Monteiro Lobato, mais do que um grande escritor, foi um dos pioneiros do petróleo brasileiro. Lutou para que o Brasil pesquisasse e produzisse petróleo. E, por isso, foi preso duas vezes pela ditadura de Getúlio Vargas.
Petróleo é isso: grandes empresas (as Sete Irmãs, que hoje já não são sete) fazendo pressões para que o petróleo apareça quando é conveniente e onde seja conveniente; e que permaneça insubstituível. O carro a vapor Stanley, que chegou a fazer sucesso, acabou depois de alguns acidentes (que também ocorreram com carros a gasolina) – e de pesada campanha de imprensa contra os perigos que oferecia. Henry Ford, em 1916, quis mudar o combustível do modelo T de gasolina para álcool, que considerava melhor e mais limpo. Convenceram-no a desistir. Quando o presidente mexicano Lázaro Cárdenas nacionalizou o petróleo, as Irmãs abriram os diques, para que o mar invadisse a área dos poços.
E, com todo o material histórico à mão, nossa imprensa ainda entra na história da falta de alimentos por causa dos biocombustíveis!
OK, há setores da Igreja Católica que condenam os biocombustíveis porque exigem grandes extensões de terra, há quem critique os biocombustíveis porque ajudam a manter a primazia do transporte individual, há quem condene especificamente a cana-de-açúcar por causa das queimadas ou por considerar inaceitáveis as condições de trabalho impostas por determinados usineiros. São posições de princípio que merecem respeito. Mas os meios de comunicação deveriam ser mais sofisticados: a indústria do petróleo, como a do cigarro, trabalha debaixo do pano para que ninguém abale seu predomínio.
Quem acusou a produção de álcool pelo preço em alta dos alimentos? Sim: o FMI e o Banco Mundial – que nunca, antes, se preocuparam com qualquer assunto diferente de moeda e financiamentos. E a União Européia, que não tem condições de produzir álcool, mas é sede de várias das Sete Irmãs.
Na imprensa brasileira, apenas Antônio Machado de Barros, em sua coluna no Correio Braziliense, foi buscar os fundamentos da guerra aos biocombustíveis. Mostrou que a Grocery Manufacturers Association, que reúne a indústria de alimentos e bebidas dos Estados Unidos, contratou uma empresa de lobby, a Glover Park, de Washington, para ligar a imagem da lei americana que abre caminho aos biocombustíveis ‘à fome global, às demissões na indústria de alimentação e à inflação’. Para isso, pode contratar especialistas – cientistas que, para a opinião pública, figuram não como funcionários da indústria, mas parecem imparciais.
Vale a pena entrar fundo no assunto, buscar pautas nas publicações internacionais, fazer reportagens . Ou alguém acha que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo vai aceitar pacificamente a redução do valor de sua riqueza?
Proibir, não: obrigar
Esta é uma questão que precisa ser acompanhada de perto, pois interessa a todos os jornalistas e está intimamente relacionada à liberdade de imprensa. Um juiz de Cuiabá, Mato Grosso, determinou que a TV Centro-América, da Rede Globo, passe ao vivo todos os jogos de futebol transmitidos em rede nacional, sob pena de multa de 100 mil reais por jogo não mostrado.
Imaginemos que os proprietários da TV prefiram transmitir outro tipo de programação, para outro público – concertos, por exemplo, ou shows. Estão proibidos. Imaginemos que, por questões religiosas, a TV não queira exibir homens com as pernas de fora. Imaginemos que, por questões ideológicas, tipo ‘o futebol é o ópio do povo’, os diretores da TV prefiram transmitir a gravação do senador Suplicy cantando ‘Blowin’ in the wind’. Não podem.
É pior do que a censura, que nos obrigava a não publicar determinados assuntos; agora, querem obrigar-nos a cobrir alguma coisa. É importante debater neste momento, enquanto o assunto ainda está no ovo.
A questão do fuso
O problema é que, por questão de fuso horário, a novela das 9 só pode entrar às 10 (horário de Brasília), já que em Cuiabá é uma hora mais cedo. E às dez, hora de Brasília, a Globo transmite o futebol. A TV Centro-América, para não interromper a novela, que tem audiência maior, não tem transmitido o futebol.
De acordo com o juiz, citado pelo portal Consultor Jurídico, é preciso ‘garantir a efetividade da manifestação cultural que o futebol representa para o povo brasileiro’. A propósito, a transmissão do futebol não é monopólio da Globo: quem não quiser perder o jogo pode ir para a Rede Bandeirantes. Por que não deixar que o público decida a quem deve dar audiência?
Censura na rede
Pedro Dória, um dos mais equilibrados e competentes analistas internacionais de nossa imprensa, tem um excelente blog, no qual, há muito tempo, pediu a Fernando Gabeira que lançasse sua candidatura a prefeito do Rio. Foi atendido; e, como deveria fazer todo colunista, abriu o voto. Colocou um banner de Gabeira em seu blog. Mas o TRE do Rio o obrigou a retirar o banner. Censura é censura, mesmo quando exercida a pretexto de garantir a lisura das eleições. Temos de nos mobilizar, e rápido, ou daqui a pouco, por qualquer pretexto, não poderemos nem dizer qual o nosso time de coração.
É jornalismo?
Um outro tema que merece debate é o limite do jornalismo, que vem sendo esticado por programas de TV que se dedicam a incomodar os outros (veja texto do ator Wagner Moura, agredido pela equipe de um desses programas). Incomodar os outros em busca da notícia, tudo bem; mas incomodá-los apenas para divertir-se, e supostamente divertir o público, isso já não dá.
Em alguns casos, artistas tiveram de recorrer à Justiça para livrar-se da perseguição. Tudo bem, pessoas famosas, pessoas públicas, não gozam da mesma privacidade de gente mais obscura. Estão sujeitos à curiosidade, sofrem às vezes o assédio dos fãs – mas, afinal de contas, é para ter fãs que eles trabalham. Isso não significa, entretanto, licença para chateá-los em nome da audiência. Até que ponto esses programas que brincam com a intimidade dos famosos podem ir?
O show da morte
As autoridades competentes estão conseguindo aquilo que parecia impossível: de tão parciais, vão facilitar a defesa do casal acusado de matar Isabella. Uma delegada gritar ‘assassinos’, quando os viu pela primeira vez, e um delegado qualificar o suspeito de ‘psicopata frio’, terão muita dificuldade para demonstrar que investigaram com isenção cada aspecto da tragédia. E os colegas que abriram espaço para o pré-julgamento e a histeria completam o quadro: os advogados certamente alegarão que não houve condições para a defesa.
Este colunista concorda com a tese de que os indícios apontam para a culpa do casal acusado. Mas, antes que o julgamento os considere culpados, é preciso considerá-los inocentes. Afinal de contas, no caso do Bar Bodega os indícios também apontavam para algumas pessoas que, no final das contas, não tinham nada com a história.
Opinião de leitor
Um grande artista plástico, Rogério Teruz, escreve a esta coluna para comentar o tiroteio de imprensa, promotores e delegados contra o casal acusado de matar Isabella. Sua opinião:
‘Caro Brickmann:
Como sou admirador do que você escreve, embora, como é natural, algumas vezes discorde das suas opiniões, li com atenção as suas ponderações sobre o caso. Meu ponto de vista sobre ele é EXATAMENTE igual ao seu, sem tirar nem pôr. Tenho acompanhado também as opiniões dos leitores no O Globo online e chego à triste conclusão de que 99% deles (ávidos por esse tipo de notícias) são linchadores em potencial. Por mais que escreva na coluna aconselhando ponderação, sou chamado de MAIS UM BANDIDO QUE DEFENDE ESSES MONSTROS. Desisti. Desisti de tentar contribuir para que cheguem à razão. Sou artista plástico e assim permanecerei, mas continuarei a ler os artigos éticos de pessoas como você, tentando manter alguma esperança no coração, acreditando que ainda haja pessoas de bom senso trabalhando na imprensa e tendo a grande responsabilidade de esclarecer (e eventualmente influenciar) a opinião pública, pois do jeito que o caso tem sido exposto pela mídia, chego à conclusão de que somos piores do que eu imaginava. The Big Carnival (A Montanha dos Sete Abutres), por ser obra de ficção, é fichinha perto disso tudo…’
Caro Teruz: é exatamente assim. Quando perguntei a um conhecido se ele tinha absoluta certeza da culpa dos acusados, ele respondeu: ‘Tá bom, então não foram eles. A menina se matou, depois cortou a rede e pulou pela janela’.
Exemplo de fora
Notícia divulgada na sexta-feira (30/5):
‘Australiano é considerado inocente 86 anos depois de ter sido enforcado
‘Homem foi acusado injustamente de estupro e assassinato de uma garotinha. Novas análises dos fios de cabelo foram usadas como prova para a absolvição. Só resta, agora, aos familiares do condenado, uma ação cível contra o Governo.’
Como é…
Jornalista não gosta de números (e, com estonteante freqüência, mistura tudo). Muitas vezes, jornalista não entende o Judiciário (e, com estonteante freqüência, diz que o promotor mandou, que o juiz pediu, essas coisas). Mas, ao menos nas agências oficiais, pela amplitude com que espalham seu noticiário, bem que poderia haver um certo cuidado. Entretanto, é uma agência oficial que chama o advogado-geral do Senado de ‘magistrado’. Só faltou chamá-lo de Meritíssimo.
…mesmo?
Esta é de um blog especializado em esportes, e especializado também em frases como esta. Informa que o lateral-direito Dênis, hoje no Corinthians, deixou o Santos após uma batalha judicial, que ganhou em ‘2ª estância’. Será que o fórum em que a questão foi julgada se encontra ao lado de alguma aprazível fonte termal?
Milhões de pés
Num livro clássico, O Homem que Calculava, Malba Tahan cita um personagem que tinha grande facilidade para contar rebanhos. Desafiado, deu o número exato de ovelhas que passavam pela estrada. E explicou que, como era fácil demais contar as ovelhas, ele preferiu contar as patas e dividir por quatro.
Nossos meios de comunicação deveriam contratar alguém como este personagem, já que desistiram, ao que parece definitivamente, de usar métodos científicos para calcular multidões (não é difícil: mede-se a área, depois se verifica qual porcentagem foi ocupada, e com que proximidade. Se a multidão é compacta, pode-se calcular seis pessoas por metro quadrado). Agora, ou usam o chutômetro ou consultam a Polícia – e quem disse que a Polícia sequer tenta calcular multidões? Resultado: os números são chutados, com ou sem farda.
Em São Paulo, houve recentemente duas grandes manifestações populares: a Marcha para Jesus, no dia de Corpus Christi, e a Parada Gay, no domingo seguinte. Ninguém sabe quantas pessoas compareceram a cada uma. Só houve uma novidade: como a Polícia Militar se recusou a dar os números da Marcha para Jesus, os repórteres foram pedir informações à Guarda Civil Metropolitana. Os números continuam chutados, só que agora trocaram de uniforme.
Alô, presidente
No meio de todo esse debate sobre a reserva indígena Raposa/ Serra do Sol, bem que o presidente Lula poderia pedir à Rede Bandeirantes a cópia das ótimas reportagens de Fábio Pannunzio. Em vez de ouvir dizer, ele veria, pelos olhos das câmeras, que há lugares em que logo logo estarão escrevendo Brazil com z.
E eu com isso?
Você, viciado em hard-core news, com certeza nem entra na área mais suave dos meios de comunicação. Mas é lá que descobrimos coisas de estarrecer – por exemplo, que Madonna está cansada de ser dona-de-casa. Alguém já teria imaginado Madonna como dona-de-casa, com o avental todo sujo de ovo, batendo um bolo para seus pimpolhos?
Há mais, há mais. Alguém cronometrou um vôo radical:
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‘Peixe-voador plana no ar por 45 segundos’Outros preferem fuxicar a vida alheia:
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‘Angelina Jolie passeia de iate com Brad Pitt’**
‘Terminam férias de Britney Spears com Mel Gibson’Britney Spears – já faz tempo que essa moça não se envolve em nenhum escândalo!
O grande título
A concorrência é grande: temos desde os tradicionais títulos obra-aberta, em que a conclusão é deixada ao arbítrio do leitor, até aquele em que a gente entende o que o redator quis dizer, mas não foi isso o que ele disse. Veja só:
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‘Nova lei prevê devolução de IPVA a carros roubados’Se sabem achar o carro roubado para devolver-lhe o IPVA, por que não aproveitam e chamam o dono para recuperá-lo?
As obras incompletas (e publicadas em sites ou jornais de indiscutível reputação):
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‘Taxa de desemprego fica estável na média de 6 regiões metropolitanas em ab’**
‘Ministra Cármen Lúcia vota favoravelmente às pesquisas com células-tr’Um título para especialistas:
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‘Acordo em Dublin sobre tratado que proíbe as bombas em cacho’Um especialista em tecnologia militar, como o Roberto Godoy, ou o Roberto Pereira, ou ainda o Ricardo Bonalume Neto, saberá exatamente do que se trata: daquilo que, no Brasil, chamamos de ‘bombas de fragmentação’. O jornal preferiu traduzir literalmente ‘cluster bomb’. Cluster é penca, ou cacho.
E o melhor de todos:
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‘Cientistas australianos descobriu fóssil de placodermo (peixe pré-histórico) de cerca de 380 milhões de anos prestes a dar à luz’Além dos cientistas que ‘descobriu’, o título revela o único caso até hoje ocorrido de um fóssil que está a caminho da maternidade.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados