Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aonde o boi vai, a manada vai atrás

Pedro Alexandre Sanches, crítico de música, repórter, escreve um artigo interessantíssimo em seu blog, na quinta-feira (25/6). O título é ‘Simonal e a ditabranca’, e o tema, trazido pelo filme Ninguém sabe o duro que dei, é Wilson Simonal. Mas o que nos interessa, neste momento, não é saber se Simonal foi ou não informante, nem analisar por que a imprensa, fosse qual fosse sua tendência ideológica, preferiu sepultá-lo vivo. O que chamou a atenção deste colunista foi um excelente depoimento do próprio Sanches, que encarava Simonal com hostilidade e acabou descobrindo que não sabia por que não gostava dele – um problema enfrentado não apenas por Simonal, mas por inúmeros alvos da artilharia da imprensa.

Este colunista, em CPIs, já viu coisas fantásticas. Viu repórteres arrumando as unhas, sem prestar a menor atenção aos depoimentos, para depois ouvir os acusadores, só os acusadores, e escrever a matéria. Viu, certa vez, um parlamentar exigir que os colegas de trabalho do investigado levantassem as mãos, para identificá-los; e repórteres gritando ‘manda ficar de pé pra gente escrachar!’ Outra vez, graças aos esforços de um parlamentar cujo caráter não chega a ser imaculado, foi vítima de um engraçadíssimo interrogatório, movido pela segurança da Casa: embora fosse conhecido de todos, embora tivesse todos os documentos em ordem, embora estivesse com o crachá da CPI pendurado no pescoço, queriam provar que se tratava de outra pessoa, com outro nome, mas que também era gordo. Os repórteres assistiram à cena, mas não a narraram: afinal de contas, não era nada que pudesse prejudicar o investigado, de quem não gostavam.

Faça um teste, caro colega: pergunte a alguém quais são os crimes pelos quais o banqueiro Daniel Dantas foi condenado, e por quais outros é investigado. Não é questão de discutir culpa (isso já foi decidido pelo juiz que o condenou): apenas de ganhar a certeza de que alguns dos mais ferozes adversários do banqueiro entre os repórteres não têm a menor idéia do motivo pelo qual o detestam.

Tudo bem, cada um gosta de quem quer. Só que isso não é jornalismo. Jornalismo é o que fez Pedro Alexandre Sanches (e, em sentido oposto, sustentando a culpa de Simonal, é o que fez Mário Magalhães). O resto é achismo.

 

O que dá pra rir dá pra chorar

Este efeito-manada, a propósito, também complica a vida de muitos colegas. Quem não gostava dos reacionaríssimos Nelson Jobim e Renan Calheiros, ‘ministros-du-efeagácê’, de repente tem de gostar dos progressistas Nelson Jobim e Renan Calheiros, aliados do Nosso Guia, como o chamou o chanceler Celso Amorim (ex-Itamar Franco). E quem chama Nélson Jobim e Renan Calheiros de ‘cumpanhêro’, como é que os chamava quando eram ‘du-efeagácê’?

 

Notícia com botox…

Outra consequência interessante do efeito-manada é o rejuvenescimento de notícias velhas, que de repente viram coisas escandalosíssimas e que, tantos anos depois, precisam ser denunciadas com o máximo possível de repercussão. O castelo do Edmar Moreira, por exemplo, tinha saído na Veja há uns dez anos, com foto e tudo. Voltou com botox e silicone e rendeu manchete atrás de manchete.

Os atos secretos saíram na Veja em 14 de maio de 1986 – faz 23 anos. A reportagem se referia a um dos inúmeros trens da alegria (efetivação de funcionários nomeados sem concurso) que assolaram o Senado ao longo dos anos. Os personagens eram os de sempre: parentes de senadores e Roseana Sarney (que, na época do trem da alegria, era filha do candidato a vice-presidente na chapa de Tancredo Neves). As nomeações não foram publicadas – o mesmo caso de agora. Agora, por algum motivo, houve a repercussão que injustamente não houve na época.

E o caso Espinoza? José Carlos Espinoza, ligadíssimo a Lula desde os tempos de organização do PT, foi discretamente afastado do centro do poder desde o caso dos aloprados, que envolveu a tentativa de compra de um dossiê contra o candidato tucano ao governo de São Paulo, José Serra. Espinoza foi para a Petrobras, conforme noticiou a coluna de Cláudio Humberto em 2007. Agora o caso reaparece como escândalo – e, aliás, não é um escândalo. Espinoza está longe de ser o primeiro ou o único caso de nomeação sem concurso. Isso, lamentavelmente, também não é uma exclusividade do atual governo.

 

…e lentes de contato

E há os casos de cegueira coletiva. Um exemplo é a casa de Agaciel Maia, diretor-geral do Senado. Uma belíssima mansão, coisa fina. Os jornalistas passaram anos por aquelas bandas, e aquele palacete não poderia passar despercebido. Certamente foram recebidos por Agaciel para conversas e entrevistas, mas a casa só recentemente entrou na pauta. Antes disso, ninguém a via.

 

A amiga de sempre

Faz muitos, muitos anos. A Rádio Record de São Paulo montou o primeiro elenco permanente do rádio brasileiro, com Adoniran Barbosa, Rago e seu regional, Isaurinha Garcia, a Personalíssima, e a estrela Agripina – só Agripina.

Um dia, Agripina casou-se com Raul Duarte e esqueceu a vida artística. Raul cuidou disso pelos dois. Era um fantástico homem de rádio: foi o segundo locutor da rádio Record (o primeiro era Nicolau Tuma), montou os primeiros programas jornalísticos, foi diretor comercial.

Ao mesmo tempo, na imprensa escrita, lançava O Tablóide, jornal que marcou época – mas que começou a morrer quando Raul se apaixonou pela TV e, sempre na Record, a ela se dedicou. Como de hábito, fez sucesso: era parte da grande Equipe A, com Nilton Travesso, Tuta (Antônio Augusto do Amaral Carvalho, que depois ficaria com a Jovem Pan) e Manuel Carlos, que manteve a Record em primeiro lugar de audiência, contra competidores como a Tupi, a Excelsior e a Globo, até que uma série de incêndios a tirasse da liderança.

Do casamento de Agripina com Raul Duarte tinha de surgir alguém de talento. E nasceu a amiga de quem falo agora, e que conheci, há quase 50 anos, quando tinha seus treze anos de idade: Maria Cristina Gama Duarte. Ou, simplificando, Cristina Duarte, Cris para os colegas jornalistas, Tininha para os muitos amigos de infância. Inteligente, inquieta, de muita leitura, quando chegou aos 18 anos levei-a para Última Hora, ligada então ao grupo da Folha de S.Paulo. Com mestres como Flávio Barros Pinto, o Bagrinho, decolou; e, na Editora Abril, apoiada por Thomaz Souto Corrêa, renovou uma revista tradicionalíssima, Claudia, multiplicando sua circulação.

As revistas femininas, na época, cuidavam de vida doméstica: se seu marido anda queimando tapetes com o cigarro, encha a casa de cinzeiros, e trate de mantê-los limpos; se seu marido se interessa por outras mulheres, cuide-se mais, torne-se mais bonita, procure atraí-lo mais que as outras. O homem se conquista pelo estômago – e seguem-se as receitas. Contribua para a economia da casa, costurando, bordando e tricotando. Que gracinha! Trabalhar fora, nem pensar.

Cristina não costurava nem cozinhava; não tinha nenhuma vocação para dona de casa. E não sonhava em fazer o gênero dondoca. Mas estava ligadíssima em seu tempo. Levou para Claudia profissionais como Carmen da Silva, Eva Blay, Lidia Aratangy, Lya Luft, José Maria dos Santos, Maria Ignez França. Deixou fluir novas idéias. Trabalhar fora, sim; e, se fosse o caso, até mesmo encerrar o casamento. Psicologia, sexo, psicanálise, relacionamento de pais e mães separados com os filhos, gravidez extranupcial, cuidados anticoncepcionais, doenças relacionadas com o sexo, tudo coube (e editorialmente deu certo) em sua revista.

Depois de Claudia, houve Maxima; houve mais, muito mais. E, no caminho, doenças graves em série que a obrigaram a desviar seu entusiasmo para a luta pela própria vida.

Outro dia, recebo o e-mail de uma velha amiga, a Verinha Ferraresi, que também conheci menina, amiga da Cristina desde os tempo de Colégio Boni Consilii e que também teve coluna em Claudia. Era o fim: nossa velha amiga, companheira permanente da Verinha durante o último meio século, minha madrinha de casamento, encerrara seu sofrimento.

A Sílvia Jafet, amiga de mais de 30 anos, perguntou-me se escreveria neste Observatório sobre a morte da Cristina. Sim, claro. Mas é cada vez mais difícil escrever sobre os amigos que se vão.

 

Um jornal a menos

Os fatos: o jornal Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo (SP), foi condenado por danos morais a pagar R$ 593 mil ao juiz Antônio José Magdalena, no prazo de 15 dias. O jornal foi processado depois de publicar a notícia de que o juiz morava em casa alugada pela prefeitura. Não há mais recurso possível: o caso transitou em julgado. Segundo o proprietário do jornal, Sérgio Fleury Moraes, a indenização equivale a dois anos e meio de faturamento bruto da empresa.

A questão não é discutir a sentença: é verificar se, a título de dano moral, não se cria uma nova forma de censura, a econômica. Uma indenização equivalente a dois anos e meio de faturamento é a mesma coisa que fechar um jornal.

O juiz Magdalena alega que o Debate, depois de iniciado o processo, endureceu as críticas, o que contribuiu para elevar o valor da indenização. A Folha de S.Paulo, em levantamento de 2008, apurou que indenizações em processos movidos por juízes contra órgãos de imprensa são, em média, o triplo das habituais.

 

Fala, presidente!

O presidente Lula reclamou da ‘predileção pela desgraça’ nos meios de comunicação. O presidente tem razão: muitas vezes, aspectos positivos e inusitados de uma notícia são sufocados para que o lado ruim prevaleça – algo do tipo ‘Time ganha de dez a zero mas perde no número de escanteios’. Um exemplo clássico, falando ainda de futebol, foi um jogo entre Santos e Corinthians em que o Santos fez mais desarmes, tentou mais dribles, chutou mais em gol, teve mais escanteios, ganhou mais bolas altas. E, meio escondido no meio de tantos senões, vinha o resultado: o Corinthians tinha ganho de 5×1.

Dá para discutir a frase do presidente, claro. Lembrar que ‘boas notícias não são notícia’, que não dá para publicar que onze mil, trezentos e quarenta e sete voos chegaram normalmente ao destino, mas que um voo que não chegue é notícia. Tudo isso é verdade; mas muitas vezes nossos meios de comunicação exageram.

Outro dia mesmo aconteceu algo semelhante: alguns milhões de brasileiros foram beneficiados por um programa de eletrificação, mas o título chamava para os cento e poucos mil que ainda estavam sem luz. Tudo bem, o programa não atingiu todos os objetivos: apenas 90%. De que é que estão reclamando?

 

Como…

De uma grande coluna jornalística:

** ‘A Polícia Federal decidiu esquandrinhar a atuação da empresa (…)’

Fiquem tranquilos: a Polícia continua esquandrinhando. Deve ser a mesma coisa que ‘enzaminando’.

 

…é…

Do portal noticioso de um grande jornal:

** ‘Com a vitória, a (…) atingiu os 14 pontos e subiu à terceira posição na tabela. Em contrapartida, apesar da derrota, o (…) manteve os doze pontos e caiu à quinta colocação (…)’

Traduzindo: em futebol, quando um ganha o outro perde.

 

…mesmo?

Do portal de notícias de um grande jornal:

** Título: ‘Meninos com idades de 12 a 15 anos furtam carros de concessionária em SP’.

** Texto: ‘Meninos com idades de 10 a 15 anos furtam carro de concessionária em SP’

É tudo uma questão mercadológica: oferecer várias opções ao consumidor.

 

E eu com isso?

E paremos de nos preocupar com más notícias, com a conciliação entre títulos e texto, com a checagem de idades e as opiniões do presidente da República. Vamos àquilo de que tanta gente gosta: as notícias sem as quais boa parte da população não consegue nem dormir em paz. Comecemos com a parte, digamos, exibicionista:

** ‘`A Fazenda´: Dado Dolabella toma banho e deixa o cofrinho aparecer’

** ‘Zac Efron deixa cueca à mostra em ida a posto de gasolina’

** ‘Homem é preso de minissaia assistindo a filme pornô em academia’

** ‘Canadense é detida em aeroporto e só é liberada após mostrar as nádegas’

Sigamos com títulos comportamentais:

** ‘Kate Moss joga laptop do namorado na piscina’

** ‘Claudia Raia circula agasalhada em aeroporto’

** ‘Lindsay Lohan fuma um cigarro enquanto pinta o cabelo em Beverly Hills’

** ‘Recém-casados, Deborah Secco e Roger vão à padaria no Rio’

 

O grande título

Esta coluna parece o Globo Repórter: hoje só tem títulos com animais.

** ‘Camundongo canta para namorar, mas fêmea só responde primeira `estrofe´’

E não é coisa de Disney, não: todos os camundongos o fazem.

** ‘Cobra roubada é achada após engolir marsupial com rastreador’

O marsupial, só para enriquecer a notícia, é um woylie, ou canguru-rato. Mas a dúvida é outra: quem diabos anda roubando cobra por aí?

** ‘Sapos se casam na Índia em ritual para fazer chover’

Duas dúvidas: primeiro, como se celebra o casamento de sapos? Segundo, choveu?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados