Houve o caso da Escola Base, um clássico de abusos das autoridades, com a feroz colaboração da imprensa; e, quase tão famoso, o caso do Bar Bodega, que agora chega a uma conclusão, com a condenação do Estado a indenizar o acusado preso injustamente, pela acusação fabricada de assalto e assassínio.
O caso ocorreu em 1996. Foram 13 anos de luta judicial, portanto. O Bar Bodega, em São Paulo, foi assaltado. Dois clientes foram mortos. Alguns suspeitos confessaram, depois de ‘habilmente interrogados’; e ficaram presos preventivamente até que os verdadeiros assaltantes e assassinos foram encontrados.
Um dos acusados, que além de ficar preso perdeu o emprego, moveu processo contra o Estado, por prisão indevida. Embora a prisão preventiva tivesse sido decretada pela Justiça, o Supremo Tribunal Federal decidiu que há ‘responsabilidade civil objetiva da entidade estatal’. O voto do ministro Celso de Mello está aqui.
O caso é importante: pode colocar um freio no hábito de punir o cidadão, antes que qualquer tribunal se manifeste, com o espetáculo da detenção, devidamente documentado pela TV, mais a privação da liberdade por um longo período, com as penas acessórias, sempre impostas à revelia dos processos judiciais legais, de prejuízos materiais elevados e destruição de reputação. Importante: embora, no caso do Bar Bodega, tenha havido denúncias de tortura, não houve como comprová-las. A obrigação de indenizar foi decidida pela prisão do inocente, não por eventuais torturas que tenha sofrido.
É fato, também, que as irregularidades foram cometidas por agentes do Estado, enquanto a conta cairá nas costas do contribuinte – nas suas costas, caro leitor, caro colega. É uma distorção que precisa ser corrigida, para que a conta recaia em quem cometeu os abusos, e não apenas sobre quem paga seus salários. Outra distorção que precisa ser corrigida é a leniência com que se observa, nesses casos, o papel dos meios de comunicação: quem colabora com os abusos deve também responder por isso.
A lembrar
É definida, em lei, a duração máxima da prisão a que um suspeito pode ser submetido. Esta duração vem sendo sistematicamente ignorada. Os presos podem ser esquecidos por muito tempo sem julgamento – e isso é tão nocivo, para o correto funcionamento da sociedade, quanto assassinos confessos e condenados que ficam em liberdade.
Kafka é aqui
Nesse tipo de caso que o Supremo Tribunal Federal acaba de condenar, a passividade da imprensa é espantosa: a defesa padrão, quando se comprova que errou feio, sempre contra os inocentes, é dizer que apenas transcreveu o que disseram as autoridades. Em resumo, confessam que erraram por confiar nas autoridades, quando sua obrigação é desconfiar sempre.
Há pouco tempo, no Rio Grande do Sul, o Ministério Público Federal concedeu entrevista coletiva para comunicar que havia denunciado a governadora do estado, deputados federais e deputados estaduais por improbidade administrativa. Entretanto, não informou quais eram as acusações, alegando ‘segredo de Justiça’. O segredo de Justiça existe, está na lei; só que se refere a casos de segurança nacional ou que envolva direito de família, principalmente nos casos de proteção a menores. E processar alguém sem que se diga o motivo rendeu um livro famoso, de Franz Kafka: chama-seO Processo. Hoje,O Processo virou coisa comum. A imprensa aceita, divulga e bajula os acusadores. E não mostrou sequer o ridículo de uma entrevista coletiva cujo objetivo era negar informações.
Ameaça privada
A viúva de um dos passageiros do Boeing da Gol que caiu após o choque com um Legacy tripulado por dois americanos entrou com um processo contra Joe Sharkey, o jornalista que estava a bordo do jatinho e que é uma das principais testemunhas do acidente. Estranhíssimo: Sharkey é tão vítima do choque aéreo, embora tenha sobrevivido a ele, quanto o marido da senhora que o processa. Era passageiro, não pilotava o avião, não fazia parte da tripulação. Só há uma explicação para o processo: a antiga mania de culpar os porta-vozes pelas más notícias que trazem.
E, cá entre nós, acusar Sharkey de atentar contra a honra do Brasil por ter supostamente dito (ele nega) que somos tupiniquins e atrasados é de doer. Joelmir Beting, sobre cuja ligação com o Brasil não pode pairar a menor dúvida, é um dos que mais se referem às coisas brasileiras como tupiniquins. A candidata Dilma Rousseff também usou a expressão outro dia, para se referir a alguma manifestação de atraso. E quem disse que chamar os brasileiros pelo nome de uma de suas famílias indígenas é ofensivo? No caso, parece mais é preconceito.
Ameaça pública
Na Argentina, quem ameaça a imprensa de que não gosta é a presidente Cristina Kirchner. Pressiona o grupo Clarín, que lhe faz oposição; ameaça estatizar a fábrica de papel de imprensa, numa ameaça de sufocamento dos adversários. Mau sinal: mostra que a situação política, ou econômica, ou político-econômica, vai mal. É nessas horas que os governos costumam voltar-se contra os meios de comunicação, apontados como causadores das más notícias que apenas divulgam.
Ora, bolas!
Não é fácil encontrar um colunista como ele: nos seus tempos de jornal, passeou entre os concorrentesDiário da Noite eÚltima Hora, e sempre carregou junto os leitores de sua coluna humorística ‘Ora, Bolas!’ Também não é fácil encontrar um publicitário como ele: foi quem criou uma série famosa, na Almap, para a cerveja Antarctica, ‘nós viemos aqui pra beber ou pra conversar?’ No marketing político, foi também um homem de êxito, e seu livroComo vencer eleições usando rádio e TV se transformou em referência no ramo. Sérgio Andrade, o Arapuã, morreu há dias, aos 81 anos.
‘Ora, Bolas!’ ajudou a celebrizar o presidente da Federação Paulista de Futebol, João Mendonça Falcão – aquele que anunciou o jogo do Brasil contra os belgicanos. As piadas de Arapuã sobre Falcão foram usadas, mais tarde, trocando-se apenas o personagem: saiu Falcão, entrou Vicente ‘quem está na chuva é pra se queimar’ Matheus. Falcão podia não ser lá muito alfabetizado, mas era espertíssimo: tanto assim que, em vez de sentir-se ridicularizado pelas piadas de Arapuã, sentiu-se honrado, e encarnou o personagem. Jamais brigou com o colunista. Arapuã escreveu nos jornais enquanto a ditadura ainda não se consolidara; depois, quando seu humor de esquerda passou a ser perseguido, mudou de ramo. Para ele não houve problema: foi um vitorioso por onde passou. Mas nós, leitores, perdemos muito.
Modernidade
O Kindle, aparelho eletrônico de leitura, passa a ser vendido no Brasil pela Amazon – eO Globo lança simultaneamente sua edição digital própria para o Kindle (como diz o anúncio,O Globo pretende estar muito além do papel). Nos Estados Unidos, já há 200 mil e-books próprios para o Kindle, acessíveis por uma rede sem fio. Em português, por enquanto, há quase nada. O Kindle vale pelo jornal, por outros jornais que o adotarem e pela aposta no futuro; e é utilíssimo, neste momento, para quem lê inglês com facilidade. O Kindle está sendo posto à venda em cem países.
Modismo
Já são 179 os parlamentares federais que aderiram ao Twitter – um aumento de 142% em quatro meses. Agora é possível saber que Sua Excelência Fulano de Tal está chegando ao Congresso, ou preparando um discurso, ou almoçando, ou ouvindo o senador Eduardo Suplicy cantar algumstandard de Bob Dylan. É pelo Twitter que sabemos que o governador José Serra diz que gosta dos Beatles.
O número de parlamentares que usam o Twitter cresce explosivamente. E, como diria o poeta, ‘Para que? Para nada’.
Como…
Da edição online de um jornal importante:
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‘Sapatos de Imelda Marcos escapa de enchente nas Filipinas’Assim mesmo: sujeito no plural, predicado no singular. E como é que os sapatos fizeram para escapar sem que ninguém os calçasse?
…é…
Da mesma edição, sobre o mesmo assunto, segue-se o texto:
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‘Uma parte da famosa coleção de sapatos da ex-primeira dama das Filipinas Imelda Marcos conseguiu resistir às recentes enchentes que atingiram o país (…)’Afinal de contas, os sapatos escaparam ou resistiram?
…mesmo?
De um grande portal noticioso:
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‘Rio Tietê vai ter redes contra piranhas no interior’Na foto, duas moças tomando banho num rio.
E eu com isso?
Papel aceita tudo, como garante uma velha definição de jornalismo. E a tela, então? Sem necessidade de gastar papel, que é caro, pode-se escrever à vontade:
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‘Kate Hudson palita os dentes em jogo do New York Yankees’**
‘Luana Piovani boceja em aeroporto’**
‘Britney Spears compra um periquito’**
‘Humberto Martins toma um lanche no aeroporto do Rio de Janeiro’**
‘Sem dinheiro para comprar zebra, zoo pinta burro’**
‘Caminhão atropela casa no RS’**
‘Cantor Daniel namora e depois voa de asa delta’**
‘Penélope Cruz circula com suposto anel de noivado’Que será um ‘suposto anel de noivado’?
O grande título
Este não pode faltar: o título que não coube e entrou assim mesmo. E até ganhou um certo duplo sentido.
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‘Frasco `escandaloso´ pisca e emite som para lembrar de tomar’Há questões armamentistas e, ao mesmo tempo, políticas, mas sempre com um toque meio esquisito:
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‘Dassault é privada e definirá se vai transferir tecnologia, diz Jobim’Que maneira de se referir a uma possível parceira!
O melhor título da semana é doméstico:
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‘Márcio Garcia fica todo orgulhoso com exibição de seu curta’Este colunista é do tempo em que o contrário é que seria verdade.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados