Começa a ficar alarmante a politização rasteira de temas sérios por uma parte da mídia jornalística brasileira. O tópico, aqui, é a “crise energética”.
Tudo bem que a ausência de oposição efetiva e competente tenha obrigado a grande imprensa e a televisão a se manterem firmes na denúncia do mensalão e de tantas outras transgressões das leis ou, nos casos menos graves, práticas pouco ou nada republicanas. Na oposição, o PSDB, que sabia desde o primeiro semestre de 2004 do pagamento de “mesadas”, tinha rabo preso com Marcos Valério Fernandes de Souza.
Mas no caso da energia elétrica a imprensa não pode agir como partido. Seu compromisso é com o leitor, com o país. O que mais interessa é saber como enfrentar as dificuldades, que são de todos. Quando há uma epidemia grave ou uma catástrofe, as forças não podem ser dissipadas discutindo de quem foi a “culpa”. A “culpa”, é bom lembrar, não cabe dentro de mandatos quadrienais.
O nível dos reservatórios das hidrelétricas certamente preocupa o governo, que perdeu o verniz da “competência gerencial” com que a mídia o brindara, na esperança boba de introduzir por essa via uma cunha entre Dilma Rousseff e Lula.
(Não será surpresa se um balanço sereno feito por algum historiador daqui a anos ou décadas levar à conclusão de que o governo Lula teve mais “competência gerencial” do que o de Dilma. Até porque qualquer historiador sério sabe que a chave de análise da história de uma sociedade humana tem que ser política, não “gerencial”. E, nesse terreno, Lula está situado a anos-luz de Dilma. Caso não fosse assim, talvez não a tivesse escolhido para guardar seu lugar na presidência da República.)
Quanto mais preocupa, mais o governo diz que não preocupa. E os jornais informam: o acionamento de termelétricas irá até abril, ou será permanente.
Assim, é compreensível que a mídia marque “homem a homem” o setor mais estratégico da infraestrutura. É útil que ouça diferentes avaliações e opiniões. As oficiais e as outras. (Devia descontar a “inquietação dos mercados”, que não passou de jogada especulativa na bolsa. Mas, infelizmente, se faz sempre instrumento da especulação.)
É necessário que aponte atraso nas obras de hidrelétricas. Que questione com mais vigor toda a lógica da política energética. O consórcio Norte Energia, responsável pela usina de Belo Monte, atendeu todas as reivindicações de índios que haviam ocupado um canteiro de obras no Rio Xingu: em outras palavras, reconheceu que os manifestantes tinham razão. Mais uma derrapada em obras de hidrelétricas amazônicas.A produção de óleo da Petrobrás continua em queda. Perde-se energia em linhas de transmissão. O custo dos "gatos" é rateado pelas distribuidoras entre todos os consumidores. Etc.
Economia, não racionamento
O que em nenhum momento se mencionou, e faz todo sentido discutir, são medidas de economia de energia. Não racionamento, economia. Existem centenas de ideias, algumas velhas de décadas, mas é como se o anjo exterminador ameaçasse fulminar o primeiro que der um passo na direção de colocar em questão o modo tosco como se consome energia no Brasil.
Será que, fora do marketing pré-eleitoral, interessa tanto saber quem é “responsável” pelo risco de racionamento? Claro, o PT bateu quanto pôde no governo de Fernando Henrique Cardoso quando a incompetência energética oficial da época aflorou. Mas daí não se tira nenhum ensinamento muito útil.
O que mais interessa, sobretudo quando se sabe que o planeta não suporta a generalização dos padrões de consumo de energia americano e europeu, é começar a antecipar como serão novos hábitos, tornados possíveis por ideias inovadoras e novas tecnologias, cuja descoberta essas próprias ideias poderão facilitar (e vice-versa).
Mas essa talvez seja uma pauta mais dirigida à razão do que à (suposta) emoção. Assim, as sucursais brasilienses e as editorias de política e economia não se sentem atraídas. E continuam a pôr ênfase nas mesmas velhas teclas.