Nós, jornalistas, sabemos quando um jornal vai morrer. Torcemos para que sobreviva, para que continue informando, para que contribua na construção de um variado arco de opiniões, para que mantenha os empregos; sempre achamos que a vida dá tantas voltas que numa delas talvez as coisas dêem certo. Mas não dão: os jornais emagrecem, perdem o viço, enchem-se de rugas, sofrem com cada oscilação econômica, atrasam salários, perdem bons profissionais, lampejam por vezes numa boa reportagem, mas é a visita da saúde. Muitas vezes, quem se apresenta para salvá-lo quer apenas fazer o saque e aproveitar o que for possível. O jornal vai morrendo, morre várias vezes; e um dia é enterrado.
Nós, jornalistas, sabemos quando um jornal vai morrer. Quando o patrão passa a usar só jatinho, e muito, o jornal vai morrer. Quando o patrão faz contenção de custos na Redação e amplia os gastos com jantares, festas e recepções, o jornal vai morrer. Quando o patrão pensa que sedes suntuosas e novas gráficas são investimento prioritário, o jornal vai morrer. E um patrão boa-gente, que só pense em notícias e não saiba administrar, é tão letal quanto o patrão que pensa que as notícias só servem para encher o espaço entre os anúncios – anúncios que devem ser obtidos seja de que maneira for, com as concessões que for preciso fazer.
Nós, jornalistas, sabemos quando um jornal vai morrer. Quando o jornal acredita que, baixando o nível, vai atrair mais público, já está morrendo. Quando o jornal acredita que a fórmula sangue, futebol e mulher pelada é suficiente para recuperá-lo, já está morrendo. Quando o jornal troca a credibilidade pelos anúncios, já está morrendo. Quando o jornal cai nas mãos de empresários sem qualquer preocupação com notícias, mas que elaboram fórmulas mirabolantes para fazê-lo sobreviver sem nada investir, já está morrendo.
Jornal custa caro, suja as mãos de tinta. Traz notícias desagradáveis (boa notícia não é notícia). A leitura consome tempo, um bem cada vez mais escasso. Jornal só sobrevive e prospera se for uma necessidade para o leitor. Nós, jornalistas, sabemos que quando um jornal deixa de ser necessário ele já morreu.
Virou fumaça
O ministro Guido Mantega falou, para quem quisesse ouvir, que a redução do IPI sobre automóveis e motos, eletrodomésticos e material de construção, seria compensada, em termos de receita do governo, pelo aumento linear da tributação sobre os cigarros.
Cadê o aumento da tributação sobre os cigarros? A propósito, cadê a imprensa, que deveria estar cobrando as providências anunciadas pelo ministro?
Aliás, por que a imprensa é tão tolerante com a política federal de estímulo aos cigarros baratos? Por incrível que pareça, apesar das recomendações da Organização Mundial da Saúde a respeito da conveniência de aumentar o preço dos cigarros, o Brasil subsidia a indústria tabageira multinacional para manter o preço artificialmente baixo. O normal, em qualquer produto, é que o IPI seja uma porcentagem do preço. Nos cigarros, o IPI é fixo. Resultado: um cigarro de R$ 5,00 o maço paga menos de 20% de IPI, e por isso pode custar tão pouco. E um cigarro de R$ 1,00 (que seria o caminho para a entrada da indústria nacional no setor) paga 70%. Vende-se barato o cigarro multinacional, impede-se o acesso ao mercado da indústria nacional. E o fumante brasileiro tem à disposição o terceiro cigarro mais barato do mundo.
Toda a imprensa tem esses estudos, elaborados por empresas especializadas de excelente reputação. Mas raramente publica alguma coisa. E nem se diga que é por causa da propaganda dos cigarros: a propaganda é proibida. Mas rara é a iniciativa de reunião de jornalistas sem patrocínio das cigarreiras.
Tristeza
Um dos grandes jornalistas brasileiros, D´Alembert Jaccoud, 75 anos, morreu há poucos dias. Ele – que jamais pleiteou indenizações – sofreu pressões contínuas da ditadura militar, que chegaram a tal ponto que, em certa época, abandonou a profissão e voltou á advocacia, que também exerceu com raro brilho.
Dalamba foi uma figura rara: uma unanimidade na profissão. Ninguém dirá que não era competente, ninguém lhe apontará uma falha de caráter. De quantas pessoas, e não só no jornalismo, será possível afirmar a mesma coisa? [Ver, neste OI, ‘Um jornalista político sob a ditadura‘.]
Matadores do volante
O deputado estadual Carli Filho, do PSB paranaense, finalmente renunciou ao mandato. Carli é aquele cavalheiro que, bêbado, em altíssima velocidade, bateu no carro em que estavam Gilmar Yared e Carlos Murilo de Almeida, matando-os. Com a renúncia ao mandato, abre-se caminho para que seja julgado pela Justiça comum, sem o foro privilegiado que o levaria direto ao Tribunal de Justiça.
Perfeito – mas os meios de comunicação, que deram amplo espaço ao caso Carli, abstiveram-se de acompanhar mais detidamente o caso de um promotor que, em alta velocidade, na contramão e, segundo os policiais que registraram o acidente, com hálito alcoólico, matou uma família no interior de São Paulo. Este promotor não teve de renunciar a nada: ao contrário, ganhou uma promoção, sendo transferido para uma cobiçada vaga na capital.
Por que o obsequioso silêncio dos meios de comunicação?
Via de regra
Há muitos, muitos anos, os chefes do ‘mesão’ das redações costumavam combater os clichês jornalísticos com frases extremamente precisas: ‘via de regra é vagina’, ‘pelo contrário é cabelo encravado’, ‘por outro lado é no ânus’ – na verdade, não eram exatamente ‘vagina’ e ‘ânus’ as palavras que utilizavam. Afinal, como diria nosso presidente da República, ali não havia freiras. E as frases eram extremamente didáticas. É impossível esquecê-las.
Talvez seja necessário recorrer a métodos pedagógicos semelhantes para fazer com que ‘o outro lado’ das reportagens passe a funcionar como ponto de vista do alvo da reportagem, como sua primeira versão, não como uma obrigação burocrática e chata que deve ser cumprida de qualquer jeito, apenas para que o chefe não reclame e os atingidos não escrevam cartas à Redação.
Outro dia, uma autoridade mostrou a este colunista o bilhete de um repórter, enviado às 15h25, dizendo que ele havia passado a última semana levantando uma determinada reportagem, que seria publicada no dia seguinte. E pedia à autoridade que respondesse a dez perguntas, todas exigindo pesquisa, até o horário de fechamento, 19 horas.
Traduzindo: uma semana para atacar, três horas e meia para responder aos ataques, com a pesquisa incluída – e nenhuma garantia de que a resposta seria respeitada. Muitas vezes, a reportagem informa que a loja de Fulano de Tal, na rua X, número Y, foi autuada por sonegação de impostos e fechada por desobedecer às normas de segurança. Fulano responde que é profissional liberal, jamais teve uma loja na vida, e aliás naquela rua e número não há loja nenhuma. O que sai publicado é a série original de denúncias, acrescida de um ‘Fulano de Tal nega as acusações’.
Outra fórmula é obter informações contra uma empresa e guardá-las até depois das 6 da tarde. No dia seguinte, publica-se a matéria dizendo que não foi possível entrar em contato com a empresa (ou, pior, que ‘Sicrano atendeu ao telefone, dizendo-se segurança, e não respondeu às perguntas da reportagem, nem quis fornecer o telefone pessoal do presidente da companhia’).
Pode-se pedir direito de resposta, pode-se até obter direito de resposta. Mas é caro, não tem utilidade prática, exceto chatear repórter e veículo, por sair anos depois. É desgastante. Seria melhor, no caso, que os próprios meios de comunicação verificassem se não há abuso – ou, então, que se suspenda o inútil gasto de telefonemas, papel e tempo com o ‘outro lado’ que não é bem o outro lado.
Guerra aos clientes
Pois é: existe uma Agência Nacional de Saúde Suplementar que cuida dos convênios e seguros médicos – e cuida tão bem que os convênios e seguros médicos estão ganhando todas, derrotando os clientes de goleada. A imprensa até que assiste ao jogo, mas não está torcendo para o time dos consumidores de informação: de vez em quando, muito de vez em quando, há uma minúscula nota sobre o massacre.
Agora a própria imprensa está sendo vítima das empresas de medicina de grupo: em Fortaleza, a Unimed, irritada com reportagens do jornalista Donizetti Arruda a respeito de sua situação financeira, que ele retrata como precária, conseguiu fazer com que a polícia interviesse. Nada de Justiça, nada de direito de resposta, nada: polícia mesmo, como nos velhos tempos dos generais. Arruda foi intimado pela polícia a comparecer a uma delegacia ‘para prestar esclarecimentos’ a respeito de sua reportagem.
Entidades de classe? Imagine! Governo do estado do Ceará, a quem a polícia está subordinada? Imagine! Agência Nacional de Saúde Suplementar? Imagine! E o desrespeito não se limita ao Ceará: atinge o país inteiro. A Interclínicas fechou e seus clientes foram transferidos compulsoriamente para outras empresas (sem portabilidade: ou eram aquelas ou o seguro morria), os planos mantiveram os preços e baixaram os serviços, a abrangência murchou. Quem tinha o melhor plano da Interclínicas, com cobertura nacional, tem hoje cobertura em São Paulo e está quase chegando à enfermaria. A imprensa fica bem quieta: este colunista viu só uma pequena reportagem da Agência Estado e nada mais.
Recordando
O escritor Fernando Morais, assíduo leitor desta coluna, comenta a nota a respeito do jornal que publicou a foto de uma estátua, com a legenda ‘Duque de Caxias, em cuja praça ocorreu o crime’.
‘Lembrei-me’, conta Fernando Morais, ‘do Tico-Tico (o repórter José Carlos de Morais, astro do jornalismo da TV Tupi de São Paulo) transmitindo o desfile da comitiva do o xá do Irã, Reza Pahlevi, que visitava São Paulo e passava pelo viaduto do Chá, no centro da cidade. A certa altura, lascou: `Agora o xá da Pérsia vai cruzar o viaduto que lhe empresta o nome´’.
O que é, o que não é
Há certos casos que batem fundo na opinião pública – como, por exemplo, o assassínio a sangue-frio de uma criança em São Carlos, SP. Aparentemente, a criança foi morta por pura maldade: os bandidos atiraram apenas para matar.
É curioso como, nesses casos, as reações são ideológicas e estereotipadas: pena de morte, de um lado; causas sociais, de outro. Prisão mais dura, de um lado, problemas educacionais e de uma sociedade injusta, do outro.
A imprensa tem-se limitado a refletir essas posições, a publicá-las, sem tentar qualquer articulação mais profunda. Obviamente, por exemplo, este não é um caso ‘social’: ninguém ali pegou uma arma e matou para satisfazer alguma necessidade real. Também não é problema educacional: já houve universitários matando do mesmo jeito, matando pelo prazer de matar. E não é, também, o caso da pena de morte: se pena de morte servisse para combater o crime, não haveria mais crimes nos Estados Unidos, no Irã ou na China. Mas vale discutir o que fazer com pessoas que matem por prazer: o que não se pode é soltá-las quando cumprirem uma parte da pena, como se automaticamente estivessem regeneradas.
Caetano de volta
O jornalista Caetano Bedaque, com imensa experiência na área de comunicação de redes de TV, está de volta; acaba de assumir a coordenação nacional de imprensa e imagem da Rede TV! Bedaque deve cuidar das áreas de assessoria de imprensa, eventos e promoções, ligado à Superintendência de Jornalismo.
Nos últimos 25 anos, Bedaque cuidou da mesma área nas redes Bandeirantes (sob o comando geral de João Dória Jr.), SBT, Manchete e Cultura. Trabalhou também para grandes empresas, como a TV7, de J. Hawilla, Miksom, Frame, Bradesco Cartões, Pão Pullmann e Anhembi Turismo.
É uma volta promissora, de um bom profissional.
Metalinguagem
Um grande jornal, de circulação nacional, publicou uma ‘metamatéria’, na qual o próprio texto mostrava a correção da tese ali defendida. Dizia o título:
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‘Censo aponta formação deficiente de professores’O texto mostrava que o título dizia a verdade. Professores com formação deficiente, é lógico, deixam os alunos com formação também deficiente.
Veja só as concordâncias:
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‘21% dos docentes não fizeram, 21,3% não possui nenhum curso superior; 08% só estudou; 26,5% não têm; 23% fizeram’.Na dúvida, escreveram no plural e no singular. Algumas vezes vão acertar.
Como…
De um grande jornal, falando sobre um jogo do Corinthians:
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‘Jorge Henrique (…), Morais (…) e Otacílio Neto também erraram nos arremates corretos.’Já os arremates incorretos foram altamente precisos.
…é…
De um grande portal de notícias:
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‘Gado é levado em assalto a fazenda em SP; 12 ficam reféns’Deve ter sido a primeira vez em que usaram o estábulo como cativeiro.
…mesmo?
De um grande jornal, de circulação nacional:
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‘A mãe, Bruna Bianchi, brasileira, morreu em agosto de 2008, no Rio, no parto da filha caçula.’Trata-se de um assunto doloroso – mas sempre que mulheres morrem no parto, é o parto do filho caçula.
Extra
Um conjunto excelente de foto e legenda saiu num dos maiores portais noticiosos. Mostra o príncipe Harry, da Grã-Bretanha, no Marco Zero de Nova York, colocando flores numa cerca de arame. Diz a legenda: ‘Príncipe Harry visita Marco Zero e planta uma árvore’.
Sem um palmo de terra por perto. E bem no alambrado!
E eu com isso?
Foi tocar no assunto Maisa, a estrelinha do SBT, e os leitores se acenderam. Chegaram até a reclamar deste colunista por não ter visto o programa e comentar o caso assim mesmo!
Certa vez, um famoso repórter propôs uma pauta e foi informado de que a matéria já tinha sido publicada no jornal da véspera. Em seguida, tomou a bronca tradicional, de que não lia nem o jornal em que trabalhava. Respondeu com uma frase imortal: ‘Eu sou pago para escrever besteira, não para ler besteira’.
Este colunista acha, como questão de princípio, que a família de Maisa tem a prioridade para conduzir sua vida; e esta prioridade só deve ser anulada se houver algo gravíssimo. Não foi o caso. Este colunista sabe que Silvio Santos, mesmo que tenha todos os defeitos que lhe apontam, é uma pessoa conversável, inteligente, cumpridora das normas legais. Logo, dá para entender-se com ele. Mas não peçam que este colunista assista àquelas coisinhas tão bonitinhas que aquela menina tão engraçadinha fala na TV. Nem esperem que, embora republique notícias de certos portais e revistas, reserve parte de seu tempo para ler as aventuras de famosos. Como estas:
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‘Nicolas Cage come pizza com as mãos no set de seu novo filme’**
‘Grazi vai à praia com seus cachorrinhos’**
‘Britney Spears é madrinha do casamento do primo’**
‘Mário Frias e a mulher comem milho na praia’**
‘Vanessa Hudgens fica presa no congestionamento’**
‘Fernanda Rodrigues está grávida do primeiro filho’**
‘Britânica faz 18 anos e ganha injeções de botox de presente da mãe’**
‘Michael Jackson está convencido de que seu nariz irá cair’Pois é. E dizem que não é a primeira coisa.
O grande título
Uma belíssima safra, nesta semana. Comecemos pelo mais chocante:
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‘Governadora-geral do Canadá come coração cru de foca’O título choca não pelo coração (sarapatel também é feito de miúdos, embora não de foca), mas por ser cru. Mas talvez não nos deva chocar: o bispo Lugo, presidente do Paraguai, parece que gostava muito de comer carne crua.
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‘Calma excessiva do Sol pode indicar nova era glacial’E até a semana passada o problema não era o aquecimento global – exatamente o oposto?
O título favorito deste colunista, entretanto, é aquele que oferece mais leituras, especialmente a maliciosa.
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‘A história inacreditável do furo perdido’É a história de como o New York Times teve nas mãos a pista do caso Watergate, um pouco antes do Washington Post, e não soube aproveitá-la.
Mas que o título pode ser interpretado como aquilo que, nos tempos da vovó, chamava-se de ‘mau passo’, ah, isso pode.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados