Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aquilo que o povo quer e a Justiça

Certa vez, quando era presidente da Câmara Federal, o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) disse uma frase histórica: algo como ‘aquilo que o povo quer esta Casa acaba querendo’. Pouco depois, a opinião pública se voltava contra ele – injustamente, aliás. E, diante do clamor popular, expresso pela imprensa, Ibsen foi cassado.


Uma decisão judicial, agora, parafraseia a expressão de Ibsen: é preciso prender o casal acusado do assassínio da menina Isabella, entre outros motivos, por causa do clamor popular. Clamor esse que, sabemos, é muito influenciado pelos meios de comunicação e pela ânsia de autoridades que querem aparecer na TV.                             


Aceitemos, para argumentar, que o casal seja efetivamente culpado (e os indícios até agora conhecidos apontam mesmo para essa direção). Os advogados de defesa terão, no comportamento das autoridades e dos meios de comunicação, fortes aliados. Que isenção terá uma delegada que, ao deparar pela primeira vez com o casal, desatou a gritar ‘assassinos’? Alugar até banheiros químicos com dinheiro público para as pessoas que iriam à repartição de polícia exigir o linchamento do casal não indicará uma posição adotada, antes de qualquer investigação? E o sangue no carro, havia, não havia? Ou não se sabe – afinal, foram tantas entrevistas!


Como pôde alguém entrar com uma câmera numa área restrita, guardada pela polícia, para gravar o acusado no momento em que ‘tocava piano’ (tomavam-lhe as impressões digitais) e passar a imagem para a imprensa? Quem providenciou um carro de polícia com vidros claros, para que os presos pudessem ser filmados e fotografados enquanto eram transportados para a cadeia? E, principalmente, por que devem os acusados ficar presos se assassinos confessos e condenados aguardam o julgamento dos recursos em liberdade?


Há jornalistas que consideram Gêngis Khan um esquerdista enrustido dizendo que é assim mesmo, que não há mal nenhum em expor acusados a multidões que proclamam seu desejo de linchá-los. Efetivamente, em casos como esse, em que não apenas uma menina foi morta, mas em que as suspeitas recaem em quem deveria protegê-la, o ritual da Justiça é irritante. Mas é essencial – e, embora os meios de comunicação tenham contribuído para o clima de linchamento, a maioria absoluta concorda com isso – para que possamos continuar vivendo em sociedade.




Oração


Quem for contra o direito de defesa deve rezar todos os dias para não precisar dele.




O ataque ao ídolo


Ronaldo Gorducho se transformou em alvo preferencial da artilharia da imprensa. Até aí, tudo bem: quando as notícias sobre ele eram favoráveis, quando saía com belas mulheres, quando as Ronaldinhas posavam nuas, nunca se queixou dos repórteres. Não pode queixar-se agora. Mas há limites: gravar uma entrevista feita em outra emissora e encaixar novas perguntas, de maneira a tornar comprometedoras as respostas do ídolo, isso não dá para aceitar. Pense em alguma pergunta simples, algo como ‘você acredita que poderá voltar a treinar nesta semana’, a que ele respondeu ‘não’. E troque a pergunta: ‘Você gosta de mulher?’


Pois foi o que fizeram.




A lenda vive


No domingo, Dia das Mães, o Diário do Grande ABC, maior jornal regional do país, completou 50 anos. A festa se realizou na antevéspera, com a presença de dois dos quatro fundadores do jornal: Mauri Dotto, que continua na empresa, e Fausto Polesi, rijo e brilhante nos seus mais de 70 anos. Fausto Polesi fez um discurso emocionante, lembrando o ABC paulista na época em que o jornal foi fundado e sua trajetória de crescimento. Só faltou um toque para que a homenagem fosse completa: levar ao palco o filho de Fausto, também jornalista brilhante, ótimo repórter e editor, com carreira não só no Diário do Grande ABC mas também nos grandes jornais nacionais. Faltaram os aplausos a Alexandre Polesi.




Alô, pauteiros


Neste mês e no próximo haverá em São Paulo dois grandes eventos, daqueles que atraem gente de todo o país e que se medem em milhões de participantes: a Marcha para Jesus, dentro de pouco mais de uma semana, e a Parada Gay. Ainda dá tempo de medir os locais em que se realizarão os eventos e calcular, cientificamente, o número de participantes. É preciso evitar aquela coisa ridícula de dizer ‘tantas pessoas, segundo os organizadores, ou tantas, segundo a Polícia Militar’. A informação deve ser precisa, e o investimento vale a pena: os dois eventos se realizam em diversos países e os de São Paulo são os maiores do mundo.




Silêncio ensurdecedor


O Correio Braziliense do dia 5 publicou uma notícia interessantíssima: dos 17 senadores que recebem ajuda de custo de R$ 3.800 mensais para cobrir despesas com moradia, quatro, cujos nomes são citados na matéria, têm excelentes residências, em excelentes endereços da capital federal. Dois outros, cujos nomes são também citados, têm imóveis residenciais em Brasília, mas preferem morar em propriedades alugadas, embolsando assim a ajuda de custo.


A reportagem foi ótima – e não houve repercussão nenhuma. Jornais, revistas, internet, rádio, TV, todos passaram por cima do tema. Por que tanto silêncio?




Como…


De um grande jornal: Estuprador de Basset é ‘condenado’ a pagar multa de R$ 150.


Aspas se usam, normalmente, em duas ocasiões: para indicar que a frase é transcrita sem mudanças, ou para indicar que determinado termo não tem o sentido que lhe é habitual. No caso, o cavalheiro que estuprou o cachorro foi condenado. Por que as aspas em ‘condenado’, então?




…é mesmo?


De um currículo recheado de experiências, ações estratégicas, termos em inglês, multinacionais, títulos e cargos de direção: ‘(…) atualmente lessionando (…)’


‘Lessionando’ deve ser a mesma coisa que ‘dar lissões’.




E eu com isso?


Lessionemos, pois. Um velho jornalista dizia que, quando não sabia se a palavra era com um ou dois ‘esses’, botava logo três, para parecer que era erro de datilografia. Mas no caso não serve. Talvez um ‘leçionando’, com cedilha, ou, melhor ainda, ‘lescionando’, dê mais a impressão de erro de digitação.


Mas, enquanto discutimos a Última Flor do Lácio, cada vez mais inculta e menos bela, a vida continua rolando. Veja só: Kate Moss sai de aula de ioga e encontra seu motorista dormindo no carro.


E há outras notícias sem as quais o jornalismo desapareceria (como encher o espaço de tantas páginas de celebridades?)


1. Filha de George W. Bush não convida namorado da prima, que é filho de Ralph Lauren, para seu casamento


2. Xanddy faz escova progressiva


3. Grávida, Lavínia Vlasak caminha na praia


4. Mulher Moranguinho faz aula de pole dance


5. Lily Allen vai às compras com sutiã de fora


6. Sem aplique, Amy Winehouse é flagrada com queda de cabelos


Do jeito que a moça se dedica aos secos e molhados, alguma coisa tinha mesmo de cair. Ainda bem que são só os cabelos.




O grande título


Apenas três concorrentes (provavelmente, nesta semana o colunista estava menos atento do que de costume):


1. Cientistas flagram ‘assédio sexual’ de foca a pingüim


Não podia dar certo: um mamífero com jeitão de peixe se interessando por uma ave com o jeitão do deputado Michel Temer usando smoking.


2. KLB fará ´impossível` por papagaios


Este é um problema da internet: o título fica pela metade e o redator nem percebe.


E o grande vencedor:


3. Suíça amolece para garantir batata frita em jogos de futebol


Certamente deve querer dizer alguma coisa.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados