Na terça-feira (20/5), uma falsa notícia, divulgada por um importante canal de TV, mostrou como anda a imprensa no país: ninguém checou nada e todo mundo pôs no ar. A emissora de TV responsável pela barriga teve a cara-dura de afirmar que, enquanto divulgava as imagens de um incêndio, que teria sido causado pelo choque de um avião de passageiros com um prédio, ia checando a notícia.
Em resumo: divulgar antes, checar depois. E as concorrentes agiram ainda pior: copiaram primeiro, e algumas nem se deram ao trabalho de checar. Foram responsáveis não apenas pelos momentos de terror vividos pela família e pelos amigos dos passageiros daquela companhia, mas também por prejuízos reais à imagem da empresa aérea cujo nome foi citado. E foram responsáveis por atrasos e contratempos sem fim, já que a área mencionada como palco do choque do avião com o prédio é uma das mais movimentadas de São Paulo.
De onde surgiu a história? Ninguém sabe. O que ocorreu de fato foi um incêndio numa loja de móveis e colchões, com muita fumaça preta, muito susto e nenhuma vítima. Quem inventou que havia ali um avião de passageiros? Ninguém sabe, e a emissora que criou a barriga nada informou.
A fonte, cadê a fonte?
O fato é que a internet, que pôs a informação ao alcance de muito mais gente em muito menos tempo, tem desprezado a boa apuração em troca da velocidade. E, já que não é mesmo para apurar, por que gastar em bons jornalistas, em editores, em equipes de tamanho suficiente, em qualidade? Este colunista conhece alguns veículos online operados exclusivamente por estagiários, sem ninguém que os treine, que os ensine, que se responsabilize por eles. Outros online, ligados a empresas que levaram anos construindo uma boa reputação, publicam qualquer coisa, e quando a informação é contestada dão uma resposta-padrão: ‘Nós recebemos da Agência X’. E daí? Se a Agência X informasse que os Estados Unidos, invadidos por tropas bolivarianas do presidente Hugo Chávez, com apoio logístico da Marinha de Guerra de Evo Morales, tinham concordado em se transformar em província boliviana, o jornalista divulgaria?
Há alguns anos, quando este colunista começou a trabalhar, notícia era mercadoria rara e cara. Hoje é abundante e barata. Mas é preciso evitar que, em nome da velocidade na transmissão de informações, a notícia perca sua principal característica: a semelhança com os fatos que pretende descrever.
A manipulação da notícia
A defesa de um policial acusado de corrupção, em Mogi das Cruzes, abre definitivamente a caixa-preta do relacionamento entre alguns jornalistas e alguns promotores: em troca de notícias exclusivas, jornalistas aceitam ser instrumentalizados pelos acusadores e publicam a informação como lhes é exigido.
O caso que explodiu agora é o de um e-mail enviado por um promotor a uma jornalista, denunciando a corrupção de 13 policiais. No e-mail, além da notícia, o promotor instrui a jornalista sobre como divulgar a denúncia (não deveria, por exemplo, abrir a denúncia completa, nem usar transcrições literais da acusação, para não colocar em risco a legitimidade da Promotoria diante do Poder Judiciário). Uma frase textual: ‘Queremos evitar que se diga que os promotores estão querendo aparecer’.
Como não havia segredo de Justiça nem o promotor lhe pedira sigilo, a jornalista passou cópia do e-mail a alguns dos policiais acusados, para que dessem sua versão dos fatos. O advogado de um policial juntou o e-mail ao processo e acusou o promotor de tentar dirigir o trabalho da imprensa. E o promotor passou a recusar-se a atender à jornalista que não o obedeceu, acusando-a de estar do lado da defesa – como se isso fosse crime.
Parece que o promotor ficou bravo ao descobrir que a jornalista estava ao lado do consumidor de informações, que merece receber a versão de todos os envolvidos. Talvez tenha razão para se irritar: nos últimos tempos, a imprensa, que nos tempos da ditadura se manteve sempre no apoio à defesa, mudou de posição e passou a aceitar, quase incondicionalmente, os argumentos da acusação.
Nunca se deve esquecer o promotor Luiz Francisco de Souza, aquele de Brasília, que por sinal anda sumido: é preciso usar a imprensa para que os juízes não possam negar as prisões pedidas pelo promotor. O que cabe à imprensa é não se deixar usar nem pela defesa, nem pela acusação – e manter-se crítica até com os juízes.
Belo livro
Não perca: Jayme Copstein, um dos grandes jornalistas do Sul, lançou seu livro Ópera dos Vivos, contando histórias dos bastidores de mais de 40 anos de jornalismo. Citando Bismarck, o príncipe prussiano que unificou a Alemanha, lembra que quanto menos soubermos como são feitas as leis e as salsichas, melhor dormiremos à noite. E completa: os jornalistas têm certeza de que todos cairiam na gargalhada se soubessem o que ocorre nos bastidores das redações.
Sérgio de Souza
Caros Amigos, a última criação de Sérgio de Souza, está circulando com uma edição especial sobre ele. Para quem não o conheceu, vale a pena tomar conhecimento de uma carreira sólida, competente, bem-feita; para quem o conheceu (e que normalmente se tornou seu amigo), vale a pena lembrar boas histórias.
Aquele pássaro
A figura mitológica de que os jornalistas sempre falam, quando há ameaça de cortes, acaba de aparecer ao vivo: Gary Kasparov, antigo campeão mundial de xadrez, hoje líder da oposição na Rússia, liderava um ato público pró-democracia quando um pênis de borracha atravessou a sala de um lado a outro. Ainda bem que, na platéia, todos eram voluntários: ninguém foi demitido.
Como é mesmo?
Título de matéria num grande portal:
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‘Ruas paradas já levam o caos ao céu de São Paulo’.Notável: este colunista mora em São Paulo há tantos anos e nunca soube que aviões estivessem pousando e decolando de ruas.
E eu com isso?
Pênis de borracha cortando os céus da Rússia, ruas paradas prejudicando o tráfego aéreo em São Paulo, promotor bravo porque a jornalista mostrou ao acusado a denúncia que ele, de qualquer maneira, conseguiria nos autos do processo – este mundo anda muito esquisito. Vamos procurar as notícias normais, aquelas que animam a conversa relativa a novelas e aos astros da tela. Digamos,
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‘Danton Mello e Juliana Knust trocam carinhos em pizzaria no Leblon’Ou algo fundamental, como:
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‘Carro de Dado Dolabella é visto estacionado na porta do prédio de Luana Piovani’Ou algo que pode render múltiplas discussões sobre estética facial:
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‘Sabrina Sato desiste de tirar pinta da testa’Será que alguém não gosta do rosto de Sabrina por causa da pinta?
O grande título
Coisas muito interessantes na semana. Veja só que beleza:
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‘Fungo que come urânio pode limpar campo de batalha’O urânio empobrecido, utilizado em pontas de projéteis e em blindagens, pode ser retirado do campo de batalha sem qualquer problema, como se remove qualquer outro detrito bélico. O fungo será utilíssimo para remover o urânio radioativo – mas alguém já ouviu falar, nos últimos 60 anos, de alguma batalha em que tenham sido usadas armas atômicas?
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‘Auditores iniciam paralisação de greve após mais de 50 dias’Apenas uma dúvida: nas duas greves de jornalistas de que participou, este colunista lembra com clareza que, cessada a paralisação, a gente voltava ao trabalho e pronto. Como é que se inicia uma paralisação da greve?
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‘Preso em churrasco bando roubo de carros’Ao contrário do que se possa imaginar, este não é um título ‘obra aberta’, daquele que permite variar os rumos de qualquer reportagem. Este é de múltipla escolha: a gente vai tentando acertar as palavras e obtendo títulos diversos. Legal!
Mas o grande vencedor é o título que trata do tema da moda:
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‘Enquanto Bia Antony come, Ronaldo fecha a boca’Tudo bem, tudo bem. Mas este colunista achava que o problema atual de Ronaldo Gorducho não é fechar a boca: é fechar o zíper das calças.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados