Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As muralhas da verdade

O primeiro-ministro Winston Churchill, que dirigiu a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, costumava dizer que a verdade é um bem tão precioso que precisa ser protegida por uma muralha de mentiras.

Hoje em dia, convenhamos, a verdade está muitíssimo bem protegida. A internet, se facilita enormemente o acesso à informação, também abre campo a todo tipo de notícia falsa: da má interpretação pura e simples ao erro não-deliberado, muitas vezes divulgado em endereços eletrônicos de boa reputação (mas que, na busca desesperada pela primazia da informação, não fazem a checagem completa); e passam pela falsificação mal-intencionada à notícia apócrifa. Quantos sites existem em que não se consegue localizar o responsável?

É claro que a notícia falsa dada com má intenção é o fenômeno mais grave. Mas o fato mal interpretado pode causar maiores prejuízos, porque a pequena carga de verdade que contém lhe dá credibilidade. Às vezes é uma lenda urbana, como a história de que, se você enviar milhares de e-mails, uma empresa pagará o tratamento de uma garotinha com câncer; às vezes é um ataque deliberado à reputação de uma pessoa ou empresa, movida por inimigos ou concorrentes.

Nestes tempos de CPIs, em que a denúncia parece ter deixado de ser um mal necessário para se transformar em virtude premiada, a coisa é grave: transforma um grande avanço como a internet numa arma letal de assassinato de caráter. Precisamos – principalmente nós, jornalistas – reaprender a ler notícias e a avaliá-las criticamente, ou o cemitério de reputações perdidas crescerá sem limites.



Chega de patrulha

Esta coluna raramente cita nomes, de gente ou de veículos. O motivo é simples: tratamos de temas jornalísticos, não de pessoas ou empresas de mídia. Infelizmente, há colegas que se especializaram em patrulhar colegas. Um fato concreto: recentemente, uma coluna de Internet publicou (erroneamente) que um disc-jockey de prestígio tinha sido contratado para atuar na Granja do Torto, residência atual do presidente da República (no dia seguinte, a notícia foi corrigida: a Granja do Torto em que atuaria o DJ é um parque de Brasília, e não a casa do presidente Lula). A mesma notícia saiu num pequeno jornal de São Paulo. Os patrulheiros caíram em cima dos dois colunistas, acusando-os de tudo, até de conluio, e abrindo links para ressuscitar velhas rixas. No entanto, uma grande coluna, de um grande jornal, que cometeu o mesmo erro (e não se deu ao trabalho de corrigi-lo) foi poupada. Tudo bem, o grande colunista tem poder de fogo para reagir, o grande jornal tem empregos a oferecer, é melhor não brigar com eles.

Errar todo mundo erra. Mas qual é a ética de, pelo mesmo motivo, patrulhar apenas os pequenos?



Delícias

1. Meninos, eu vi (e vi numa correspondência de veículo de porte): estava lá ‘assossiação’. Só falta agora o ‘açossiassão’. Ficaria superlegal.

2. Do deputado federal Professor Luizinho: ‘Em resposta ao ofício em que me é oportunizado (…)’ Pronto: está registralizado.

3. De noticiário da internet: ‘Conselho de Ética aprova a cassação de Bob Jefferson’. Bob Jefferson! E, naturalmente, seus adversários são Valdemar Back Grandson and Joe Dirceu – este muito amigo de Oak Gil, ou Gilberto Carvalho.



Como é mesmo?

Tente decifrar este título, que saiu num importante portal da internet: ‘Foguete militante desvia e mata criança palestina na faixa de Gaza’. Primeiro, ao que este colunista esteja informado, nenhum foguete milita em lugar nenhum. Segundo, o título evita dizer que o foguete foi atirado por terroristas palestinos contra civis israelenses. Terceiro, erra no português: o foguete ‘se’ desvia.



Os detetistas

Na bela história de dona Vitória, uma senhora de quase 80 anos que filmou as operações criminosas em frente a seu prédio, em Copacabana, duas observações:

1. Primeiro, dona Vitória não está segura, não. Mesmo tendo vendido seu apartamento e mudado para lugar incerto e não sabido, há pistas que podem ser seguidas. Descobrir seu nome, por exemplo, é mera questão de verificar quem andou vendendo apartamentos naquele prédio. E ninguém diga que esta coluna está dando dicas para bandidos. Se eles precisarem de uma dica tão rasa quanto esta, sua carreira criminosa chegará ao fim, mesmo com a polícia que temos.

2. Perguntaram ao secretário da Segurança do Rio, Marcelo Itagiba, se não seria o caso de a polícia investigar o caso, em vez de deixar que uma senhora idosa fizesse o serviço por ela. O secretário disse que a polícia podia investigar o caso, mas a imprensa também poderia. E ninguém, nenhum órgão de comunicação, explicou a Sua Excelência que, embora um repórter às vezes investigue, sua função básica é outra: a de informar. Misturar jornalista com detetive não dá boa coisa. E, além disso, quem é pago para investigar é o policial.



E ninguém fala nada

Esta notícia é interessante. E mais interessante ainda é que ninguém tenha feito qualquer comentário a seu respeito. O fato é que o Projeto de Resolução 256/05, que tramita na Câmara Federal, determina que cada deputado seja obrigado a entregar anualmente à Mesa sua declaração de imposto de renda; e, no final do mandato, terá de apresentar um demonstrativo da variação de seu patrimônio, justificado por seus rendimentos. A resolução foi proposta pelo deputado federal Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP) – aquele que foi governador de São Paulo.



Divirta-se

Saiu uma entrevista hipotética de Lula na Zero Hora, com respostas tiradas de artigos publicados por ele no jornal, entre 5 de setembro de 1999 e 31 de março de 2002. De certa forma, é sacanagem: as perguntas foram feitas depois das respostas. Mas o jornal não enganou ninguém e o resultado é engraçadíssimo. Saiu no domingo (28/8). E, como não dá para perder, a cópia está logo abaixo.

Um presidente da República pode não saber do que ocorre nos gabinetes do Palácio do Planalto, principalmente em relação a acusações contra seus subordinados mais próximos?

Lula: ‘Não é possível que o presidente não soubesse de nada, que ele não tivesse idéia do que o seu homem de confiança fazia na sala ao lado da sua no Palácio do Planalto. Afinal, um presidente da República não pode ser tão desinformado. Aliás, o presidente deveria ter se dirigido à opinião pública para, no mínimo, prestar esclarecimentos sobre esses escândalos.’ (Em 30/07/2000, referindo-se ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao escândalo da violação do painel do Senado.)

Por que as denúncias contra o PT apareceram agora?

Lula: No Brasil, a opinião pública só fica sabendo das falcatruas que ocorrem em determinados governos quando há brigas envolvendo o centro do poder. Somente a partir desse tipo de denúncias é que as oposições, a imprensa e a própria sociedade têm meios de aferir a gravidade desses casos de corrupção. (Em 4/03/2001.)

A investigação das denúncias por órgãos ligados ao Executivo é suficiente?

Lula: Como é que alguém subordinado ao presidente (referindo-se à criação da Corregedoria-Geral da União) vai investigar as mazelas que a imprensa diz que são de responsabilidade do próprio governo? (Em 8/04/2001.)

No início da crise, no lugar de admitir os erros, o Planalto se concentrou em buscar bodes expiatórios na oposição. A demora não inflou a crise?

Lula: O presidente da República faria muito melhor se deixasse de lado a busca de bodes expiatórios e o costume de insultar as forças de oposição e passasse a estudar propostas (…) voltadas para a busca de solução real para as dificuldades crescentes que cercam nosso país. Busca que, evidentemente, exige mudanças radicais no modelo econômico de recessão e juros extorsivos que é hoje imposto aos brasileiros. (Em 19/09/1999, referindo-se a Fernando Henrique.)

Parte da defesa do PT está baseada no argumento de que a corrupção não foi inventada pelo atual governo. A estratégia de envolver o PSDB tem fundamento?

Lula: Aqui no Brasil, essas evidências de que as políticas neoliberais carregam um padrão de corrupção eleitoral não são novidade. O presidente FH empurrou para baixo do tapete todas as denúncias de compra de votos pelo seu governo para aprovação da reeleição. A cada novo escândalo denunciado, realiza uma nova operação abafa. Mesmo quando o seu braço direito foi denunciado. (Em 24/09/2000, referindo-se a Eduardo Jorge.)

O PT está sabendo lidar com a postura da oposição diante da crise?

Lula: Forjado em uma longa trajetória de atuação oposicionista, o PT compreende mais do que ninguém a importância fundamental da cobrança, da fiscalização e da crítica exercida pela oposição em qualquer nível de governo. Sem isso, não existe vida democrática. (Em 4/11/2001.)

Mas o partido foi acusado de tentar barrar as investigações, lutando contra a criação de CPIs.

Lula: O PT, todos sabem, tem lutado de modo firme contra a corrupção, em qualquer nível, e pela absoluta e imparcial apuração dos fatos. Tem defendido a instalação de CPIs todas as vezes em que as denúncias de desmandos justificam tal medida. É por temer o futuro que se avizinha que os políticos conservadores vão tentar fazer de tudo para lançar o PT na vala comum da corrupção brasileira. Mas nós temos o antídoto. O PT apura e pune. E os outros? (Em 11/11/2001.)

Não se corre o risco de a sucessão de denúncias banalizar a corrupção e alimentar um clima de que todos os políticos são iguais?

Lula: O corrupto, além de roubar dinheiro público que deveria estar sendo utilizado em obras e serviços para melhorar a vida da grande maioria do povo brasileiro, destina parte do arrecadado para fazer corrupção eleitoral. A sociedade não pode encarar mais esse escândalo como coisa banal, corriqueira, pensando que ‘isso não tem jeito e sempre foi assim’. Tem jeito, sim. Há políticos sérios e comprometidos com a ética e com o bem público. O PT não faz milagres nem é formado por santos. (Em 16/07/2000.)

A população só se desilude ou consegue aprender algo com a crise?

Lula: Felizmente, o povo brasileiro está ganhando consciência cada vez maior de que é necessário combater radicalmente a corrupção no país. O impeachment de Collor foi uma vitória histórica e educativa. O fortalecimento da democracia faz crescer a exigência de maior transparência e participação do povo na coisa pública. Quanto mais eu vejo denúncias sérias de corrupção, mais eu me orgulho do papel que o Partido dos Trabalhadores tem desempenhado nessa luta. (Em 19/03/2000.)

Que malefícios a avalancha de denúncias traz à população?

Lula: Muita gente, ao ver tudo isso sendo revelado pela imprensa, fica decepcionada com o Congresso e com a política de modo geral. É exatamente isso o que os muitos conservadores e corruptos querem que o povo pense: que todos os políticos e todos os partidos são iguais. Mas isso não é verdade. (Em 29/04/2001.)

O que o Brasil perde quando um governo como o do PT, que sempre defendeu uma nova relação entre o público e o privado, comete deslizes éticos?

Lula: O povo até compreende quando um governo deixa de fazer certas obras ou comete alguns erros, porque errar é humano. Mas a situação no Brasil já passou dos limites. Ninguém pode aceitar a continuidade dessa relação promíscua entre a coisa pública e os interesses privados, com o Estado sendo usado para beneficiar uma minoria de privilegiados da sociedade. (Em 20/08/2000.)

Com a crise, o PT deixa de ser um modelo de moralidade?

Lula: Nós, do PT, temos políticas concretas de combate à corrupção. Em praticamente todos os municípios e Estados em que o nosso partido chega ao governo a arrecadação aumenta e os cofres públicos passam a ter recursos suficientes para investimentos sociais. E isso acontece não apenas porque termina a roubalheira, o clientelismo, o leilão de cargos e postos de direção. É porque o partido tem uma postura ética sólida e um programa de modernização administrativa. (Em 22/12/2000.)

O PT não traiu as esperanças do eleitor que desejava mudanças?

Lula: À esquerda e a todas as forças democrático-populares do Brasil não lhes é dado o direito de vencer as eleições, chegar ao poder e frustrar as esperanças do nosso povo. Partidos e políticos têm se sucedido nos governos, fazendo promessas e enganando a grande maioria da população. Isso pode e deve mudar. (Em 16/12/2001.)

O PT teve de abrir mão de suas origens e compromissos para chegar ao Planalto?

Lula: É por isso que estão inventando essa história de PT cor-de-rosa, PT light e outras bobagens. Querem fazer crer que a razão principal da nossa vitória se deveria a uma postura ‘nova’ do PT, que estaria abandonando os seus princípios, os seus objetivos, a sua firmeza – e por isso estaria sendo aceito por grande parte do eleitorado. (Em 3/11/2000.)

O projeto de reeleição do PT fez o partido admitir o comportamento de que poderia valer tudo para permanecer no poder?

Lula: A despeito do que pregaram os formadores de opinião ‘chapas brancas’, está claro que no Brasil atual a reeleição não combina com aspirações republicanas. O fim da reeleição trará de volta à política fatores preciosos: disputas democráticas e mais equânimes, favorecendo a renovação e o aparecimento de novas lideranças. (Em 3/12/2000.)

Onde estaria a solução?

Lula: A reforma política é o caminho para a superação dessas mazelas e de outras, igualmente vexatórias, como as recentes denúncias de caixa 2 nas campanhas presidenciais. (Em 3/12/2000, referindo-se à campanha de Fernando Henrique.)

Só a reforma política resolve?

Lula: Hoje, o problema atingiu um patamar tão grave que nós teremos de fazer um verdadeiro mutirão para enfrentá-lo. Um mutirão que envolva a conscientização da sociedade – os eleitores devem exigir cada vez mais as credenciais éticas de seus candidatos – e que mobilize muita competência investigativa, orientada para o alvo certo: a lavagem de dinheiro, os laços financeiros internacionais, as máscaras legais, o atacado do tráfico de armas e drogas, a infiltração nas instituições públicas dos operadores políticos dessa rede criminosa. (Em 2/09/2001.)

Que experiências municipais do PT poderiam ser aproveitadas por um governo federal do PT como forma de diminuir o espaço para corrupção?

Lula: Onde o Partido dos Trabalhadores governa, nós temos implantado o Orçamento Participativo. O povo se reúne e decide como aplicar o dinheiro público. E exerce um controle cada vez maior sobre o governo. Esse é, sem dúvida, um caminho promissor para combater radicalmente a corrupção que está degradando o nosso país. Um caminho eficaz para tapar os buracos onde está vazando o dinheiro público. (Em 20/08/2000.)



Verdades e mentiras

Esta coluna se iniciou com uma frase de Sir Winston Churchill sobre a verdade. Vamos encerrá-la com uma frase sobre a mentira, mais atual do que nunca, do mestre Millôr Fernandes: ‘Jamais diga uma mentira que não possa provar’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados