Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Abaixo a esperança

O ex-presidente Lula fez na segunda-feira (13/5) uma declaração que, em tempos menos bizarros, teria merecido comentários das partes concernidas: “Político ético, de comportamento irretocável, não existe”.

Até quarta-feira (15), nenhum político havia declarado nada a respeito. A trajetória de não poucos homens públicos vivos poderia ser evocada para questionar a certeza de Lula. Entre os atualmente em destaque, talvez alguém como Marina Silva, Alessandro Molon, Marcelo Freixo – para não encompridar a lista de exemplos – pudesse ter reagido.

Como explicar o silêncio? Quem cala, consente? Ou ninguém quis atrair a suspeita de estar vestindo a carapuça? Ou é isso mesmo, e voltar ao assunto é chover no molhado?

Generalização

Lula é provavelmente o político mais competente cuja emergência foi até aqui permitida pela redemocratização do país. Tem extraordinária inteligência, conhece o Brasil pelo direito e pelo avesso, tem o dom da palavra, tem carisma, é um organizador, um vitorioso em várias frentes de batalha.

Conviveu e convive com políticos de todas as ideologias, extrações sociais, confissões religiosas e formações profissionais, homens, mulheres, jovens, velhos. Teve em seu partido figuras como Hélio Bicudo e Plínio de Arruda Sampaio. Em suas alianças, desde um José Alencar até um Roberto Jefferson, um Romeu Toma, um Fernando Collor, um Valdemar Costa Neto, um Paulo Maluf. Tipos variadíssimos.

Lula poderia ter dito que, nas condições em que é feita a política brasileira, é impossível “ser ético” ou ter “comportamento irretocável”. Poderia até ter dito que nenhum homem é santo, é “perfeito”, que o mundo é um moinho, destrói nossas ilusões, ou coisa que o valha. Mas, ao generalizar, cometeu injustiças.

Culpa da imprensa

A imprensa teria permissão para meter sua colher, porque a declaração não terminava no trecho citado. A frase inteira publicada pelo Estado de S.Paulo na terça-feira (14/5) reza assim:

“O político ideal que vocês [os mais jovens] desejam, aquele cara sabido, aquele cara probo, irretocável do ponto de vista do comportamento ético e moral, aquele político que a imprensa vende que existe, mas que não existe, quem sabe esteja dentro de vocês”.

Ou seja: a imprensa é que tem culpa no cartório. Estaria vendendo ilusões. Mas não é a imprensa que persegue o crime, a falha, o defeito, o espetacular, o assustador? Os jornalistas não são indivíduos que apagaram a chama do idealismo com a água gélida do cinismo? Como é que vendem essa ilusão? Onde?

Dilma endossa?

O ex-presidente praticou malabarismo retórico: 1) a mídia vende a ideia ilusória de que há políticos de comportamento ético e moral; 2) com isso, provoca na juventude a expectativa de que tais indivíduos existam; 3) como eles não existem, está criado um problema. Qual deveria ser a meta? Elevar o padrão da vida política ou impedir que a imprensa propague tal despautério? Se assim é, por que Lula continua na política? Para ajudar a colocar no poder indivíduos que agem de maneira reprovável?

Enquanto presidente, Lula, salvo no período do mensalão, cumpriu um dos papeis mais importantes exigidos pelo cargo: dar esperança a seu povo, mesmo ao preço de exageros verbais e uma ou outra promessa eleitoreira.

Agora, parece querer matar a esperança (embora tenha dito, contraditoriamente, que entre os jovens a quem falava poderia surgir o indivíduo probo). Tudo bem, ele não é mais presidente. Mas a presidente da República não deveria endossar, pelo silêncio, essa ducha de água fria na cidadania. Até por uma questão de amor-próprio.