Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Antes de democratizar, moralizar

‘É um assunto importante demais para ser decidido entre quatro paredes’, disse o ministro Franklin Martins (da Comunicação Social) na sexta-feira (28/9). Referia-se à necessidade de um amplo debate sobre o atual sistema de concessões de radiodifusão, reconhecidamente desatualizado, precário e injusto.


O vencimento, na sexta-feira (5/10), das concessões recebidas por entidades que controlam as redes Globo, Record, Bandeirantes, Gazeta e Cultura é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada. O ministro tem razão, é preciso desentocar a questão das concessões de canais de rádio e TV, mas quem amarra o debate e impede que se transforme em mudança tem nome e endereço: o Congresso Nacional, Praça dos Três Poderes, Brasília, DF.


Pela Constituição cabe ao Congresso decidir sobre as concessões, depois dos pareceres técnicos do Executivo. O Congresso não é uma entidade abstrata, é integrado por partidos, e os partidos têm programas, compromissos, interesses e representantes. O vetor capaz de empurrar o Congresso na direção de mudanças são as maiorias – na Mesa Diretora das duas Casas, nas comissões técnicas e nos plenários.


O debate público desejado pelo ministro Franklin Martins ainda não aconteceu simplesmente porque o Congresso e as maiorias que o controlam são beneficiários de um sistema viciado de privilégios que ninguém tem a coragem de denunciar e combater.


Forças da resistência


A democratização das concessões de radiodifusão passa antes por uma aberração que não é propriamente política, é moral: o parlamentar que autoriza concessões públicas não pode ser ao mesmo tempo um concessionário. Legislar em causa própria é quebra de decoro.


Calcula-se que metade dos congressistas é concessionária direta ou indireta do sistema de radiodifusão. A dificuldade em quantificar a anomalia e coibi-la decorre justamente do abuso de laranjas, formais ou informais.


A mácula das concessões nunca foi escondida, não está confinada entre quatro paredes: o programa Observatório da Imprensa na TV já dedicou ao assunto quatro edições completas, o material publicado por este portal em seus 11 anos de existência daria para completar um tratado sobre desvios de conduta parlamentar [ver remissões abaixo]. A Folha de S.Paulo já produziu impressionantes levantamentos sobre as irregularidades no sistema de concessões. Nada aconteceu, nada mudou.


O Instituto Projor (mantenedor do projeto Observatório da Imprensa) entregou em 2005 à Procuradoria Geral da República (PGR) um minucioso cruzamento de dados comprovando que mesmo integrantes da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), encarregada de verificar as concessões, são concessionários de radiodifusão. A PGR recebeu a contribuição, agradeceu, examinou o estudo ao longo de dois anos e… arquivou. Promete usá-lo oportunamente. Esqueceu que ao Ministério Público também cabe iniciar ações em nome da sociedade.


Este nova omissão do Poder Público na questão das concessões dá a dimensão das forças que resistem às mudanças. Este é um lodaçal que ninguém tem a coragem de sanear.


Imperativo político


Não são as redes de TV que se agarram ao status quo, são os parlamentares-concessionários. ‘Franciscanos’ ou assumidos coronéis eletrônicos, nenhum congressista vai abdicar de uma vantagem que lhe rende tanta ‘sustentabilidade’ (leia-se votos, poder e dinheiro).


Quando o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso, então presidido pelo jurista José Paulo Cavalcanti Filho, ganhou alguma desenvoltura para colocar em pauta a questão da concentração da mídia [ver aqui a transcrição dos debates no CCS], que logo desaguaria nas concessões de radiodifusão, o manda-chuva do Senado, José Sarney, conseguiu desarticular o Conselho e colocou na presidência o seu parceiro especializado, Arnaldo Niskier.


Acreditar que o PT ou algumas de suas alas estão efetivamente interessados em mexer no sistema de concessões equivale a acreditar na possibilidade da Câmara Federal aprovar uma reforma política. Mais fácil será intensificar a cruzada pela ‘democratização dos meios de comunicação’ que jamais sairá do papel, mas terá grande serventia para manter a mídia na defensiva.


A mudança no sistema das concessões é um imperativo político e moral. Para ser bem sucedida, deve ser encarada sob estes dois aspectos. Avanços democráticos não podem acontecer em ambientes marcados pela bandalheira.


Em tempo: As denúncias sobre ilegalidades na propriedade da Record News, que pertence à Rede Mulher, demonstram a necessidade de moralizar com urgência o regime de concessões de radiodifusão.


***


Arquivada a representação do Projor


Luiz Egypto


No ofício GAB PR/DF/RB Nº 167/07, datado de 5/9/2007, o Ministério Público Federal, por intermédio da Procuradoria da República no Distrito Federal, informou ao Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo a ‘promoção de arquivamento dos autos da representação’ número 1.00.000.011221/2005-71, que instava o MP a propor providências legais contra deputados e senadores concessionários de canais de rádio e/ou TV – o que é inconstitucional. Muitos desses parlamentares e participam das reuniões da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados e da Comissão de Educação do Senado, ambas instâncias legislativas que tratam das renovações e homologações de concessões de radiodifusão [ver aqui o texto da representação].


O ofício, assinado pelos procuradores Raquel Branquinho P.M. Nascimento e Rômulo Moreira Conrado, informa que ‘foram propostas ações civis públicas relativamente aos fatos narrados na representação’ e, desse modo, ‘tem-se que não justifica a propositura de uma nova ação de improbidade ou ação civil pública para a anulação de atos jurídicos, já que a ação proposta, se referindo a uma série de fatos relevantes, contempla todo o objeto da representação e dos procedimentos apensados’.


No item 7, o documento assinala que:




‘No que tange ao primeiro dos fatos [51 parlamentares concessionários diretos de rádio e TV], contudo, tem-se que, ainda que seja imoral, encontra amparo no artigo 54, I, a, parte final, da Constituição Federal de 1988. De fato, prescreve o ato normativo em tela que os Deputados e Senadores não poderão, desde a expedição do diploma, `firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes´. Os contratos de concessão de serviços de radiodifusão se enquadram na exceção em tela.’


Noves fora toda verve jurídica, fica outra vez patente a dificuldade prática de meter a mão na cumbuca desse tipo de concessões a parlamentares. De todo modo, ao promover o arquivamento da representação, o MP concede que os autos permaneçam na Procuradoria da República ‘para fins de consulta, de forma a subsidiar os autos das ações civis públicas já propostas, o que se afigura necessário em especial tendo em vista a complexidade da matéria’.


E la nave va.


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A legalização do conflito de interesses


A.D. # Comentário para o programa radiofônico do OI, 3/10/2007


É espantosa a decisão da Procuradoria Geral da República ao recusar a representação do Instituto Projor contra os parlamentares que legislam em causa própria e concedem-se canais de rádio e TV.


Embora tenham sido apontados 51 nomes, o Ministério Público Federal concluiu que a prática, embora imoral, encontra amparo na Constituição. Significa que a nossa Constituição convive com imoralidades? Ou é o Ministério Público que prefere armar um truque jurídico para justificar a sua omissão?


Se o Ministério Público representa os interesses da sociedade, e se ele flagrou uma imoralidade perpetrada por 51 congressistas, é legítimo contentar-se com o arquivamento da representação? Não seria mais compatível com suas responsabilidades e deveres encaminhar a questão da constitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal?


Está cada vez mais evidente que a democratização das concessões de radiodifusão deve ser precedida por um processo de saneamento moral. A representação ora arquivada pela Procuradoria Geral da República por sugestão do Ministério Público Federal é um retrocesso. Legaliza o conflito de interesses e torna secundário o decoro parlamentar.


 


 


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