Pergunte-se aos editores, secretários de redação e redatores-chefes dos jornais o que mais os deixa indignados. A resposta deve ser unânime: a nova bossa das agências de publicidade que, para mostrar serviço aos clientes, inventam as mais esdrúxulas colocações e formatos de seus anúncios nas páginas dos jornais.
Quando a bagunça ainda não estava instalada e os veículos impressos tinham força para resistir aos surtos de invencionice dos departamentos de criação das agências, a publicidade obedecia a uma rigorosa paginação para respeitar a diferença entre matéria paga e matéria informativa: os anúncios eram arrumados nos cantos das páginas. Na pares, anúncios no lado esquerdo; nas ímpares, no lado direito; sempre organizados pelo tamanho, como pirâmides – os maiores embaixo.
A crise econômica dos últimos anos fez desandar a praxe e a tradição, criadas – diga-se – para defender o interesse do leitor. Como os jornais andavam com a língua para fora, passaram a aceitar anúncios em qualquer formato e em qualquer lugar das páginas. Verdadeira chantagem.
Este Observatório manifestou-se anteriormente sobre o assunto porque o delírio criativo dos ‘criativos’ produzia aberrações que comprometiam a imagem do jornal como o ícone da mídia impressa.Felizmente, o feitiço virou-se contra o feiticeiro e quem pagou o pato foi a TAM. Nas suas edições de quinta-feira (10/11), os três jornais nacionais foram obrigados a inserir mais uma experiência amalucada: no alto de uma determinada página, ao lado da manchete, colocaram um jato da TAM e no rodapé desta página, estendendo-se até a página frontal, um anúncio da empresa aérea.
Os rodapés estavam dentro dos cânones, mas aquele jato recortado ao lado das manchetes produziu situações hilariantes, peças clássicas da antipropaganda.
Corpo e alma
No Globo (pág. 12) a manchete de oito colunas dizia: ‘Planalto admite: Lula assistiu DVD pirata’. O que é que o leitor vai imaginar vendo aquele jato colado na manchete? No mínimo que nos aviões da TAM é possível assistir a DVDs piratas.
Na Folha de S.Paulo (pág. A8), a manchete de oito colunas proclamava: ‘Agência de Valério lançou nota fria, diz CPI’. Com aquele jato da TAM colado ao título, nosso leitor está sendo induzido a acreditar que a TAM, empresa séria, acaba de ser envolvida no valerioduto.
No Estado de S.Paulo (pág. A10) a coisa ficou ainda mais grave porque o aviãozinho da TAM ficou em cima do título ‘Adauto confessa que sempre usou caixa 2’. Como se trata do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto, a alusão é direta e inequívoca: a TAM está no esquemão do caixa 2 do ex-ministro em troca de facilidades na sua pasta.
Se no início desta moda a Associação Nacional de Jornais (ANJ) tivesse reclamado contra os abusos cometidos contra os direitos dos leitores dos jornais, os ‘criativos’ das agências já teriam há muito reorientado a sua criatividade. Mas como a ANJ aderiu de corpo e alma à máxima ‘ao mercado, tudo’ (certamente sugerida pelos consultores de Navarra-Opus Dei), os abusos só acabarão quando as gafes forem ainda maiores. Talvez seja tarde demais.