A fotografia do técnico Dunga, sentado solitariamente numa grade à beira do campo, publicada na quinta-feira (17) na primeira página do Globo, é a senha: a seleção brasileira deve trocar o comando do time.
O título da reportagem sobre o jogo contra a Argentina, no alto da página, soa como epitáfio: ‘Uma campanha de envergonhar’. Na pátria de chuteiras, mais uma vez a imprensa entra em campo, como os ‘cartolas’ dos velhos tempos, para mudar o jogo.
Até a semana passada, na véspera da partida contra o Peru, a seleção brasileira ainda era motivo de entusiasmo por parte dos cronistas esportivos, apesar dos desempenhos medíocres na vitória apertada contra o Canadá e na derrota para os venezuelanos, em jogos amistosos.
Em apenas quatro dias, Dunga passa de herói a vilão e em breve deve voltar ao ostracismo. A se considerar o que dizem os jornais de quinta-feira, provavelmente ainda nesta semana ele voltará a ser o cidadão Carlos Caetano Bledorn Verri.
Fica para os observadores a reflexão sobre a esquizofrênica relação da nossa imprensa com o mundo do futebol, e em especial com a seleção, representação da pátria entre as quatro linhas do gramado. Acostumado aos triunfos, os brasileiros não admitem uma equipe que seja menos do que excelente.
Sistema predador
Mas uma coisa é a massa entusiasmada ou enfurecida, e outra coisa deveriam ser os profissionais encarregados de noticiar os feitos da seleção. Quando a seleção vai mal, a imprensa investiga os bastidores dos clubes, questiona os desmandos na Confederação Brasileira de Futebol, exige o resgate da moralidade. Mas basta uma vitória para que tudo seja esquecido.
Tem sido assim desde a primeira tentativa do Ministério Público de investigar dirigentes de clubes esportivos e da seleção. Criou-se a CPI, mas seu andamento fica suspenso para não atrapalhar os planos do Brasil de se apresentar como sede da Copa do Mundo de 2014. Levantaram-se suspeitas e provas contra dirigentes, mas tudo fica engavetado quando o time entra em campo.
Mais ou menos como acontece na política e na economia: a cada eleição, os holofotes só iluminam os candidatos, e a necessidade da reforma institucional fica na obscuridade. Os bons resultados econômicos adiam os debates sobre a falta de uma estratégia sustentável de desenvolvimento, e arrastamos indefinidamente o sistema predador e incapaz de produzir o resgate da dívida social.
Assim como os bons resultados em campo escondem as mazelas do futebol brasileiro, a imprensa só enxerga o Brasil real na derrota.