Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Anunciaram que o mundo ia se acabar!

O verso do samba de Assis Valente veio imediatamente à cabeça quando li, na manhã de segunda-feira (11/6), a notícia de que um asteróide de grandes proporções tinha mudado seu curso e vinha em direção à Terra. Tal notícia se encontrava na página de abertura do portal do Estadão, vinculado a um dos mais conceituados jornais do Brasil.


Ao clicar na manchete, fui redirecionado para um site com o pomposo nome de Observatório dos Asteróides (como se vê, existem observatórios bem diferentes do nosso). A intenção era se passar por um órgão sério – afinal, havia uma indicação de que o site era filiado a um certo International Astronomy Centre, que, pelo menos segundo o Google, nem existe.


A notícia ali descrita com frieza científica dizia, trocando em miúdos, que teríamos mais um mês de vida. O asteróide 2-Pallas (que realmente existe) estaria literalmente batendo aqui na Terra na primeira quinzena de julho, dizimando a humanidade. A notícia revelava em tom de quase confidência:




‘Os principais centros espaciais do mundo ainda não se pronunciaram, mas já existe uma grande mobilização na comunidade científica e militar. (…) Logo, deveremos ter novas notícias das autoridades competentes, que por enquanto evitam comentar o fato para não gerar um descontrole generalizado na população mundial.’


Só um incauto para aceitar sem questionamento tal disparate: como uma notícia dessa gravidade seria abafada em prol do bom comportamento dos habitantes do planeta? Mas o problema é que o mundo está cheio de incautos. E, acreditem, ainda tem muita gente que crê no que jornais importantes como o Estadão publicam.


Investigando o fim dos tempos


Fui escarafunchar a internet para saber o que afinal era aquela ‘notícia’. Primeiro descobri que o tal site só tem um post, exatamente o que anunciava o fim do mundo. Mais, à frente, no blog de Rodrigo Prior notei que mais gente estava interessada no assunto. Ele já havia investigado e descoberto que o domínio do site pertencia à Peugeot-Citroen. E daí para a notícia de que será lançado, em julho, um carro chamado Citroen Pallas foi um pulo.


Fiquei sabendo também que a mesma notícia havia sido publicada no portal do UOL, mas de uma forma ‘mais publicitária’, digamos assim, destacando o conteúdo do resto do site e com uma diagramação diferente. No Estadão, o único sinal que nos poderia fazer desconfiar da veracidade da ‘notícia’ era um crédito de ‘PUBLICIDADE’ na foto que acompanhava a manchete.


As reclamações devem ter sido muitas. No meio da manhã, o tal asteróide sumiu do portal do Estadão. No começo da noite de segunda-feira, o UOL publicou uma nota dizendo que resolveu tirar a noticia do ar antes do prazo estipulado em contrato, já que a mesma ‘confundiu os internautas brasileiros’. Na mesma nota, o diretor de criação da campanha da Peugeot-Citroen disse que se tratava de uma ação de buzz-marketing, e que a idéia era despertar a curiosidade do leitor para a ação promocional. Pergunto: ação promocional do quê, se em nenhum momento era citado que aquilo fazia parte do lançamento de um carro?


Repúdio tardio


O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) diz, entre os artigos do seu código, que ‘o anúncio não deverá conter informação que leve o consumidor a engano’; que ‘anúncios não podem abusar da confiança do consumidor e se beneficiar de sua credulidade’; e, por fim, que ‘o anúncio deve ser claramente distinguido como tal’.


O UOL informou que decidiu cancelar o contrato pois, segundo a diretoria de publicidade do portal, ‘repudia publicidade que imita conteúdo jornalístico e confunde o público’. Mas, convenhamos, este repúdio deveria ter ocorrido antes de a ‘notícia’ ir ao ar.


Anunciante e agência não viram nada de antiético na propaganda. Mas será que quem leu a falsa notícia também acha isso? O tempo dirá se a montadora deu um tiro no pé ou não.


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Editor-executivo do Observatório da Imprensa na TV