Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A volta dos que não foram

A reportagem política é às vezes cruel: não é que estão caindo de pau no “nosso Delúbio”, como seu companheiro o presidente Lula o chamava, porque está de volta ao PT, e em Renan Calheiros, o melhor amigo de José Sarney (fora da família, claro, porque família é coisa sagrada), por estar no Conselho de Ética?


Pura injustiça. O reportariado nem lembra a coragem de Delúbio, ao suportar sozinho, e num silêncio capaz de dar inveja à omertà dos mais ferozes mafiosos, todo o peso do escândalo do mensalão? Pagou sozinho: foi expulso do partido, ao qual agora retorna triunfalmente, não denunciou ninguém, a ninguém contou de onde saíram os “recursos não-contabilizados” do mensalão. Foi chamado de cara-de-pau por dizer que, passado algum tempo, tudo viraria uma piada de salão. Não era cara-de-pau: era coragem, pois só alguém muito corajoso diria isso. E uma demonstração de sabedoria política: ele sabia o que iria acontecer.


E Renan no Conselho de Ética? Ninguém conhece melhor os meandros e brechas da lei e do processo legal do que Renan Calheiros. Ele sabe. Renan iniciou-se como pecador articulando a vitoriosa candidatura de Fernando Collor à Presidência da República. Mas convenhamos que o escândalo que o atingiu teve origem numa das melhores coisas que fez na vida. O homem que não cairia na mesma armadilha que o vitimou que atire a primeira pedra.


Para entender certas peculiaridades da política brasileira atual, é às vezes necessário voltar ao passado. Dizem que Napoleão Bonaparte, em certa ocasião, escolheu para a chefia de seu Estado-Maior um cavalheiro notório, de péssima reputação. O marechal Ney, comandante da Velha Guarda, homem correto, honrado, um dos militares de mais prestígio junto a Napoleão, protestou. Napoleão explicou-lhe: “Eu sei que ele é um canalha, mas há certas coisas que são necessárias e que só um canalha faz”.


 


E os outros?


Quanto a Renan Calheiros, os ataques a ele de certa forma protegem outros cavalheiros que também estão no Conselho de Ética. Políticos como Gim Argello, suplente de Joaquim Roriz, que aderiu às caminhadas matinais só para ter a chance de acompanhar nas ruas a então ministra Dilma Rousseff; ou Jayme Campos, do DEM de Mato Grosso, que chamou o ministro Joaquim Barbosa de “aquele moreno escuro”, ou o herdeiro político de Severino Cavalcanti, Cyro Nogueira, do PP do Piauí, o Rei do Baixo Clero. Todos ligados, naturalmente, a José Sarney. E o presidente do Conselho, João Alberto, do PMDB do Maranhão, também aliado de Sarney desde criancinha, que assinava atos tão esquisitos que dava um jeito para que não fossem publicados no Diário Oficial – eram os famosos “atos secretos”. Algum destes será tão melhor assim do que Renan?


 


A vítima de sempre


Essa história de que Kaddafi está distribuindo Viagra a seus soldados, para que estuprem as mulheres das regiões rebeldes da Líbia, é mais do que absurda: é cretina, por mais que haja fontes oficiais a referendá-la. E os meios de comunicação, ao publicá-la acriticamente (mesmo divulgando também “o outro lado”, que as forças de Kaddafi negam a notícia) comprovam que qualquer cretinice, por menos verossímil que seja, tem sempre chance de virar notícia.


Em primeiro lugar, para que serve o Viagra? Para permitir que homens com desejo sexual, mas prejudicados pela disfunção erétil, tenham condições de chegar à ereção. Viagra não estimula o desejo sexual; apenas cria condições de que se realize. E as probabilidades de que grande número de soldados, normalmente jovens em excelente condição física, tenha disfunção erétil, é muito pequena.


Segundo, Viagra não é instantâneo. Quem tem desejo sexual deve tomá-lo cerca de meia hora antes do relacionamento. Imagine a cena: um soldado jovem, bem preparado fisicamente, tem a antevisão de que, daí a meia hora, estarão terminados os combates e ele estará frente a frente com uma bela moça – tão bela que ele se sentirá tentado a estuprá-la, mas não tão bela que lhe provoque uma ereção. Então ele tira o Viagra do cinto de munições e se previne para quaisquer eventualidades.


Em caso de guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. Mas até para mentir é preciso ter um pouco de inteligência e senso crítico.


 


Fora, patrulha!


A propósito, este colunista não tem a menor simpatia por Kaddafi. Também não tem a menor simpatia por seus inimigos internos, ao menos aqueles cujo nome e prontuário foi divulgado. Acredita que as forças da OTAN ultrapassaram de longe o mandato que receberam da ONU, de criar uma zona de exclusão aérea na Líbia e proteger os civis ameaçados por armas pesadas. Usando as metáforas futebolísticas do ex-presidente Lula, torce contra os dois times e xinga o juiz.


 


A moda e a fé


O noticiário sobre a proibição da burca e daquele outro traje de nome impronunciável na França tem um viés que precisa ser urgentemente corrigido: os dois trajes não fazem parte de nenhuma norma muçulmana referente à maneira de vestir. São roupas usadas em regiões remotas do Afeganistão e do Paquistão e nada têm a ver com religião (embora quem a use seja muçulmana, já que nessas áreas não há mulheres de outras religiões). Lá, funcionam também como uniforme imposto pelo Taleban. Não há referência a esse tipo de roupa nos livros sagrados muçulmanos. O líder xiita iraquiano Moqtada al-Sadr, extremamente conservador em questões religiosas, já disse que, para o Islã, os dois trajes não têm nada de obrigatório. O Islã – como o cristianismo e o judaísmo – recomenda o uso de roupas modestas, não provocantes. E só.


 


A Coroa e a coroa


Na cobertura do principesco casamento britânico, houve duas vertentes bem claras: uma, delirante de alegria, diante dos vestidos, das jóias, dos Rolls-Royces, dos nobres, da honra de estar neste momento no Império onde o Sol nunca se põe; outra, blasé, criticando o “anacronismo da monarquia” no mundo moderno.


O baba-ovismo explícito era esperado: uma história de fadas, com tudo a que se tem direito, acaba dando nisso. Já o anacronismo da monarquia merece uma análise (a propósito, este colunista não é partidário da monarquia). Alguns dos países mais democráticos do mundo, e com melhor distribuição de renda, são monarquias: Suécia, Dinamarca, Reino Unido, Espanha, por exemplo. Alguns dos países mais ditatoriais e desiguais do mundo são republicanos: Sudão, Líbia, Etiópia, Somália, Haiti, Iêmen, Albânia. Há países republicanos democráticos, como Estados Unidos, Brasil, Portugal; há monarquias tirânicas, como Arábia Saudita e Bahrein.


Houve países que melhoraram muito ao adotar o regime monárquico, como a Espanha, que era uma ditadura pessoal do generalíssimo Francisco Franco e foi democratizada sob o rei Juan Carlos; houve países que melhoraram muito ao passar do regime monárquico ao republicano, como a Turquia. O Iraque e o Irã eram monarquias, viraram repúblicas, mas para a população não consta que tenha havido grande mudança.


Traduzindo: hoje em dia, monarquia ou república não fazem muita diferença. A diferença está na democracia. E isso o Reino Unido tem de sobra.


 


Você sabia?


1. Até há poucos dias, todo o ritual da Semana Santa era informal?


Pois está num dos maiores portais da internet brasileira que o papa Bento 16 foi descansar em Castelgandolfo “após ter oficializado todos os ritos da Semana Santa”.


E a gente pensando que o ritual da Semana Santa tinha sido oficializado há séculos!


2. O Brasil não é um país?


Pois saiu num grande informativo o seguinte título: “Brasil está mais caro para turistas estrangeiros e é 10ª cidade mais cara”


3. Aquela coisa tão feia, o cacófato, já pode ser ignorada tranquilamente pelos meios de comunicação?


“Pesquisador busca gato que sumiu no aeroporto de Brasília”


Antigamente, um jornalista relatava a procura do gato, a busca do animal. Busca gato fica meio esquisito.


4. O álcool, hoje batizado de etanol, pega fogo, move motores, mas até há poucos dias não era um combustível?


Mas não se preocupe: o governo brasileiro resolveu este problema com um golpe de caneta. Uma medida provisória assinada pela presidente Dilma Rousseff determinou, sob as penas da lei, que o etanol passe a ser combustível.


 


Como…


Depois de 30 anos, surgiu uma nova testemunha no caso Riocentro – a história de dois militares que, a bordo de um carro Puma, levavam uma bomba para um espetáculo lotado. A bomba explodiu no seu colo e um deles morreu. Mas, pelo jeito, o atentado fracassado não tinha ficado só nisso. Tinha sacanagem, também.


** “Homem viu Guilherme do Rosário manusear cilindro no Puma antes da explosão no Riocentro”


 


…é…


Na chamada de capa:


** “Ex-modelo brasileira é encontrada morta na Itália; marido é suspeito”


No título interno:


** “Ex-modelo amazonense é assassinada por ex namorado na Itália”


Foi um dos dois, ou os dois são um – quem pode saber?


 


…mesmo?


Antigamente, o símbolo do Santos era um peixe. Ou uma baleia. Parece que mudou para uma granja de aves. Segundo um importante noticioso:


** “Pelé apela pela permanência de Gansos no Santos”


 


Mundo, mundo


Alguma coisa está errada: a musa da Copa da África do Sul, Larissa Riquelme, aquela que guardava o celular no decote, foi considerada “horrível” exatamente pelo presidente de seu país, Fernando Lugo. O pai da pátria paraguaio, ex-bispo católico, entende do assunto: tem uma penca de filhos, todos concebidos enquanto exercia seu piedoso ofício, antes de envolver-se na política.


Por que Lugo não gosta de Larissa? Não é por nada, mas deve estar errado. A moça é linda, simpática, extrovertida e usa, de vez em quando, roupas bonitas.


 


E eu com isso?


Só o casamento dos príncipes dá colunas e mais colunas de frufru. Mas é um frufru que está em qualquer meio de comunicação. Nosso desafio é, enquanto o frufru-master com reis e rainhas ocorre em Londres, buscar fatos não-principescos que alimentem a conversa do lanchinho da tarde:


** “Álvaro Garnero faz degustação de pênis de animais”


** “Lindsay Lohan cumprirá pena como faxineira em necrotério”


** “Famosos circulam por aeroporto no Rio de Janeiro”


** “Joelma e Fiuk dançam coladinhos em cima do palco”


Ainda bem. Se fosse em outro lugar, o palco podia cair em cima.


** “Eike Batista come no balcão de lanchonete, no Rio”


** “Sasha deixa aula de balé cercada de seguranças”


** “Grazi Massafera finge ser esnobe durante jantar, no Rio”


** “Às vésperas de dar à luz, Winits encontra Faro e fuma”


** “Juliana Didone e Bruno Mazzeo são clicados aos beijos no Rio”


** “Chuva mata um e deixa vários bairros debaixo d’água no Rio”


Qual terá sido o pobre bairro que morreu?


 


O grande título


Há um título caprichado, num grande portal noticioso. Foi publicado num horário e, três horas e meia depois, atualizado. Mas se manteve tal como foi criado:


** “Após morte de 35 índios, governo de MT decreta situação”


Há outro bem interessante, especialmente pela explicação


** “Sonda Mars filma dois vulcões vizinhos, um ao lado do outro”


Nada de conclusões apressadas: poderiam estar um em cima do outro, como num prédio de apartamentos, e continuariam vizinhos.


O grande título, porém, é outro: como não coube cortaram pedaços, esqueceram palavras, mexeram no nome, até botaram um acento:


** “Irã: parlamento abre caminho impeachment Ahmanidejá”


Com um pouco de esforço, até dá para entender.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados