Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A cura com papel e tinta

Um médico amigo diz que consulta as revistas semanais e assiste ao Fantástico todo fim de semana. Na segunda-feira, todos os seus clientes querem tomar os remédios que prometem curas milagrosas e que viram nas revistas e na TV.

É um tema perigoso: de um lado, o público tem o direito (e a vontade) de ser informado sobre as últimas novidades na área de saúde. A imprensa gosta: doença vende. De outro, pode se sentir estimulado a exigir aquela cirurgia moderníssima – que, no entanto, ainda não foi suficientemente testada. E, também importante, há um terceiro aspecto a considerar: para a indústria farmacêutica, os meios de comunicação podem transformar-se, deliberadamente ou não, em vendedores de grande potencial.

Qualquer pediatra com mais de 60 anos lembra dos tempos em que os consumidores de informação – ele, inclusive – eram bombardeados com mensagens segundo as quais o leite em pó era muito melhor na amamentação que o leite materno. Não era verdade, como ficou provado; e, muitas vezes, nos países menos desenvolvidos, o leite em pó, preparado com água contaminada, provocou epidemias de diarréia, com desidratação e mortes.

A indústria de medicamentos tem um esquema de comunicação sofisticadíssimo, super-eficiente, caríssimo, apoiado por pesquisadores bem conceituados e por muitos, muitos estudos. Alguns desses estudos são duvidosos; mas prová-lo exige conhecimento técnico de que os jornalistas freqüentemente não dispõem. Então, oferece-se uma notícia (bem embasada, com séries estatísticas etc.) sobre os riscos do colesterol nos níveis que até agora se consideravam corretos. Depois de algum tempo, aparece no mercado um remédio fantástico, que baixa os índices de colesterol. O remédio sem dúvida faz efeito; mas será correto aplicá-lo em pessoas que, até o presente momento, têm índices de colesterol hoje considerados normais?

É um assunto extremamente complexo: envolve ética (dos jornalistas e dos médicos), envolve a credibilidade de alguns estudos, envolve a responsabilidade dos meios de comunicação na criação de novas modas que levam a novos problemas. Nova moda, por exemplo, como a anorexia: ninguém, fora dos meios mais especializados, jamais tinha ouvido falar nessa palavra, até que a luta obsessiva das modelos pela magreza ganhou adeptos e difundiu a doença.

É um caso que vale a pena discutir – e que se inicie a discussão neste Observatório da Imprensa, onde jornalistas de todas as áreas se reúnem para refletir sobre os diversos aspectos da profissão. É um tema urgente – de vida e de morte.



Diabetes

Na semana passada, a Sociedade Brasileira de Diabetes divulgou nota oficial contra uma reportagem de capa de revista semanal, que apontava uma nova cirurgia como a salvação dos doentes. Nada contra a técnica – apenas seria preciso enfatizar que as experiências estão em fase inicial. O temor da SBD é que a divulgação precoce desse tipo de tratamento, antes de comprovada sua eficácia e para quais tipos de caso, leve a ‘cirurgias desnecessárias e mal indicadas, sob a expectativa de um milagre’.



Juiz ou promotor

O ministro Joaquim Barbosa é o primeiro negro do Supremo Tribunal Federal. Fez um trabalho, no caso do mensalão, que a maioria dos especialistas em Direito considerou de alta qualidade. Mas, no caso Ronaldo Cunha Lima, o ministro parece superestimar seus poderes – e com apoio entusiástico da imprensa.

Há 14 anos, Cunha Lima deu um tiro em seu desafeto político Tarcísio Burity. E, apoiado nos múltiplos recursos que a lei brasileira lhe oferece, conseguiu arrastar o processo, sem julgamento, até agora. Inacreditável: nos Estados Unidos, jamais um julgamento por tentativa de homicídio levaria tanto tempo. Agora, quando a hora da verdade se aproximava, Cunha Lima renunciou a seu mandato parlamentar e o processo sofreu novo adiamento: foi do Supremo (que julga os parlamentares) para o tribunal de primeira instância, que julga pessoas comuns, como nós.

O ministro Joaquim Barbosa deu entrevista sobre o tema – o que já é estranho, pois juiz fala nos autos, não na imprensa. Criticou pesadamente a estratégia de defesa de Cunha Lima – mas não indicou, em qualquer momento, onde é que a defesa de Cunha Lima agiu fora da lei.

Ora, se os defensores de Cunha Lima agiram dentro da lei, não estão errados: o ministro poderia até se queixar da lei, mas não dos advogados nem do réu – isso, naturalmente, admitindo-se que ministro dê entrevista sobre um caso que, algum dia, pode acabar sendo julgado por ele. Basta que Cunha Lima, em uma próxima eleição, consiga novo mandato.



Lembrando

Joaquim Barbosa foi o ministro que protestou contra a presença, no Supremo, do ministro aposentado Maurício Corrêa, acusando-o de fazer lobby. Na verdade, como ministro aposentado, Maurício Corrêa tem direito a acesso ao Supremo. E, no caso específico, era advogado de uma das partes. Se um advogado não pode entrar no tribunal, como é que pode advogar?



Estrela brasileira

Os meios de comunicação continuam tratando a Varig a pão-de-ló. Não investigaram a estranha história de uma empresa que valia X ser comprada por 15 X alguns meses mais tarde, a pedido do presidente da República – a propósito, sendo privada a tal empresa, que é que o presidente da República tem a ver com ela? Depois, aceitando como boas as informações de que a frota de jatos, até agora exígua, em função até da escassez de aviões no mercado mundial, vai se multiplicar em dois meses. E, finalmente, deixando de ver como os passageiros estão sendo tratados.

Estão sendo tratados muito mal. Como a Varig tem poucos aviões e muitas rotas, está alternando os vôos, para não perder as freqüências. E passageiros que compraram passagem, como um leitor desta coluna que pretendia ir a Nova York, ficaram em terra, porque as rotas para os Estados Unidos foram suspensas. Pagar, pagaram; mas viajar, que é bom, isso não.

Serviço completo: está muito difícil reclamar pela internet.



Faltou dizer 1

O senador João Pedro, do PT do Amazonas, autor do relatório paralelo da CPI do Apagão Aéreo (e que livrou toda a diretoria da Infraero de pedidos de indiciamento), não é o ilustre desconhecido que a imprensa retratou. Quando houve a denúncia contra Renan Calheiros, no caso Schincariol (que teria comprado uma fábrica de tubaína da família de Renan por preço superior ao de mercado), João Pedro foi o relator do caso – aquele senador que, antes mesmo de tomar conhecimento das denúncias, adiantou que pediria o arquivamento do processo.



Faltou dizer 2

No noticiário sobre a luta do governo para prorrogar a CPMF, um ponto importante tem sido esquecido: o governo precisa do dinheiro do imposto do cheque, em boa parte, para pagar o forte aumento do quadro de pessoal. De 2002 para cá, o número de funcionários públicos civis do Executivo cresceu em 141.859. Mesmo que os salários sejam baixos, faça a conta de quanto custam todos, a cada ano; e quanto será necessário gastar na Previdência quando se aposentarem.



Não é bem assim 1

Se a notícia tivesse saído num jornal de fora de São Paulo, vá lá. Mas saiu num grande e tradicional jornal paulistano. Segundo a notícia, os paulistanos também estão preocupados com a possibilidade de desabamento de um túnel Rebouças que existiria em São Paulo, construído há 53 anos e sem conservação.

Bom, não existe nenhum túnel Rebouças em São Paulo. Existem dois túneis na Avenida Rebouças, com outros nomes, e foram construídos há menos de quatro anos. Existe um túnel bem antigo, com 69 anos (e não 53), que se chama 9 de Julho. E periodicamente recebe obras de conservação.



Não é bem assim 2

A imprensa, com pouquíssimas exceções, publicou sem comentários a frase do presidente Lula ao antigo craque Michel Platini, segundo a qual o Brasil chorou quando ele marcou um gol de pênalti na nossa Seleção, em 1986. Bom, este colunista estava no estádio e também chorou. Mas Platini não fez gol de pênalti, não. Platini empatou o jogo, que estava 1×0, gol de Zico. A partida terminou empatada e a França ganhou nos pênaltis – sem que Platini marcasse de novo.



Não é bem assim 3

Juliana Paes, de biquíni, deitada na praia, sozinha, sem ninguém por perto. Ao lado, um isopor com uma lata azul – pode ser Pepsi, pode ser água tônica. E a legenda: ‘Uma cervejinha, bate-papo com os amigos. Pacote completo para relaxar’.

Não apareciam amigos, nem a lata era de cerveja. E daí?



E eu com isso?

Tem notícias que a imprensa não dá, mas tem notícias que a imprensa dá. Por exemplo, que Grazi Massafera levou o namorado Cauã Reymond à festa de lançamento de Desejo Proibido, próxima novela das seis da Globo.

Ou que a babá da filha de Kate Moss se demitiu por achar que estava trabalhando demais.



O grande título

Há um bem interessante:

** ‘ANAC diz que helicóptero que caiu em Carapicuíba não podia voar’

Tanto não podia, aliás, que caiu.

Mas o melhor vem de um jornal grande, dos mais tradicionais:

** ‘Brasil quer apoio da Suíça na luta por acento na ONU’

Será que, se pusermos um acento em ÔNU, a reivindicação brasileira terá sido atendida?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados