Um magistrado, se disser que vidro é pedra, terá transformado o vidro em pedra; e pedra ficará sendo, até que outro magistrado, de instância superior, modifique seu julgamento. Jornalista pode ser ainda mais poderoso: além de transformar vidro em pedra, muitas vezes resiste às instâncias superiores. Luta, nega ao acusado o direito de defesa, procura rotular negativamente quem quer que tente mudar suas decisões definitivas. E, buscando aliados, alega estar lutando contra a censura, mesmo quando a Justiça determina apenas que dê a quem se sentiu prejudicado o direito de resposta.
Sejamos claros: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e ambas não se misturam. Censura é censura. Censura é proibir os meios de comunicação de publicar notícias de que dispõem (e, mesmo que haja decisão judicial que a legalize, continua sendo censura – censura legalizada, mas sempre censura). Direito de resposta é diferente: pessoas, empresas ou instituições que não foram ouvidas, ou que considerem que seus argumentos não estão sendo corretamente expostos, o pedem, legitimamente, para que os consumidores de informação a tenham completa. E, se não são atendidos pelo veículo, recorrem à Justiça, legitimamente.
A verdade, como um diamante lapidado, tem múltiplas facetas. Calabar, para os portugueses que lutavam para retomar o domínio de toda a sua colônia brasileira, foi um traidor; para quem preferia o domínio holandês ao português, foi um herói. Ao jornalismo cabe registrar o máximo possível de facetas da verdade; e, se faceta houver que não for registrada, é dever do jornalista aceitar a reclamação de seus defensores – ou enfrentá-los na Justiça, se achar que sua reivindicação não é legítima. E, se perder, aceitar a decisão, pois censura não estará havendo.
Aliás, a aceitação de correções e acréscimo de informações tem sido muito maior nos blogs e colunas de opinião da internet do que nos meios tradicionais de comunicação. Talvez, por estar a internet ainda em fase de consolidação, seus integrantes não se sintam tão deuses quanto os astros dos meios tradicionais. Que mantenham sua postura. Como ensinavam os gregos, sempre que os mortais assumiam a postura dos deuses, provocavam a sua própria queda.
Um caso exemplar
Há alguns anos, numa audiência em determinado processo, não havia nenhum repórter. No dia seguinte, um jornal importante publicou detalhado noticiário, enviesadíssimo, baseado obviamente no relato de um interessado. E trazia um erro fundamental: dava à juíza o nome da advogada de defesa, e vice-versa. O repórter se recusou a publicar uma correção, o chefe de Redação nem quis falar no assunto, e foi preciso procurar o dono do jornal para conseguir publicar uma carta de esclarecimento – aí, já que tinha sido na porrada, acrescentando que o repórter que havia publicado e assinado a matéria não estava lá.
Bloqueio programado
O debate entre os candidatos à Presidência da República foi chato? Foi; mas a culpa, definitivamente, não é da Rede Bandeirantes, que colocou boa quantidade de recursos e de talento em sua organização. O problema é dos próprios candidatos: quando se reúnem as assessorias para fixar as regras, todos jogam na retranca, pois não perder é mais importante do que ganhar. Um dos axiomas dos debates é que vencer não traz vantagens eleitorais, mas perder pode dar prejuízo.
Por isso os tempos calculados, por isso a proibição de um candidato intervir na exposição de outro, mesmo que tenha ouvido bobagens facílimas de desmentir, por isso o planejamento minucioso – que pode chegar a requintes como, por exemplo, guardar para a tréplica uma acusação pesada, que só terá resposta muito adiante. É preciso impedir a qualquer custo que outro candidato tenha um lampejo capaz de dar-lhe vantagem; é preciso criar regras para, se um candidato começar a derrotar o seu, a vitória seja interrompida pelo tempo controlado e o assunto se perca no meio de outros candidatos interessados em outros temas.
E os candidatos, gostosamente, se submetem ao engessamento. Cenas memoráveis – o candidato Reynaldo de Barros acusando seu oponente Franco Montoro de ter cinco aposentadorias, e ilustrando a frase com a mão espalmada para o alto; ou Montoro, no mesmo debate, mandando Reynaldo calar a boca e sendo obedecido; ou Marta Suplicy chamando Maluf de nefasto; ou o aparelho de som comprado por Lula que Collor, com patrimônio muito maior, dizia não poder comprar – tudo isso desapareceu. Os candidatos se vestem com a ajuda de personal stylists, têm frases ensaiadas para emocionar o público (mas, maus atores, dificilmente o conseguem), ignoram assuntos mais áridos, que o público talvez considerasse difíceis demais de entender. Tem de dar programa chato. E pode ter certeza: todos os debates serão chatos, em todas as emissoras, e não só nestas, mas em todas as próximas eleições, a menos que a fórmula seja modificada para permitir que os candidatos se confrontem (e, claro, se eles concordarem).
É por isso que Plínio de Arruda Sampaio teve seus instantes de astro. Como suas possibilidades de vitória são mais ou menos as mesmas de o senador Eduardo Suplicy trocar o ‘Blowin´ in the Wind’ por uma embolada, teve liberdade para dizer o que quis – até mesmo para qualificar-se como radical, ele que foi companheiro na política de Franco Montoro, Carvalho Pinto e Fernando Henrique. Pode falar num limite de propriedade rural de mil hectares, sem explicar como chegou a esse número, nem como fixou tamanho igual para terras de fertilidade e topografia diferentes. Pode dirigir-se ao camponês que, segundo acreditava, assistia ao debate – camponês, naturalmente, acordado à meia-noite. E sem que ninguém lhe dissesse que, se aparecesse um camponês na sua frente, ele não teria alternativa exceto murmurar um ‘prazer em conhecê-lo’.
Cadê a reportagem?
Yves Hublet, 72 anos, aquele senhor que atacou José Dirceu a bengaladas, morreu outro dia. A história teve ao menos duas versões. O que é certo no caso: depois do incidente com Dirceu, ele se mudou para a Bélgica, voltou há pouco ao Brasil, foi preso em Brasília no dia 27 de maio e morreu em 26 de julho. Há duas versões: a conspiratória, segundo a qual morreu na prisão, misteriosamente (é a que vem sendo divulgada na internet, e é a que o senador Álvaro Dias, tucano do Paraná, pediu que seja investigada); e a mais verossímil (porque pode ser comprovada), segundo a qual Hublet foi preso ao tentar embarcar no avião de volta à Bélgica com dois revólveres, ficou cinco dias preso, foi libertado e morreu quase dois meses depois, de câncer.
OK: mas cadê a reportagem? O caso é importante: se a primeira versão for correta, o governo estará no olho do furacão; se incorreta, o valor eleitoral do caso desaparece. Ninguém vai ouvir oficialmente a Polícia Federal, os médicos que atenderam Yves Hublet, investigar a história toda? Até agora, só um jornalista entrou no caso: Cláudio Humberto, normalmente bem-informado, diz que a segunda versão, de morte natural, bem depois de ter deixado a prisão, é a correta. Mas é preciso, num caso assim, eliminar totalmente as dúvidas. Um acontecimento desse tipo não pode ficar sujeito aos azares da exploração eleitoral. O consumidor de informação tem o direito de saber a verdade.
Deus obrigatório
Discriminação religiosa é discriminação religiosa; e, nos últimos tempos, uma antiga forma de discriminação voltou à moda, tendo como vítimas os ateus. Uma coisa deve ficar bem clara: cada cidadão tem o direito de ter seu deus, desde que não afronte os limites alheios nem obrigue ninguém a seguir os dogmas e práticas que considere corretos; ou de não ter deus algum.
A campanha que ocorre contra ateus em programas de grande audiência é discriminatória, não-civilizada e potencialmente criadora de conflitos. Caso um jornalista, um apresentador, um colunista queira fazer propaganda de sua religião, perfeito; está no seu direito. Mas não pode fazer pouco da religião, ou da falta de religião, dos outros. Considerar que um criminoso não tem Deus no coração e generalizar esse pensamento para todos os ateus é absurdo; e vai contra a liberdade de crença que a Constituição garante.
A advertência do jornalista Gustavo Chacra aos comentaristas, em seu excelente blog sobre política internacional deve ser expandida e seguida em todos os meios de comunicação. Textual:
‘Comentários islamofóbicos, anti-semitas e anti-árabes ou que coloquem um povo ou uma religião como superiores não serão publicados. Tampouco ataques entre leitores ou contra o blogueiro. Pessoas que insistirem em ataques pessoais não terão mais seus comentários publicados. Não é permitido postar vídeo. Todos os posts devem ter relação com algum dos temas acima. O blog está aberto a discussões educadas e com pontos de vista diferentes’.
Em resumo, educação, respeito às diferenças, apresentação civilizada de todos os pontos de vista. Não é difícil. E faz bem a todos.
O morto que lê notícias
Imagine: um dia, em Belo Horizonte, ao ler o jornal, uma pessoa foi surpreendida pela notícia da própria morte. O jovem repórter Mário Marinho, que se transformaria num dos craques do jornalismo esportivo brasileiro, foi escalado pelo Diário da Tarde para fazer a reportagem. Daí nasceu a idéia do livro que lançará no dia 16/8, segunda-feira, às 18h30, na Livraria da Vila, Rua Fradique Coutinho, 915, em São Paulo: Velórios Inusitados é uma coletânea de casos engraçados envolvendo a morte (existem, sim; e foram muito bem captados por Mário Marinho). E há também o fim da história de Belo Horizonte – que, como se descobriu, era uma vingança. De quem contra quem, só lendo o livro.
Quem se comunica
Nemércio Nogueira, pioneiro da comunicação corporativa brasileira, lança um livro essencial para quem se interessa pelo tema: 365 pedras – um caminho para jovens que querem viver de Comunicação Empresarial e Relações Públicas (e de outras coisas também). Nemércio é hoje diretor de Assuntos Institucionais da Alcoa, a gigante do alumínio. O lançamento é bem diferente: às 8h30 do dia 13/8, café da manhã no Centro de Integração Empresa-Escola, CIE-E, na Rua Tabapuã, 445, São Paulo. Às 9h, palestra de Nemércio sobre a crescente relevância da comunicação empresarial; em seguida, o Quarteto Bachianas do Sesi-Senai, dirigido pelo maestro João Carlos Martins, toca em homenagem ao autor. E o livro será dado de presente.
Cavalos no motor, burro no volante
Um livro divertido (e educativo): Como se tornar um asno volante em 18 lições erradas, de José Roberto Jerônimo. O livro mostra, com bom humor, o jeito errado que frequentemente é o preferido de tantos motoristas, e a maneira de corrigir o erro e dirigir bem. É um livro barato, de menos de R$ 20, e parte desse preço vai para a Avitran, Associação das Vítimas do Trânsito, dirigida pelo psicólogo Salomão Rabinovich. O melhor lugar para comprar, ou para encontrar o endereço das lojas que o vendem, é neste site: http://www.jrjeronimo.com.br/ Edição do autor.
Ótima notícia
O Tribunal de Justiça suspendeu o pagamento de uma indenização por danos morais do jornal Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo, SP, ao juiz Antônio José Magdalena, no valor de R$ 593 mil. De acordo com o TJ, a dívida está prescrita. Pode haver recurso. A indenização quebraria o jornal e interromperia sua circulação – o que, na opinião do diretor, seria o objetivo real do processo.
Como…
De um grande jornal, na reportagem sobre o jogo São Paulo 2×1 Inter, que classificou o time gaúcho: o São Paulo vencia por 1×0, o Inter empatou. Segundo o destaque, o gol foi de D´Alessandro. Segundo o texto, D´Alessandro bateu a falta, Alecsandro desviou de calcanhar e fez o gol. De qualquer maneira, 1×1, aos 6 minutos do segundo tempo. Segue o texto:
‘O São Paulo não se deu por batido. Em três minutos, conseguiu o empate com Ricardo Oliveira’.
Dois a um. Segundo o texto, foi um empate.
…é…
De outro grande jornal, noticiando o jogo entre Portuguesa de Desportos e América de Natal, em Natal:
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Título: ‘Portuguesa empata e Ponte vence em casa’.**
Texto: ‘A Portuguesa bateu o América de Natal, em Natal, por 3×1’.Dirimindo dúvidas: o texto é que está certo. A Portuguesa ganhou.
…mesmo?
De um grande portal noticioso, referindo-se à apresentadora Sabrina Sato, que posou para fotos usando apenas uma camiseta:
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‘Apresentadora contou com ajuda de stylisty para não mostrar mais do que devia’‘Stylisty’ deve ser estilista, mas talvez tenham achado que inglês troncho fica mais chique.
Mundo, mundo…
O Villarreal, da Espanha, pensou em contratar o atacante uruguaio Nestor Coratella, oferecendo pelo passe 3 milhões de euros. Mas a contratação melou: o jogador não existe. Foi inventado por um grupo de internautas uruguaios, que criou um perfil para o jogador no Facebook, montou um vídeo com suas jogadas e o colocou no YouTube, e o Villarreal se interessou. Quando a imprensa espanhola quis mais informações sobre o jogador, o jornal uruguaio Observa revelou a história. E o Villarreal fez uma grande economia.
…vasto mundo
Um time brasileiro também pensou que tinha feito uma tremenda economia. Certa vez, ofereceu 900 mil cruzeiros, uma bela quantia na época, pelo beque Oscar, revelação da Ponte Preta de Campinas. A Ponte pediu 1 milhão e 200, o outro clube desistiu. Pouco depois, este clube jogou contra a Ponte e Oscar fez um partidaço. O presidente do clube comentou com jornalistas que, se soubesse que o beque era tão bom, teria pago o preço pedido.
Pois é: sem querer, confessou que, sem conhecer o jogador, se dispôs a pagar, com dinheiro do clube, uma quantia substancial por seu passe. Oscar chegou à Seleção brasileira e foi titular por muitos anos.
E eu com isso?
Há semanas estranhas, em que determinado tipo de notícia predomina sobre todas as outras. Nesta, o sexo e a pornografia são os temas fortes:
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‘Repórter se interna em hospital psiquiátrico para programa’**
‘Imagens pornográficas são exibidas no Parlamento indonésio’Coisa de cracker. Todos os computadores e terminais foram atingidos.
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‘Mulher tem candidatura rejeitada por usar frase obscena em cédula’Ela, negra, dizia não ser prostituta dos brancos. E prostituta não era exatamente a palavra que usava.
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‘Sereia de topless ganha sutiã porque jovens não tiravam os olhos dela’**
‘Kama Sutra é lançado em áudio para envergonhados’**
‘Professora britânica choca alunos ao virar atriz pornô’Há também os acontecimentos estranhos:
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‘Ladrão processa homens que ajudaram a polícia a prendê-lo’**
‘Assaltante telefona para lanchonete e reclama de pouco dinheiro no caixa’**
‘Ladra é presa por esquecer bebê na cena do crime’E o frufru propriamente dito – aquele noticiário delicioso com o qual ou sem o qual o mundo seria tal e qual:
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‘Mariana Ximenes luta para esconder a calcinha’**
‘Chinês se joga na frente de trem para ficar famoso’**
‘Atração sul-coreana conta até com privada feita de gelo’**
‘Amy Winehouse bebe todas e `apaga´ em pub londrino’**
‘Mulher pinta quadros com os seios’E seus quadros já chegaram a custar mais de mil dólares.
O grande título
Veja que delícia:
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‘Filha de ex-prefeito de Nova York é detida por roubar maquiagem em loja, diz fonte’A imprensa está progredindo: usa até chafariz como informante!
Outro título delicioso:
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‘Anderson sofre acidente e deixa carro inconsciente em Portugal’Dizem que o carro ainda não voltou a si.
O grande título da semana é daqueles que até parecem ter sentido, mas não resistem a uma leitura mais atenta:
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‘ (…) o governo Lula avançou muito pouco ao falar do passado’Um avanço ao passado. Pode ser um novo filme da série De volta para o futuro.
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Jornalista, diretor da Brickamann&Associados