Em seu comentário para o programa Observatório da Imprensa no rádio, na sexta-feira (28/3) [leia aqui, ouça aqui], o jornalista Alberto Dines ponderou que a imprensa não dá a devida atenção ao verdadeiro massacre que ocorre continuamente nas estradas brasileiras. A imprensa se mobiliza vigorosamente quando ocorrem acidentes aéreos, mas não se sensibiliza com o que acontece nas rodovias e avenidas.
Nos desastres que interrompem o tráfego nas cidades, os repórteres dos noticiários radiofônicos das manhãs ‘parecem mais preocupados com a rápida remoção dos corpos das vítimas nas vias urbanas do que com as vidas anônimas que acabaram de ser interrompidas’, observa Dines: ‘A morte vertical é mais fascinante, na horizontal é inglória.’
Recentemente, também o jornalista Sérgio Gomes lembrava que, todos os meses, pelo menos 250 brasileiros morrem em acidentes de trabalho, e outros tantos ficam mutilados ou incapacitados, sem que essa tragédia sensibilize a imprensa. A imprensa produz continuamente estatísticas sobre tudo, desde os congestionamentos diários nas grandes cidades até os gols perdidos pelo centroavante daquele time mais popular. Mas não costuma registrar a contagem das perdas de vidas humanas, que se concentram nos setores de construção civil, de mineração e nos serviços de entrega de correspondência por motocicleta.
O tamanho da omissão
Neste mês de abril, o governo deve concluir a nova política industrial. Não há registro de grandes preocupações com o fato de que o aquecimento da economia traz também maiores perigos para aqueles que estão nas frentes de obras. A pressa que o Brasil tem de recuperar sua infra-estrutura pode resultar no aumento do risco para milhões de trabalhadores, assim como é certo que grande parte das obras previstas no Plano de Aceleração do Crescimento são vistas como potencialmente danosas para o meio ambiente.
Dados divulgados no ano passado pelos Ministérios da Previdência Social e do Trabalho e Emprego, referentes a 2005, apontam a ocorrência de 491.711 acidentes de trabalho, dos quais 2.708 resultaram em mortes. Como os dados oficiais se referem somente a acidentes que vitimam trabalhadores registrados, estima-se que os números reais sejam de duas a três vezes superiores, não apenas pela enorme incidência de trabalho sem registro em todo o país, mas também porque nessas circunstâncias informais, a fiscalização sobre o uso de equipamentos de segurança e a obrigatoriedade do treinamento em saúde e segurança do trabalho simplesmente não existe.
É como se a imprensa considerasse as mortes nas estradas e nos canteiros de obras apenas uma intercorrência do progresso, ou parte da relação econômica de custo-benefício no processo de desenvolvimento. Com tamanho gosto que demonstra para as estatísticas de banalidades e para os rankings que pouco acrescentam ao conhecimento sobre como funciona a sociedade, restam poucas alternativas para explicar tal omissão.
In memoriam
A pauta é urgente e relevante, pois a pressão midiática pode mobilizar os fazedores de políticas públicas no sentido de melhorar o sistema de prevenção de acidentes de trabalho, que se desenvolveu muito no Brasil nas últimas décadas mas que ainda não funciona em vastas regiões do país.
As recentes discussões sobre os índices de desmatamento da Amazônia trouxeram informações paralelas sobre o estado de desrespeito a direitos básicos dos trabalhadores nas fronteiras agrícolas. Tanto nos lugares remotos onde pouco funciona o poder público, como nas zonas urbanas habitadas pelos mais pobres, que embora geograficamente próximas estão isoladas das instituições que deveriam garantir condições dignas de trabalho, o risco é ainda maior.
Dia 28 de abril, daqui a menos de um mês, é a data escolhida pela Organização Internacional do Trabalho, desde 2003, como o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho. Dá tempo de planejar uma pauta decente sobre esse tema.
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Jornalista