy, com a frase ‘vamos ser feliz’? Marta, moça fina, que estudou em excelentes escolas, que tem formação requintada, deve sentir dor de ouvido cada vez que lhe tocam sua musiquinha de campanha.
E eu com isso?
Já pensou se houvesse internet nos tempos da guerra de Tróia? Começa que o Cavalo de Tróia não teria qualquer utilidade: a entrada de cada soldado na barriga oca do cavalo de madeira seria noticiada (com detalhes sobre os acessórios de seus uniformes) e a surpresa se esvairia. Nem o cavalo, nem os poemas épicos, nem o calcanhar de Aquiles, nem a lenda de Helena, a mulher tão bela que lançou mil navios ao mar, teriam chegado aos dias de hoje (na verdade, não chegaram: não há tanta gente assim que tenha lido algo sobre a epopéia).
Hoje sabemos de tudo. Sabemos, por exemplo, que não é difícil perder aquilo que tem valor.
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‘Ex-mulher de Mick Jagger perde anel de US$ 300 mil’**
‘Oprah perde cílios postiços após discurso de Obama’Sabemos também que há lugares certos para exercer determinadas atividades, e exercê-las em lugares errados traz riscos.
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‘Mader e Cláudia Abreu jantam em pizzaria do Leblon’**
‘Quatro são mortos a tiros comendo pizza em oficina’Sabemos que estamos sendo continuamente espionados (e nem sempre pelos órgãos de segurança).
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‘Mary-Kate Olsen faz carinho no namorado durante jantar’**
‘Betty Faria vai à praia com a neta’**
‘Jeniffer Aniston faz compras enquanto ouve músicas’**
‘Angelina Jolie e Brad Pitt podem ter brigado; ator dormiu fora de casa’Sabemos até que nossos atos estranhos viram notícia de jornal.
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‘Paula Lavigne come sanduíche sozinha em lanchonete’**
‘Al Pacino mostra toda a sua ousadia fashion ao mostrar a cor de seu esmalte’**
‘Michael Jackson passeia de pijamas’Mas, pensando bem, alguém pode achar estranho qualquer ato de Michael Jackson?
O grande título
Há dois excelentes concorrentes. E este colunista não consegue, de jeito nenhum, definir qual é o melhor;
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‘Rodas de caminhão matam estudante e motorista foge’Aí tem coisa: será que existe motorista de rodas de caminhão? Serão as rodas tão malvadas que, prescindindo do restante do caminhão, praticaram o homicídio? E que motivo levou as perversas a tão hediondo ato?
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‘Sindicância apura se Cacciola comeu lagosta em Bangu 8’Devemos ficar felizes: pelo jeito, tirando o cardápio do ex-banqueiro preso, o governo não tem mais nada com o que se preocupar neste país.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados